26 de dezembro de 2010

26 de dezembro: Santo Estêvão, Protomártir


Sermão de Santo Antônio de Pádua
1. Naquele tempo: "Dizia Jesus às turbas de judeus: Eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas" (Mt 23, 1. 34) etc. Neste evangelho, duas coisas se hão de notas: a perseguição dos justos e a comparação de Cristo com a galinha.

I. DA PERSEGUIÇÃO DOS JUSTOS
2. Perseguição dos justos, como consta: "Eis que eu envio" etc. Nesta primeira cláusula, do ponto de vista moral, será demonstrado como os mundanos e carnais destroem em si ou repelem de si as muitas inspirações da divina graça.
"Dizia, pois, às turbas de judeus." Os judeus, que amavam as coisas transitórias, pelas quais tanto trabalhavam, são os mundanos, dados à carne, que, como diz o livro dos Juízes XII, não conseguem dizer "Scibboleth", que quer dizer espiga ou grão, mas dizem "Sibboleth", isto é, palha (cf. Judic 12, 6). Buscam a palha e em palha se transformam, queimando no eterno fogo.
Diz-se-lhes: "Eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas". Note-se que, nessas três pessoas, designa-se a tríplice inspiração da divina graça. Os profetas são o temor do juízo e o horror do inferno, que Deus envia às almas pecadoras, para profetizar-lhes o terrível juíz e a vingadora geena. Por isso Naum I escreve: "Quem permanecerá em pé diante da face da sua indignação? E quem resistirá, na ira do seu furor? A sua indignação se espalhou como o fogo, e as pedras foram derretidas por ele" (Nah 1, 6). E Joel II: "Diante da sua face há um fogo devorante, e após ele uma chama ardente" (Joel 2, 3). Desses profetas diz o Senhor, em Jeremias XLIV: "Mandei-vos os meus servos profetas, levantando de noite e enviando, e dizendo: Não façais a palavra da abominação desse modo. E não ouviram, sem inclinaram seu ouvido, para que fossem convertidos dos seus males" (Jer 44, 4-5). O Senhor levanta à noite e envia profetas, quando, mesericordiosamente, incute o temor do juízo e o horror do inferto nas almas que estão na noite do pecado. Mas o infeliz não recebe a inspiração, nem inclina o ouvido da obediência, para converter-se dos males à penitência.
Do mesmo modo, "sábios" são aquelas divinas inspirações que ordenam os pensamentos, ponderam as palavras, decoram as obras, harmonizam a vida, e tudo dispõem retamente. Quem aprender com esses sábios tornar-se-á sábio. Deles diz o Eclesiástico VIII: Não desprezes o discurso dos sábios, e presta atenção nos seus provérbios; aprende a doutrina e a inteligência deles (cf. Eccli 8, 9-10). A sua gloriosa escola, a sua feliz doutrina, louvável disciplina, que instruem os costumes e destroem os vícios.
E ainda "escribas", que são as devoções da alma, que no livro da memória escrevem a imundície da nossa concepção, a vileza do nascimento, a malícia da iniquidade, a miséria da peregrinação, a brevidade do tempo, a lembrança da morte. Lê essa escritura da verdade; estuda nesse livro; no qual, como diz Ezequiel II, estão as lamentações, os cantos e ais (cf. Ez 2, 9). As lamentações da imundície da concepção e da vileza do nascimento; o canto lúgubre da malícia da iniquidade e da miséria da peregrinação; os ais da brevidade do tempo e da lembrança da morte. Eis os profetas que o Senhor misericordioso e piedoso vos envia todos os dias, para incutir-vos a dor, os sábios, para instruir os costumes, e os escribas, para pôr-vos na memória o estado da vida.

3. Mas os ingratos Judeus, isto é, os amadores das coisas temporais, com tantos males retribuem os tantos benefícios que receberam. "E, deles, matareis e crucificareis uns, e flagelareis outros nas vossas sinagogas" (Mt 23, 34). Relacionemos cada um. Matarão os profetas, crucificarão os sábios e flagelarão os escribas. Os soberbos e vangloriosos matarão os profetas; os gulosos e luxuriosos crucificarão os sábios; os avaros e usurários flagelarão os escribas. A soberba e a vanglória matam no homem o terror do juízo e o horror do inferno. Por isso, hoje, Estêvão diz aos Judeus, Atos VII: "Dura cerviz," eis a soberba, "e incircuncisos de coração e ouvidos," eis a vanglória: não querem entender nem ouvir a não ser o que agrada; "vós sempre resistis ao Espírito Santo, como os vossos pais. Que profeta não perseguiram os vossos pais? E mataram aqueles que lhes preanunciavam o advento do Justo" (Act 7, 51-52). Assim os matam em si mesmos, porque preanuciam sobre o advento em vistas ao juízo.
Os gulosos e luxuriosos crucificam e afligem os sábios; são aqueles de pensamento corrompido, palavras lascivas, obras dissolutas, costumes indecentes. Por isso dizem eles, Sabedoria II: "Enchamo-nos de vinho precioso e unguentos; e a flor do tempo não passe para nós. Coroemo-nos de rosas, antes que murchem; não haja nenhum prado que não seja transitado pela nossa luxúria" (Sap 2, 7-8).
Os avaros e usurários flagelam os escribas nas sinagogas, isto é, nas suas consciências, onde estão os tronos e a sinagoga de Satanás (cf. Apoc 2, 9. 13). Os infelizes não atentam para o estado, entrada e saída das suas vidas. Na entrada, nem bolsa nem dinheiro, na saída, pobre estopa e saco; na entrada, nus, na saída, envolvidos com curto pano. E de onde tudo isso para eles? Da rapina e da usura. Por isso escreve Habacuc II: "Ai daqueles que multiplicam o que não é seu! Até quando aumenta para si uma grande dívida?" (Hab 2, 6). Faz como o besouro, que junta muito esterco e faz com ele, com grande trabalho, uma bola; mas, passando logo o jumento, põe a pata em cima do besouro e da bola, e, num momento, são destruídos aquele e aquilo em que trabalhou o dia inteiro. Assim o avaro ou usurário, junta o dia todo o esterco do dinheiro, trabalha o dia todo, mas, inesperadamente, o diabo o estrangula. E assim a alma é dada ao demônio, a carne é dada aos vermes e o dinheiro é dado aos parentes.

4. Segue-se: "E sereis perseguidos de cidade em cidade" (Mt 23, 34). Ai! Não basta a miséria de extinguir ou repelir em si a inspiração da divina graça, mas, perseguindo, a expulsam também dos seus filhos, esposas e outros, como de cidade em cidade. Por exemplo: Se o filho do usurário é assaltado pelo temor do juízo ou da pena do inferno, e assim propõe viver honestamente e chorar a miséria desta vida, o seu pai, percebendo-o, persegue nele esta graça com tudas as suas posses; e assim faz com a filha, a esposa e a família.
"Para que caia sobre voz todo o sangue dos justos", isto é, a devida vingança pelo derramamento do sangue, "do sangue do justo Abel", que quer dizer "luto", "até o sangue de Zacarias", que quer dizer "aquele que se lembra de Deus", "filho de Baraquias" (Mt 23, 35), que quer dizer "bênção do Senhor". Eis quantos males impetram os homicidas! Matam em si e nos seus o luto da penitência e a memória da Paixão do Senhor, que como bênção foi dada por Deus Pai ao mundo inteiro. "O qual matastes entre o templo e o altar" (Mt 23, 35), isto é, no átrio do templo. Dele, o Apocalipse XI fala: "Joga fora o átrio, que está fora do templo, e não passe por ele, porque foi dado aos gentios" (Apoc 11, 2), isto é, àqueles que vivem como pagãos. O templo é a Igreja triunfante; o altar, a militante; o átrio, a vaidade mundanam na qual é assassinada a memória da Paixão do Senhor.

II. DA COMPARAÇÃO DE CRISTO COM A GALINHA
5. Comparação de Cristo com a galinha, como está escrito: "Jerusalém, Jerusalém" (Mt 23, 37). [Jesus] chora sobre os homens, e não sobre as pedras, afetado de piedade. "Que matais os profetas", os profetas que anunciaram o Senhor, "e os apedrejas" (Mt 23, 37). É devido a essas palavras que esse evangelho é lido no dia de hoje, no qual o bem-aventurado Estêvão foi apedrejado pelos judeus, reprovando cuja dureza - "Dura cerviz!", disse ele (Act 7, 51) -, suportou a dureza das pedras. Mas: Alegra-se a paciência na dureza (Lucano). Ontem nasceu o Senhor, hoje o seu servo é apedrejado; ontem o rei foi envolvido em panos, hoje milhares despojam-se da veste corruptível; ontem o Salvador foi deitado num presépio, hoje Estêvão é colocado no céu. [Estêvão] quer dizer "regra", "coroado" ou "observador". O seu exemplo é nossa regra: "Ajoelhando-se, orou pelos que o apedrejavam: Senhor, não lhes imputeis este pecado" (Act 7, 60); coroado pelo próprio sangue; observador do Filho de Deus: Vejo os céus abertos, e Jesus à direita de Deus (cf. Act 7, 56).
Segue-se: "Todos os dias quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo de suas asas, e não quiseste" (Mt 23, 37). Como se dissesse: Eu quis e tu não quiseste, e tudo o que congreguei, por minha vontade sempre o fiz, fi-lo apesar de não o quereres, porque sempre foste ingrata.

6. Em outro sentido. O Senhor reprova a alma ingrata: "Jerusalém, Jerusalém". Que quer dizer "temor perfeito", isto é, consumado, ou "temerá perfeitamente". Uma casa é chamada imperfeita antes que esteja acabada. Note-se que o nome "Jerusalém" é repetido duas vezes, porque a alma infeliz, que matou os profetas em si mesma, como foi dito acima, duas coisas temerá: verá o juíz irado acima de si, e a poderosa e ardente geena abaixo de si; e então temerá perfeitamente. Mas agora não teme, porque nesse dia [não quer conhecer] o que é para a sua paz (cf. Lc 19, 42).
"E apedrejas aqueles que são enviados a ti" (Mt 23, 37), isto é, repeles de ti, pela dureza do coração, as inspirações e visitações da divina graça. Isaías XLVIII: "Sei que és duro, e a tua cerviz uma barra de ferro, e a tua fronte de cobre" (Is 48, 4). A barra de ferro significa a inflexível soberba (diz Agostinho: Erguer o pescoço é um sinal de soberba); a fronte de cobre, a irreverência. Por isso Ezequiel III diz: "Toda a casa de Israel tem a testa gasta e o coração duro" (Ez 3, 7).
"Todos os dias quis congregar os teus filhos, e não quiseste." Note-se que a justificação do homem dá-se por duas coisas, a saber: a própria deliberação e a inspiração divina: o Criador coopera com a sua criatura. Por isso, na obra da nossa justificação, é requerido o consentimento voluntário, como diz Isaías I: "Se quiserdes e me ouvirdes, comereis dos bens da terra" (Is 1, 19). O livre arbítrio nessa obra é indicado quando se diz: "Se o meu povo me ouvisse" (Ps 80, 14) etc. Porque se nós, nessa obra, nada fazemos, em vão imploramos o seu auxílio, e falsamente o chamamos cooperador. Porque uma coisa é fazer e outra é ajudar. O que é auxiliar, senão cooperar com quem obra? Bem entendeu tê-lo como auxiliador e cooperador aquele que disse: "Sede o meu ajudante e o meu libertador, Senhor, não tardeis" (Ps 69, 6). Todos os dias pedimos o seu auxílio, quando, nas orações diárias, dizemos: "Ajudai-nos, ó Deus, nossa salvação" (Ps 78, 9). Fica patente que essa obra é realizada a dois, na qual o Criador coopera com a sua criatura.
Essa obra é do nosso próprio esforço e da divina graça. Nada adianta alguém apoiar-se no livre arbítrio se não for apoiado pelo divino auxílio. A nossa justificação perfaz-se pela nossa própria deliberação e pela inspiração divina. Apenas querer a justiça é já ser justo. Somente de acordo a vontade deles chamamos, com razão, aos homens justos ou injustos, ainda que as suas obras ajudem o nosso juízo. Faze, pois, o que toca a ti, oferecendo a tua vontade, e Deus fará o que está da sua parte, infundindo a graça.
Note-se que que nem um anjo, nem um homem, nem o diabo pode tirar o livre arbítrio, nem Deus quer obrigar pela força. Mas, ó alma, ele benignamente quer reunir os teus filhos, isto é, os teus afetos, que estão dispersos pelas coisas temporais e vícios, para que habites unanimemente na casa (cf. Ps 67, 7): tu, nela, de boa vontade dever oferecer-te a ti mesma, e desejá-lo.

7. "Como a galinha reúne os seus pintinhos sob as suas asas." Note-se que a galinha faz-se fraca com os pintinhos fracos; chama-os para comer até ficar rouca; protegendo-os sob as asas, enfrenta asperamente a ave de rapina. Assim Cristo, Sabedoria do Pai, por nós, fracos, fez-se fraco. Por isso diz Isaías LIII: "Desejamo-lo, desprejado e último", isto é, o mais vil dos homens, "homem de dores e conhecedor da fraqueza" (Is 53, 2-3). Quem quiser consolar o fraco deve revestir-se do sentimento do fraco. Por isso o quarto livro dos Reis IV diz que Eliseu "deitou-se sobre um menino (morto), e a sua carne esquentou-se" (4Reg 4, 34). O deitar-se de Eliseu é a Encarnação de Cristo, da qual recebemos a fé e recuperamos a vida. Chamou-nos ao alimento da sua doutrina, clamando tanto que a sua garganta ficou rouca (cf. Ps 68, 4).
Note-se que o rouco não tem melodia na voz, mas fala gravemente, e assim não é muito bem ouvido. Assim hoje, a doutrina de Cristo não tem a melodia da adulação, porque não elogia os pecadores, não promete coisas temporais; mas soa gravemente, porque ensina a castigar a carne e despreza o mundo; por isso não é muito ouvida. Por isso lamenta-se em Jó XIX: "Eu chamei pelo meu servo e ele não respondeu; suplicava por ele com minha própria boca. A minha esposa sentiu horror ao meu hálito, e eu orava aos filhos do meu seio" (Job 19, 16-17). A esposa de Cristo são os clérigos, engravidados pela sua herança, que, antes dos outros, sentem horror ao hálito, isto é, à sua pregação, que procede do seu íntimo, porque, como disse Jó, a sabedoria é trazida dos lugares secretos (cf. Job 28, 18).
Do mesmo modo, para proteger-nos, estende os seus braços, como asas, na cruz, e com ásperos espinhos opôs-se ao diabo, que planejava a nossa captura. Com a coroa de espinhos, como um elmo, na cabeça, a cruz, como um escudo, no braço, o cravo, como clava, na mão, e, assim armado, expulsou o nosso adversário. A ele, pois, louvor e glória pelos séculos eternos. Amém.

III. SERMÃO ALEGÓRICO
8. "Farás um candelabro dúctil de ouro puríssimo, e os braços, cálices, botões e lírios do mesmo material. Seis braços sairão dos lados, três de um lado e três de outro" (Ex 25, 31-32). Isso em Êxodo XXV).
"Farás um candelabro" etc. Disso fala Mateus V: "Não se acende uma lanterna para pô-la sob o alqueire, mas sobre o candelabro, para que ilumine todos os que estão em casa" (Mt 5, 15). A graça do Espírito Santo, "lanterna que arde e ilumina" (Jo 5, 35), foi posta sobre o candelabro, isto é, Santo Estêvão, como disse Zacarias IV: "Vi, e eis um candelabro todo de ouro, e as suas lâmpadas sobre a sua cabeça" (Zach 4, 2). Essa lâmpada, ou lanterna, não foi posta sob o alqueire, isto é, o lucro temporal, mas iluminava todos os que estavam na casa, isto é, a Igreja. Por isso Lucas, na leitura de hoje, escreve: "Estêvão era cheio de graça e fortaleza, fazia prodígios e grandes sinais no povo" (Act 6, 8).
Ele foi o candelabro "de ouro puríssimo", que significa a sua áurea pobreza. Assim, pois, como está escrito no Gênesis II, o ouro daquela terra, isto é, Hevilat, que quer dizer parturiente, isto é, a Igreja primitiva, era ótimo. Mas ai!, que transformou-se em escória! Era "dúctil". Dúctil quer dizer batido. O bem-aventurado Estêvão também foi batido, pelas pedras, com os braços abertos para abraçar seus inimigos. Por isso: "Apedrejavam Estêvão, que rezava e dizia: Senhor, não lhes imputeis este pecado" (Act 7, 59-60). Acerca disso, há concordância no terceiro livro dos Reis XXI: "Conduziram Nabot, Jezraelita, para fora da cidade, e mataram-no apedrejado" (3Reg 21, 13). Porque ele não quisera que a sua vinha, herança dos seus pais, fosse transformada numa horta (cf. 3Reg 21, 2-3). Assim o bem-aventurado Estêvão foi apedrejado: "Expulsando-o da cidade, apedrejaram-no" (Act 7, 58); porque contradizia os judeus, que queriam transformar a Igreja primitiva numa horta, isto é, da observância das suas cerimônias e tradições.

9. Segue-se: "Seis braços sairão dos lados, três de um lado e três do outro". Os seis braços fazem-nos notar aquelas seis coisas que a Missa de hoje menciona sobre o bem-aventurado Estêvão, a saber: a fé, quando diz: "Escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo" (Act 6, 5), no que se nota o quanto a sua fé foi viva e formada; a graça e a fortaleza, quando acrescenta: "Cheio de graça e fortaleza" (Act 6, 8); a sabedoria e a ousadia na pregação, quando ajunta: "Não puderam resistir à sabedoria e ao espírito com que falava" (Act 6, 10), e ainda: "Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração" (Act 7, 51) etc.; a oração pelos que o apedrejavam, quando diz: "Senhor, não lhes imputeis este pecado" (Act 7, 60). Vivia pela fé; comunicava com a graça; resistia com a fortaleza; instruía com sabedoria; confutava com o espírito de audácia; auxiliava com a oração.
Nesses braços havia cálices, botões e lírios. Pela concavidade do cálice, está simbolizada a humildade do coração; pela redondeza dos botões, a solicitude pelas necessidades fraternas; pelos lírios, a pureza do corpo. Eis o candelabro de ouro no tabernáculo do Senhor, iluminando a mesa da proposição, isto é, a Igreja ou a alma fiel: o protomártir Estêvão, insigne pelas virtudes, decorado com o sangue, triunfante nos céus. Por cujas preces nos conduza às alegrias eternas aquele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

IV. SERMÃO MORAL
10. "Farás um candelabro dúctil de ouro puríssimo." O candelabro designa a alma de qualquer fiel. Disso fala o Senhor a Aarão no livro dos Números VIII: "Quando puserdes as sete lanternas, o candelabro seja erguido na parte austral, para que as lanternas estejam voltadas contra a região boreal, para a mesa dos pães da proposição" (Num 8, 2). As sete lanternas são a graça do Espírito Santo, a fé no Verbo Encarnado, o amor ao próximo, a doutrina da palavra divina, a luz do bom exemplo, a reta intenção da alma e a constância nos propósitos.
Da primeiro diz Jó XXIX: "Reluzia a sua lanterna sobre a minha cabeça, e, à sua luz, eu caminhava nas trevas" (Job 29, 3). A lanterna sobre a cabeça ilumina, quando a graça ilumina a mente, e, então, nas treavs do presente exílio, vê claramente onde põe o pé da obra.
Da segunda lemos em Lucas XV: "Qual mulher, tendo dez dracmas, e perdendo uma, não acende a lanterna e revira a casa, até que a encontre?" (Lc 15, 8). As nove dracmas são as nove ordens dos anjos; a décima, Adão com a sua posteridade, que foi perdida quando foi expulsa do paraíso. Mas a "mulher", isto é, a Sabedoria de Deus Pai, "acendeu uma lanterna", quando colocou a luz da sua divindade na nossa frágil cabeça. E assim "revirou a casa", isto é, o mundo ou o inferno, "até encontrá-la".
Da terceira, nos Provérbios VI: "O mandamento é uma lanterna, e a lei, luz, e os golpes da disciplina são o caminho da vida" (Prov 6, 23). "Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros" (Jo 13, 34), "é uma lanterna"; e na primeira epístola de São João II: "Quem ama o seu irmão permanece na luz, quem o odeia está em trevas" (1Jo 2, 10-11). E esta "lei" do amor, da qual dependem a lei e os profetas (cf. Mt 22, 40), é "luz". E "os golpes da disciplina são o caminho da vida", isto é, que conduz à vida. Dela escreve o Apóstolo aos Hebreus XII: "Toda disciplina, no presente, parece ser tristeza, e não alegria", eis os "golpes"; "depois, porém, dá aos que nela se exercitam um grande fruto de paz e justiça" (Hebr 12, 11), eis o "caminho da vida".
Da quarta, no Salmo: "A vossa palavra é uma lanterna para os meus pés" (Ps 118, 105), e Pedro, na segunda epístola I: "Temos uma profecia firmíssima, a qual bem fazeis em obedecer, e a qual é como uma lanterna iluminando um lugar com fumaça, até que clareie o dia e nasça um luzeiro nos vossos corações" (2Pt 1, 19).
Da quinta, em Lucas: "Estejam cingidos os vossos rins, e tenhais lanternas acesas nas vossas mãos" (Lc 12, 35). Gregório diz: Temos lanternas nas mãos, quando, pelos exemplos das boas obras, mostramos a luz aos nossos próximos.
Da sexta, em Mateus: "O teu olho é a lanterna do teu corpo. Se o teu ohlo for simples, todo o teu corpo estará iluminado" (Mt 6, 22). O olho é a intenção, o corpo, a obra. Se a intenção for simples, isto é, sem a dobra da fraude, toda a obra será iluminada, por que é iluminada pela lanterna da reta intenção.
Da sétima fala-se nos Provérbios, sobre a mulher forte, terminando assim: "A sua lanterna não se apagará de noite" (Prov 31, 18). Como se dissesse: A obscuridade da tentação diabólica não apagará a luz da alma constante.
Essas sete lanternas devem ser postas sobre a alma, para que "esteja voltada contra a região boreal", isto é, contra o vento norte, isto é, o diabo, para que a alma assim iluminada descubra as astúcias de Satanás, e cuide-se; iluminem também a "mesa dos pães da proposição", que significa a conduta de cada fiel, da qual, se a refeição da alma for celestial, será oferecido tudo aquilo que for iluminados pelas ditas lanternas, nas trevas da presente cegueira. E note-se que este "candelabro" o Senhor manda que seja "erguido na parte austral", não na ocidental. A parte austral é a vida eterna: "Deus virá do sul", diz Habacuc (Hab 3, 3). A alma de cada fiel, quando eleva-se fazendo algum bem, eleve-se na parte austral, para que, o que quer que faça, não o faça em vão, mas para a glória celestial. Portanto, "farás um candelabro".

11. Segue-se: "Dúctil". Pelo martelo da contrição produz-se e extende-se a alma no amor do Redentor, que cresce com os golpes, dilata-se com a dor, porque a paciência alegra-se nas durezas (Lucano). Semelhantemente, lemos no Eclesiástico XX: "O sábio, na palavra, faz-se sábio" (Eccli 20, 29). Quando ele se golpeia com a palavra da própria acusação ou confissão, produz-se a si mesmo no amor de Deus. E, visto que pelo golpe da contrição vem ao coração a pureza, ajunta-se: "De ouro puríssimo". Dele se fala no Apocalipse XXI: "Essa cidade é de um ouro puro, semelhante a um vidro puro" (Apoc 21, 18). A alma do justo, sede ou cidade da sabedoria, é chamada ouro puro, porque resplende pela pureza do pensamento; e se, vez por outra, pela fragilidade da condição humana, recebe manchas, imediatamente as mostra na confissão, e assim aproveita para o amor de Deus e do próximo.
Por isso continua: "Seis lanternas sairão dos lados" etc. As seis lanternas no cantelabro são como certos braços do amor que há no homem justo, com o qual a alma abraça Deus e o próximo. Dos braços com que abraça Deus fala-se no Deuteronômio VI e em Lucas X: "Ama o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças" (Deut 6, 5; Lc 10, 27). Agostinho assim explica: De todo o coração, isto é, com a inteligência sem erro; de toda a mente, isto é, com a memória sem esquecimento; de toda a alma, isto é, com a vontade sem contrariedade.
Ainda, os braços com que a alma abraça o próximo são esses: perdoar o pecador, corrigir o errado, alimentar o faminto. Desses braços saem cálices, botões e lírios. O cálice é a graça da doutrina celestial, da qual bebem os amigos e se embriagam os queridos. Esse é o cálice de prata de José, colocado no saco de Benjamim (cf. Gen 44, 2. 12), isto é, no coração do homem justo. O botão é a revolução do pecado na confissão.
Por isso diz Isaías XXIII: "Toma a cítara", isto é, a confissão, "contorna a cidade", isto é, a tua alma ou vida, para que tudo revires, e nada te fique escondido, "canta bem", acusando-te a ti mesmo, "repete o cântico", culpando-te, chorando, "para que se lembrem de ti" (Is 23, 16) diante de Deus. Faze como o cantor, que canta à porta dos ricos, para receber algum benefício. Nos lírios, a gloriosa e suave companhia da angélica bem-aventurança. O amado se apascenta entre os lírios (cf. Cant 2, 16), e diz no Apocalipse III: "Aquele que vencer será vestido com vestimentas brancas" (Apoc 3, 5). Como o anjo da Ressurreição, que apareceu coberto com uma estola branca (cf. Mc 16, 5).
Conduza-nos para tomarmos aquela estola, aquele que é bendito pelos séculos eternos. Amém.


Traduzido por nós de http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=0&c=0&p=0

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