27 de dezembro de 2010

Domingo na Oitava do Natal: Sermão de Santo Antônio de Pádua (parte 2/5)

5. A seguir, sobre a tristeza da penitência. Simeão, aquele que ouve a tristeza. Dela fala o Apóstolo: A tristeza que é segundo Deus opera a salvação (cf. 2Cor 7, 10). E nos Provérbios: "O espírito triste seca os ossos" (Prov 17, 22), pelo peso da devassidão e petulância. Por isso Jó: "Castiga pela dor no leito, e faz enfraquecer todos os seus ossos. O pão lhe é abominável à sua vida, e a comida que antes desejava, à sua alma" (Job 33, 19-20). O leito é a deleitação carnal, na qual a alma jaz como que paralítica, dissoluta em todos os membros. Por isso, em Mateus: "Mostraram-lhe um paralítico jazendo num leito" (Mt 9, 2). O Senhor castiga pela dor no leito, quando incute a dor dos pecados na alma que repousa na deleitação carnal, e então ouve a tristeza, que faz enfraquecerem todos os seus ossos.
Daniel, tendo uma visão, disso: "Não ficou em mim nenhuma força, mas até a minha aparência mudou, e encolhi, e não tive mais forças" (Dan 10, 8). A quem aconteceu isso, torna-se abominável o pão, isto é, a deleitação carnal, à sua vida e à sua alma, isto é, à sua animalidade, o alimento antes desejável. Eis o que diz Daniel: "Não comi o pão desejável, carne e vinho não entraram na minha boca, nem fui ungido com unguentos" (Dan 10, 3).
Disse Salomão: "O coração que conheceu a amargura da sua alma, não se misturará na sua alegria um estrangeiro" (Prov 14, 10). Onde estiver a mirra da tristeza, aí não será admitido o verme da luxúria. Por isso Isaías diz: "Afastai-vos de mim, chorarei amargamente". Como a fumaça espanta as abelhas, assim a amarga e lacrimosa compunção expele os demônios, que rodeiam a alma como as abelhas, o favo. "E não trateis", ó afetos carnais, "de consolar-me", porque, como disse Jó, "vós todos sois consoladores pesados" (Job 16, 2). "A minha alma não quis ser consolada" (Ps 76, 3) pelo vosso consolo. "Vossas consolações, ó Senhor", e não as minhas - porque "ai de vós, que tendes o vosso consolo" (Lc 6, 24) -, "alegraram a minha alma" (Ps 93, 19). "Não trateis, pois, de consolarme sobre a devastação", isto é, aflição, "da filha" isto é, da carne, que é filha "do meu povo", isto é, da população dos meus cinco sentidos. Dele fala o Salmo: "Que submete o meu povo a mim" (Ps 143, 2).

6. Segue-se a respeito da obediência. Ana, "aquela que responde", assim como Samuel: "Fala, Senhor, que teu servo escuta" (1Reg 3, 10); e como Isaías: "Eis-me, enviai-me" (Is 6, 8); e como Saulo: "Senhor, que quereis que eu faça?" (At 9, 6). Diz o Eclesiástico: "A resposta suave quebra a ira" (Prov 15, 1), "e o modo de falar gracioso abundará no homem bom" (Eccli 6, 5). "A resposta suave" do humilde súdito "quebra a ira" do superior soberbo. Por isso se diz nos Provérbios: "A paciência" do súdito "aplaca o príncipe" (Prov 25, 15). "Não lutes contra o ímpeto da correnteza", como diz o Eclesiástico (Eccli 4, 32), isto é, a vontade do superior, "mas humilha a tua cabeça diante dele" (Eccli 4, 7)."E o modo de falar gracioso abundará no bom" súdito, de modo que pode dizer com Jó: Chamai-me, e responder-vos-ei (cf. Job 14, 15). Ele responde a quem chama e obedece de coração quem lhe é superior.
Eis que explicamos brevemente essas quatro virtudes, por que quem quer encontrar Jesus tem essas quatro pessoas, em meio às quais repousa a salvação. José e Maria levaram Jesus ao templo. Simeão e Ana professam e bendizem. Porque a pobreza e a humildade levam o Jesus pobre e humilde. A pobreza o leva nos braços.

7. Por isso, no Gênesis, lê-se: "Issacar é um asno forte, deitado nos confins; viu que o descanso era bom, e que a terra era ótima; abaixa o braço para carregar" (Gen 49, 14-15). Issacar quer dizer recompensa, e significa a pobreza, que abandona todas as coisas temporais, para poder receber a recompensa da eternidade. Ela é chamada "asno forte". O asno é um animal de carga, apascentado nos lugares ásperos e vis. Assim a pobreza carrega o peso do dia e do calor (cf. Mt 20, 12), e vive nas coisas grosseiras e ásperas. Migalhas de pão, diz São Bernardo, e simples água, vegetais ou legumes simples de modo algum são coisas deleitáveis, mas, no amor a Cristo e desejo da deleitação interior, é muito deleitável poder satisfazer com eles um ventre sóbrio e mortificado. Quantos milhares de pobres satisfazem deleitavelmente a natureza, com esses alimentos ou semelhantes! Seria facílimo e deleitável viver segundo a natureza, adicionando o condimento do amor de Deus, se a nossa insanidade no-lo permitisse.
Continua-se: "Deitado nos confins", não "entre os confins" (Gen 49, 14). Dois são os confins, a saber: a entrada e a saída da nossa vida. Nesses deita-se, descansa a pobreza. Contempla a paupérrima entrada do homem, e vê a sua vilíssima saída, e por isso não quer deitar-se entre os confins, para ouvir, como diz o livro dos Juízes, o murmúrio dos rebanhos (Judic 5, 16), isto é, a suave sugestão dos demônios. Habita ou deita-se entre os confins aquele que não contempla a entrada e a saída da sua vida, mas prefere descansar no prazer da carne e na vaidade do mundo.
Segue-se: "Viu que o descanso" da celestial bem-aventurança "era bom, e que a terra" da eterna estabilidade "era ótima; abaixou o braço para carregar" o pobre Jesus, Filho de Deus. Carrega Jesus quando suporta pacientemente, por amor dele, tudo o que lhe acontece de adverso. Por isso diz o Eclesiástico: "Recebe tudo o que for ligado a ti, e segura-o mesmo na dor" (Eccli 2, 4). A pobreza carrega-o nos braços, a humildade, no peito e nos braços. Por isso diz-se nos Cânticos: "O meu amado é para mim um raminho de mirra, e morará entre os meus seios" (Cant 1, 12). Nesse diminutivo, "raminho", denota-se a humildade; a mirra designa a amargura da Paixão do Senhor. O coração fica entre os seios, como se a esposa dissesse: Eu carrego no coração o meu amado Jesus, raminho de mirra, isto é, humilde e crucificado, para que eu seja humilde de coração, e fixe meu corpo à cruz com ele. Portanto, a pobreza e a humildade levaram Jesus ao templo, quer dizer: todos os que veem ao templo da Jerusalém celeste, que não é feito por mãos de homens.
Ainda, a penitência e a obediência professam e bendizem. Por isso diz o Salmo: "A confissão e a beleza estão diante dele" (Ps 95, 6), falando do penitente, cuja confissão é beleza. Porque a confissão limpa a lepra do pecado e enfeita com a graça do Espírito Santo. Por isso diz o Salmo: "Vestiste confissão e decoro" (Ps 103, 2), isto é, os penitentes, que são limpos pela confissão e decorados com a graça. Segue-se: "A santidade e a magnificência estão na sua santificação" (Ps 95, 6), falando do obediente, que o Senhor santifica com a santidade da consciência na mortificação da própria vontade, e a magnificência da vida na execução da ordem alheia. Eis onde habita o rei das virtudes. Tem, pois, essas virtudes, e encontrarás o Deus de sabedoria e o Deus das virtudes, Jesus.
A ele, caríssimos irmãos, imploremos humildemente, para que edifique a casa dos nossos costumes nessas quatro colunas, para que ele possa habitar conosco e nós com ele. Conceda-no-lo aquele que é bendito pelos séculos. Amém.

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