30 de dezembro de 2010

Domingo na Oitava do Natal: Sermão de Santo Antônio de Pádua (parte 4/5)

12. Segue-se: "E em sinal a ser contradito" (Lc 2, 34). Disso, em Mateus: "E então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem" (Mt 24, 30); e Isaías: "Sobre o monte esfumaçado elevai um sinal, erguei a voz, levantai a mão" (Is 13, 2). O monte esfumaçado é o diabo: monte, devido à soberba, e esfumaçado, devido à fumaça da sugestão, que aplica às almas. Sobre ele, então, os pregadores elevam um sinal, quando pregam-no vencido por virtude da cruz; erguem a voz quando oportuna e importunamente argúem, pregam, repreendem (cf. 2Tim 4, 2); levantam a mão, quando pregam com a voz, e praticam com obras.
Ainda sobre esse sinal, fala o Senhor em Ezequiel: "O sinal 'thau' (T) nas frontes dos homens que gemem e compungem-se por causa de todas as abominações que se fazem em meio a eles" (Ez 9, 4). Somente esses não contradizem o sinal da Paixão do Senhor, porque o carregam na fronte. Quem são os que gemem e compungem-se, senão os penitentes, pobres de espírito, que se gloriam na cruz de Cristo, e, por causa das abominações que se fazem no mundo, têm compunção e gemem? Os infiéis o contradizem por palavras e obras - por isso diz o Apóstolo: "Pregamos Jesus crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos" (1Cor 1, 23) -; os falsos cristãos, pelas obras. "Ai", diz Isaías, "daquele que contradiz o seu feitor, sendo terracota entre os cacos da terra!" (Is 45, 9), isto é, um vaso. Caco de louça é chamado "Samius" em latim, pois nessa cidade são fabricadas louças. Terracota, ou cozida, é o falso cristão: tostado, porque sem devoção, frágil na obra, louça pela criação; o qual contradiz o seu feitor, Cristo, que, com as mãos pregadas na cruz, modelou-o, restituiu-lhe a honra da primeira dignidade, na qual não pode permanecer senão por ele. Por que, pois, o infeliz contradiz, com o testemunho de uma vida má, o seu feitor, o seu redentor?

13. Por isso, em Isaías: "Abri as minhas mãos o dia todo para um povo incrédulo, que caminha por um caminho não bom, atrás dos seus pensamentos; povo que, diante da minha face, sempre me provoca à ira, que imolam nos hortos e fazem sacrifícios sobre tijolos, que habitam em sepulcros e dormem nos templos dos deuses, que comem carne suína, e nos seus vasos há um direito profano" (Is 65, 2-4). "Abri" largamente, não negando nada aos que pediam. Por isso, nos Provérbios: "Abri minha mão, e não havia quem olhasse" (Prov 1, 24). Na sua primeira vinda, a mão do Senhor foi aberta, mas na segunda será fechada, e então baterá com o punho, "e quebrará as mandíbulas dos leões" (Ps 57, 7). "Abri", pois, "as minhas mãos", na cruz, como se dia nos Cânticos: "Suas mãos são torneadas, de ouro, cheias de safiras" (Cant 5, 14). As mãos de Cristo são ditas "torneadas" pela Paixão, porque foram perfuradas pelos cravos como um torno; "de ouro", pela pureza das obras; "cheia de safiras", isto é, dos prêmios da vida eterna; dos quais a primeira safira mereceu receber o Ladrão: "Hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23, 43).
"O dia todo", e toda a noite, porque, quando o dia da prosperidade mundana nos sorri, então devemos recordar-nos da morte de Jesus Cristo. Por isso se diz que o sol, na sua morte, obscureceu-se (cf. Lc 23, 45). O sol da glória mundana deve obscurecer-se para nós à memória da Paixão do Senhor.
"Abri a um povo incrédulo." Diz Isaías: "Quem é incrédulo age como um infiel" (Is 21 ,2). Diz Santo Agostinho: Crer em Deus é amar a Deus, e ir a ele, e incorporar-se aos seus membros. Quam não faz isso mente quando diz: Creio em Deus. Incrédulo é, pois, quem não crê nisso, e age como um infiel: a sua fé é morta, porque carece de caridade.
"Que caminha por um caminho não bom", largo e espaçoso, que conduz à morte (cf. Mt 7, 13). Igualmente nos Provérbios: "O homem apóstata é um homem inútil, caminha com a boca pervertida, fala com o dedo, aponta com os olhos, esfrega com o pé" (Prov 6, 12-13). "Atrás de seus pensamentos", dos quais se fala no livro da Sabedoria: "Os pensamentos maus separam de Deus" (Sap 1, 3); e: "O Espírito Santo se retira dos pensamentos que são sem inteligência" (Sap 1, 5).
"Povo que me provoca à ira", isto é, à vingança, pelo zelo em fazer o mal. Por isso diz Sofonias: "Ai da cidade provocadora e redimida" (Soph 3, 1), como se dissesse: Aqueles que redimi com o meu sangue provocam-me à ira.
"Diante da minha face, sempre", isto é, manifestamente, o que é pior. "O seu pecado", diz Isaías, "alardearam como Sodoma, e não esconderam" (Is 3, 9).
"Que imolam nos hortos", eis a luxúria. Por isso diz Isaías: "Enrubescereis sobre os hortos" (Is 1, 29), isto é, os locais voluptuosos, "que elegestes" para a vossa luxúria.
"E sacrificam sobre tijolos", eis a avareza. Por isso, se diz no Êxodo: "Não vos será dada palha, e fareis o mesmo número de tijolos" (Ex 5, 18). Acontece muitas vezes que os avarentos e usurários tirem a palha, isto é, as riquezas, rendendo ao diabo os mesmos tijolos de avareza. Ou: sobre os tijolos sacrificam os que rezam ao Senhor o ofício divino junto ao fogo ou na cama.
"Que habitam nos sepulcros", eis a detração. "A sua garganta é um sepulcro aberto" (Ps 13, 2) etc. "E dormem nos templos dos ídolos", eis a hipocresia, que, como um ídolo, mostra uma aparência de religião, mas carece da verdade das obras. Ai! Quantos cultuadores de ídolos hoje são venerados como um simulacro, que simulam a santidade que não têm.
"Que comem carne de porco", eis a imundície da gula; "e há nos seus vasos um direito provano", isto é, nos seus corações, a impureza dos pensamentos. Os que fazem assim, contradizem o sinal da Paixão do Senhor.

14. Segue-se: "E uma espada transpassará a tua alma" (Lc 2, 35). A dor, que Santa Maria suportou na Paixão do seu Filho, foi como uma espada, que transpassou a sua alma. Isto diz Isaías: "Deu à luz antes dos trabalhos de parto" (Is 66, 7). Note-se que duplo foi o parto de Santa Maria: um segundo a carne e outro segundo o espírito. O parto da carne foi virginal e todo cheio de alegria, porque a Virgem deu à luz sem dor, com a alegria dos anjos. Por isso diz, com Sara, no Gênesis: "O Senhor fez-me um riso; todos os que ouvirem rirão comigo" (Gen 21 ,6). Devemos rir e alegrar-nos com Santa Maria no Nascimento do seu Filho; devemos também compungirmos com ela na Paixão dele, na qual a sua alma foi transpassada por uma espada, e então foi o segundo parto, doloroso e cheio de toda amargura. Isso não é de admirar, porque o Filho de Deus, que concebera e dera à luz sendo Virgem, com a cooperação do Espírito Santo, via ser pregado no lenho com cravos, e suspenso entre ladrões. Como não esperar que uma espada lhe transpassasse a alma? "Chegai e vede se há dor como a sua dor" (Lam 1, 12). Antes, portanto, de parir na Paixão, deu à luz no Natal.

15. Do ponto de vista moral. Diz Jeremias, em nome de Jesus Cristo, ao Pai: "Lembrar da minha pobreza e cruzamento é para mim absinto e fel" (Lam 3, 19). A Paixão de Cristo é chamada cruzamento, pois cruzou a dor e a paixão de todos os mártires. Por isso Lucas diz que "Moisés e Elias narrara, a sua passagem", isto é, a sua Paixão, que passou por toda paixão, "que se daria em Jerusalém" (Lc 9, 31). Quando o homem justo atenta para isso, logo acrescenta o seguinte: "Lembrarei com a memória, e a minha alma se cala" (Lam 3, 20).
Ó Filho de Deus, "lembrarei com a memória" - a redundância de palavras exprime o grande afeto do amante - a tua "pobreza", que foi tanta, que na morte não teria um sudário com o qual fosse envolvido, ou um túmulo no qual fosse sepultado, se não lhe fosse dado como a um pobre mendigo, como obra de misericórdia e esmola; "e o cruzamento", isto é, a Paixão, com a qual cruzastes toda dor humana. Por isso se diz, em João: "Saiu Jesus com os seus discípulos para além da torrente de Cedron" (Jo 18, 1), que quer dizer "luto do triste". Porque toda tristeza e luto foi percorrido na Paixão. Todos os mártires, antes de suportar a paixão, ignoravam quanta dor sofreriam nela, e assim não sentiam tanta dor quanto sentiriam se soubessem. O Senhor, porém, que sabe tudo antes que aconteça, antes de chegar à Paixão, sabia toda a força da sua dor, e, portanto, não é de admirar que se doesse mais do que todos os outros. "Absinto e fel", dos quais se diz no Salmo: "Deram-me a comer fel" (Ps 68, 22) de touro, mais amargo do que qualquer coisa. Quando me lembro disso, cala-se a minha alma, que transpassa a espada da tua Paixão.
Quando isso acontecer, então, como diz o seguinte: "revelar-se-ão os pensamentos de muitos corações" (Lc 2, 35). Isto é o que diz Jó: "O que revela as profundezas das trevas, e revela na luz a sombra da morte" (Job 12, 22). Quando o Senhor transpassa uma alma com a espada da sua Paixão, então as "profundezas", isto é, os vícios, que estão longe do fundo da suficiência, porque nunca dizem: "Basta", mas sempre: "Traze, traze" (cf. Prov 30, 15), "revela das trevas", isto é, da cegueira da alma, na contrição do coração, para que o homem a conheça, e, conhecida, manifeste-a na confissão; da qual se segue: "e revela na luz" da confissão "a sombra da morte", isto é, o pecado mortal.

16. Com essa passagem evangélica, concorda esta parte da epístola de hoje: "Quando virá a plenitude dos tempos" (Gal 4, 4). Se, como diz o Eclesiastes, "todo negócio é tempo" (Eccle 8, 6), e o Eclesiástico: "o sabio calar-se-á até o tempo" (Eccli 20, 7), é próprio de Deus, no negócio da salvação do homem, observar o seu tempo para a emissão do Verbo. Note-se que há quatro estações no ano: inverno, primavera, verão e outono. De Adão até Moisés foi como o inverno: "Reinou", diz o Apóstolo, "a morte de Adão até Moisés" (Rom 5, 14). A primavera foi de Moisés até Cristo. Nela começaram a pulular deveras as flores, prometendo frutos. Quanto, porém, veio o verão, que é a plenitude dos tempos, no qual as árvores enchem-se de frutos, então "enviou Deus o seu Filho, feito da mulher" (Gal 4, 4).
O Levítico concorda com isso: "Dar-vos-ei as chuvas nos seus tempos, e a terra germinará a sua semente, e as árvores encher-se-ão de frutos. A debulha do trigo durará até a vindima, e a vindima até a sementeira; e comereis o vosso pão à saciedade" (Lev 26, 3-5). O Senhor deu a chuva, quando pôs o orvalho no ar, e a chuva desceu como um véu (cf. Judic 6, 40), isto é, quando, pelo anúncio do Anjo, a Virgem concebeu o Filho de Deus. A terra germinou a semente, quando a mesma Vrigem deu ao mundo o Salvador, em cuja pregação e operação de milagres, as árvores, isto é, os apóstolos, encheram-se dos frutos das virtudes. E a debulha, isto é, a Paixão do Senhor, que foi debulhado por causa das nossas manchas (cf. Is 53, 5), apreendeu a vindima, isto é, a infusão do Espírito Santo, do qual foram inebriados os apóstolos: Os que o Espírito enchera eram considerados embriagados de vinho doce (cf. Act 2, 13-14). E essa vindima durou até a sementeira, isto é, a sua pregação, porque começaram imediatamente a pregar e dizer: "Fazei penitência, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo" (Act 2, 38).
O outono será na celestial bem-aventurança, na qual comerão o pão do santo à saciedade, "e sentar-se-ão", como diz Miqueias, "abaixo da sua vinha e abaixo do seu figo, e não haverá quem os desterre" (Mich 4, 4).
Segue-se: "Feito sob a lei" (Gal 4, 4), isto é, submetido às observâncias da lei: "Não vim abrogar a lei, mas levá-la à plenitude" (Mt 5, 17), "para redimir os que estavam sob a lei" (Gal 4, 5). Semelhantemente, na epístola aos Hebreus: "Para que, pela morte, destruísse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo; e libertasse aqueles que, submetidos a vida toda ao temor da morte, eram ligados à servidão" (Hebr 2, 14-15). Eis aí claramente como ele foi posto em ruína para os demônios e ressurreição de muitos. Por isso segue-se: "Para que fôssemos recebidos na adoção dos filhos" (Gal 4, 5). Quanta graça! Adotou os servos como filhos! "Se filhos, também herdeiros: herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo" (Rom 8, 17).

Traduzido por nós de http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=2&c=10&p=0

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