30 de dezembro de 2010

Domingo na Oitava do Natal: Sermão de Santo Antônio de Pádua (parte 5/5)

III. NA ANUNCIAÇÃO OU NASCIMENTO DO SENHOR, E SOBRE A PENITÊNCIA

17. Com essa passagem da epístola, concorda o introito da Missa de hoje: "Quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas, e a noite chegava ao meio do seu curso, vossa palavra todo-poderosa desceu dos céus e do trono real, e, qual um implacável guerreiro, arremessou-se no meio da terra do extermínio. Espada afiada, levando o teu império não simulado, e, em pé, encheu tudo de morte, e, pisando a terra, tocava os céus" (Sap 18, 14-16).
Eis o que disse o Senhor em Lucas: "Quando um forte armado", isto é, o diabo, "guarda a sua casa", isto é, o mundo ou inferno, "está em paz aquilo que ele possui" (Lc 11, 21). Por isso, Senaquerib, que representa o diabo, diz, em Isaías: "Minha mão encontrou como um ninho", isto é, incapazes de proteger-se, "a fortaleza dos povos; e como se recolhem os ovos abandonados" pela mãe, "eu reuni a terra inteira, e ninguém moveu a asa", isto é, a mão contra mim, "nem abriu o bico, nem piou" (Is 10, 14). Eis como um quieto silêncio continha tudo.
"E a noite chegava ao meio do seu curso." O meio é dito com relação aos extremos. Os extremos da noite são o crepúsculo e a aurora. De Adão até a lei foi como o crepúsculo; da lei até a Anunciação a Santa Maria foi como a meia-noite, que representa a passagem do preceito. Nem Adão no paraíso, nem o povo no deserto guardou o preceito; todos eram obscurecidos pela neblina daquela noite, e por isso suspiravam pela aurora, isto é, a bênção do advento do Senhor, que começou com a saudação angélica. O princípio da noite foi a sugestão diabólica da serpente para Eva. O início do dia foi a saudação angélica a Maria. E então, ó Pai, o Verbo todo-poderoso consubstancial a vós, isto é, o Filho, veio dos vossos tronos reais, isto é, do seio da vossa majestade, do qual fala João: "O Filho unigênito, que está no seio do Pai, ele revelou" (Jo 1, 18).
"Implacável guerreiro." Isto é dito em Lucas: "Se, porém, um mais forte do que ele sobrevier" (Lc 11, 22). Aquele que veio para quebrar as portas de cobre e despedaçar os ferrolhos de ferro (cf. Ps 106, 16), sem dúvida convinha que fosse um guerreiro implacável. Sobre o diabo, o Senhor diz, em Jó, que considera "palha o ferro, e pau podre o bronze. A flecha não o faz fugir, as pedras da funda são palhinhas para ele. O martelo lhe parece um fiapo de palha; ri-se do assobio da azagaia" (Job 41, 18-20). Que mais? "Foi feito para não ter medo de nada" (Job 41, 24). Convinha, pois, que fosse um implacável guerreiro, no qual ele não tivesse parte alguma, aquele que veio expoliá-lo.
"No meio da terra", que está no meio entre o céu e o inferno, "do extermínio", isto é, que o diabo exterminara, ou seja, pusera fora da vida eterna. Por isso Isaías dele fala: "Acaso é um homem esse que perturbou a terra, que quebrou os reinos, que fez do globo um deserto e destruiu as suas cidades?" (Is 14, 16-14), "arremessou-se", juntos os pés da divindade e da humanidade.
"Espada afiada." Isto é o que diz o Apóstolo: "A palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrável que toda espada de dois gumes" (Hebr 4, 12) etc. A espada é a divindade, que ficou escondida na bainha da humanidade. Por isso, diz Isaías: "Deveras tu és o Deus escondido, Deus salvador de Israel" (Is 45, 15). Por essa espada foi transpassado o diabo, que exterminava a terra. Por isso diz Isaías: "Acabou o pó, consumiu-se o miserável, faliu aquele que oprimia a terra" (Is 16, 4).

18. "Levando o vosso império não simulado." Diz João: O Pai deu-lhe tudo na sua mão (cf. Jo 3, 35; 13, 3). E ainda: "Tudo o que o Pai tem é meu" (Jo 16, 5). E: "Tudo o que é meu é teu, e o que é teu é meu" (Jo 17, 10). Levou, pois, o imperio do Pai, que lhe dera poder sobre toda carne (cf. Jo 17, 2), o seu poder é um poder eterno (cf. Dan 7, 14), que dá ordens aos ventos e ao mar, e obedecem-no (cf. Lc 8, 25). "Levando o império não simulado", isto é dito em Marcos: "Ensinava-os como quem tem poder, e não como os escribas" (Mc 1, 22) deles, que ensinavam em hipocrisia e simulação. E em Lucas: "Que discurso é este, porque, com poder e força, dá ordens aos espíritos imundos, e eles saem?" (Lc 4, 36).
"E, em pé, encheu tudo de morte." Em pé, abriu as mãos na cruz, e encheu, com a sua morte, tudo o que havia sido esvaziado pela desobediência dos primeiros pais. De cuja plenitude nós todos recebemos (cf. Jo 1, 16).
"E tocava o céu", no qual está a divindade, posto que a sabedoria atinge de um fim a outro, fortemente (cf. Sap 8, 1), "em pé sobre a terra", que designa a humanidade. Diz ele em João: "Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu" (Jo 3, 13). Dele é falado em Jó: "É mais alto do que o céu, e que farás? Mais profundo que o inferno, e como conhecerás? A sua medida é mais longa do que a terra, e mais larga do que o mar" (Job 11, 8-9).
A ele, caríssimos irmãos, humildemente imploremos, para que nos faça morrer para os vícios, e ressucitar para as virtudes; que a espada da sua Paixão transpasse a nossa alma, para que mereçamos a alegria na ressurreição geral.
Conceda-no-lo aquele que é bendito pelos séculos. Amém.

19. "Quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas" explicado no sentido moral. Fala Jó do diabo: "Dorme sob a sombra, no segredo dos caniços e dos lugares úmidos" (Job 40, 16). À sombra da soberba, chamada sombra da morte, ou o diabo. Assim como a sombra segue o corpo, assim a soberba segue o diabo. Por isso, se diz no Apocalipse: "Eis um cavalo pálido, e o nome do que o montava era morte; e o inferno o seguia" (Apoc 6, 8). Eis o cavalo, o soldado e o escudeiro. O cavalo pálido é o hipócrita; o soldado, cujo nome é morte, é o diabo; o escudeiro é o inferno, isto é, a soberba, que apascenta o cavalo com cevada e água, isto é, com a austeridade da abstinência, para que apareça jejuando perante os homens (cf. Mt 6, 16), sela-o com a humildade e freia-o com o silêncio. "O estúpido", diz Salomão, "se se calar, será reputado como sábio" (Prov 17, 28), assim como o hipócrita será tido por santo. Montou aquele cavalo a morte, percorreu o mundo, saudada com louvores, com saudações nos foros, cátedras nas sinagogas, e primeiros lugares nos banquetes (cf. Mt 23, 6-7). Não há soberba maior do que a soberba dos hipócritas: a equidade simulada não é equidade, mas dupla iniquidade.
Ainda, nos caniços (em latim, calamus, donde vem a palavra "calamidade") está a avareza, a cujo vazio (porque nunca diz: Basta) segue-se a eterna calamidade. Os lugares úmidos designam a gula e a luxúria. Porque a umidade é a mãe da corrupção, na qual se geram vermes e coisas semelhantes. Nos soberbos, avarentos e luxuriosos, dorme e descansa o diabo, e então, num quieto silêncio, prende todos os seus membros. Porque o coração cala-se para o bem pensamento, a língua, para o louvor de Deus, e a mão, para a obra reta. Diz Isaías: "Ai de mim, porque me calei" (Is 6, 5). Em tal silêncio está o ai da eterna condenação.
"E a noite chegava ao meio do seu curso." A palavra noite vem do latim "nocere", fazer mal, porque faz mal aos olhos, e simboliza o pecado mortal, que obscurece a luz da razão. Quem caminha de doite fere-se (cf. Jo 11, 10). Os extremos dessa noite são o crepúsculo e a aurora, esto é, o consentimento da alma cegada, e a infusão da graça, em cujo meio está essa ação e costume do pecado. Desse meio caminho fala-se no Salmo: "O caminho dos ímpios perecerá" (Ps 1, 6).
Isso ocorreu quando "a palavra todo-poderosa arremessou-se", isto é, a graça do Espírito Santo, justamente chamada palavra todo-poderosa: todo-poderosa porque rompe todos os obstáculos postos à salvação; palavra (em latim, sermo), porque planta (serit) e insere na alma as virtudes, ou porque conserva (servat) a alma, que curou do pecado. Por isso, no livro da Sabedoria: Não foi uma erva, isto é, a verdura das riquezas, que logo seca, nem um emoliente de delícias que os curou, mas a vossa palavra todo-poderosa, Senhor, que cura tudo (cf. Sap 16, 12), "desde os tronos reais" da benignidade e misericórdia divinas. Por isso Joel: "Convertei-vos ao Senhor vosso Deus, porque é benigno e misericordioso" (Joel 2, 13).

20. "Guerreiro implacável", na contrição. A graça é chamada guerreiro implacável, porque, como um martelo, bate na dureza da alma: Acaso as minhas palavras não são como o fogo, e como um martelo quebrando pedras? (cf. Jer 23, 29).
"No meio da terra", isto é, na alma do pecador, que é chamada terra, porque é dada às coisas terrenas; meio, porque é posta entre a misericórdia e a justiça. Por isso João diz que "Jesus ficou sozinho com a mulher no meio" (Jo 8, 9), entre a misericórdia e a justiça.
"Do extermínio." Dois são os términos: a entrada e a saída da nossa vida. Quando a alma do homem não habita neles, neles não pensa, e então é exterminada, isto é, posta fora dos términos. Diz Isaías: Circulou um clamor no confim de Moab (cf. Is 15, 8), que representa o pecador, em cujos ambos términos há clamor: quando entra no mundo, clamando, chora; quando sai, os seus choram. Por isso, no Eclesiastes: "Circularão" com o cadáver "chorando pela rua" (Eccle 12, 5).
Segue-se: "Espada afiada", na confissão. A graça é, então, uma espada afiada, pois aguça a língua do pecador na confissão, para que possa dizer, com Isaías: "Fiz de minha boca uma espada afiada" (Is 49, 6). Disso fala o Senhor a Ezequiel: "E tu, filho do homem, toma para ti uma espada afiada, que raspe pêlos, e passa-a pela tua cabeça e tua barba" (Ez 5, 1). O pacador, com a espada da confissão, deve raspar a cabeça, na qual está a mente, para que nenhum pecado permaneça na consciência, e a barba, que representa a fortaleza das boas obras, para que não confie em si, mas no Senhor, do qual procede todo bem.
Por isso, segue-se: "Portando o teu império não simulado". A verdadeira confissão não conhece simulação, pois elucida a verdade da consciência diante do Altíssimo e do seu confessor, e então carrega o não simulado império do Senhor. Note-se que são quatro os inimigos da confissão: e amor ao pecado, a vergonha de confessar, o temor da penitência e o desespero do perdão. Quem vence todos esses quatro inimigos na confissão, sem dúvida leva o império não simulado do Senhor.
Segue-se: "E, em pé, encheu tudo de morte", na satisfação. A graça fica em pé quando faz o penitente perseverar virilmente na penitência, para que encha de morte, isto é, mortificação, todos os seus membros, para que, morto para o pecado, viva para Deus (cf. Rom 6, 11), e então se poderá dizer, a respeito dele, o seguinte: "E, de pé sobre a terra, alcançava o céu". A graça chega até o céu, estando sobre a terra, quando faz o penitente, ainda na carne, atingir o céu, pela celeste conversação, para que diga, com o Apóstolo: "A nossa conversação está no céu" (Phil 3, 20).
Roguemos pois, caríssimos irmãos, ao Senhor Jesus Cristo, para que envie a graça do Espírito Santo no meio da terra do extermínio, para que quebre a dureza da alma, afie a língua na confissão, encha os corpos de mortificação, e, nessa celeste conversação, mereçamos atingir o céu. Conceda-no-lo aquele que é bendito pelos séculos. Amém.


Traduzido por nós de http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=0&c=0&p=0

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