28 de dezembro de 2010

Domingo na Oitava do Natal: Sermão de Santo Antônio de Pádua (parte 3/5)

II. SOBRE A PROFECIA DE SIMEÃO

8. "Disse Simeão a Maria sua mãe: Eis que ele é posto como ruína e ressurreição de muitos em Israel" (Lc 2, 34). Diz Santa Maria em seu cântico: "Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes" (Lc 1, 52). "Depôs", isto é, pôs abaixo. É isto o que o Senhor diz no profeta Abdias: "A soberba do teu coração transviou-te, tu que habitas nas fendas do rochedo, exaltando o teu trono. Dizes no teu coração: Quem me faria cair por terra? Mesmo que fosses elevado como a águia, e em meio às estrelas pusesses o teu ninho, ainda assim te deporia", isto é, poria abaixo, "diz o Senhor" (Abd 1, 3-4). Leiam-se os sermões sobre o evangelho: "Saiu o semeador a semear a sua semente" (Dom. in Sexagesima) e: "Um cego sentava-se à beira da estrada" (Dom. in Quinquagesima I).
"Depôs os poderosos." Isto é dito em Daniel: "Eis que um santo vigilante desceu do céu, e clamou fortemente, dizendo assim: Derrubai a árvore, desgalhai-a e tirai suas folhas, e dispersai os seus frutos" (Dan 4, 10-11). O nome "árvore", em latim, "arbor", vem de "robusteza" ("robur"), e indica o poderoso deste mundo, que, como disse Jó, "estendeu contra Deus a sua mão, e robusteceu-se contra o Onipotente" (Job 15, 25). Eles seguramente morrerão e serão lançados no inferno, e então os seus ramos, isto é, o poder dos parentes, a nobreza da linhagem, que costumava incrementar e alargar, cairão; então as folhas, isto é, os discursos cheios de vento da soberba, serão abaladas; então os frutos das delícias e riquezas, que ajuntou para o seu mal, serão dispersos.
"Depois do trono os poderosos, e exaltou os humildes." Isto diz Jó: "Levanta os tristes na salvação" (Job 5, 11); e ainda: "Quando te creres consumido, levantar-te-ás como um luzeiro. E terás confiança na esperança dada a ti" (Job 11, 17-18). Depôs o soberbo Aman e exaltou o humilde Mardoqueu. Aquele caiu do trono, esse subiu no seu lugar. Bem diz Santa Maria: "Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes". Por isso, diz-lhe, a respeito do seu filho, São Simeão, no evangelho de hoje: "Eis que ele é posto como ruína" etc. Ele dis isto em João: "Eu vim ao mundo para o juízo, para que os que não veem vejam, e os que veem fiquem cegos" (Jo 9, 39). Sobra a ruína daqueles, Isaías fala: "Jerusalém ruiu, e Judá pereceu, por causa da sua língua" ("Crucifica-o, crucifica-o") "e das suas invenções" ("Posso destruir este templo feito por mãos de homens" etc) "contra o Senhor, para provocar os olhos da sua majestade" (Is 3, 8).

9. Do ponto de vista moral. Diz o Eclesiástico [Provérbios]: Vira o ímpio, e ele não mais será (cf. Prov 12, 7) ímpio. Caiu Saulo perseguidor, e levantou Paulo pregador. Isso é, pois, o que quer dizer: "Eis que ele é posto em ruína" dos pecadores. Dessa ruína fala Zacarias: "Haverá ruína para o cavalo e o mulo, para o camelo e o asno e todos os jumentos" (Zach 14, 15). No cavalo é designada a soberba, pois Jeremias dia: "Todos voltaram para o seu curso, como um cavalo impetuoso" (Jer 8, 6). No mulo, a luxúria, pois diz o Salmo: "Não vos façaos como o cavalo e o mulo" (Ps 31, 9). No camelo, a avareza, por isso: O camelo, isto é, o avarento, não pode passar pelo buraco da agulha, isto é, a pobreza de Jesus Cristo (cf. Mt 19, 24). No asno, o torpor da negligência, que é o esgoto de todos os vícios. Por isso o asno é chamado, em latim, "asinus", semelhante a "alta sinens", isto é, que permite coisas altas. O torpor da negligência não sobe a coisas altas, mas quer ir sempre pelo plano. Por isso diz Abraão os seus filhos, no Gênesis: "Esperai aqui com o asno" (Gen 22, 5). Os filhos são os afetos pueris e carnais, que esperam com o asno, isto é, com o torpor e retardo do asno. No jumento, a voluptuosa deleitação dos cinco sentidos, dos quais fala Isaías: "Sina dos jumentos do sul. Para a terra da tribulação e da angústia, de onde vêm a leoa e o leão, a víbora e a serpente voadora" (Is 30 ,6). A terra é a carne, na qual germinam em nós os espinhos da tribulação e os tríbulos da angústia. Esta é a sina dos jumentos, isto é, dos cinco sentidos, que são os jumentos do sul, isto é, as alegrias mundanas. Na terra de tribulação e angústia que os jumentos pisam e estercam, estão a leoa da luxúria e o leão da soberba, a víbora da ira, a serpente voadora da inveja e vanglória.
Ó Senhor Jesus, caiam em ruína todas essas bestas e jumentos, para que o jumentinho do pecador morra junto e, morrendo, ressuscite espiritualmente. Digamos pois: Eis que ele é posto em ruína.

10. Segue-se: "E ressurreição de muitos". Há concordância acerca disso em Ezequiel: "Pôs-se sobre mim a mão do Senhor, e conduziu-me para um campo, que estava cheio de ossos de mortos. Eram muitíssimos, e veementemente secos. E disse-me: Profetiza, filho do homem, sobre esses ossos, e dize-lhes: Ossos áridos, ouvi a palavra do Senhor. Eis que eu infundirei em vós o espírito, e vivereis, e dar-vos-ei nervos e farei crescer carnes sobre vós, e estenderei pele sobre vós" (Ez 37, 1-2. 4-6). Os ossos secos são os pecadores, que são secos do influxo da graça, e cujo coração seca, porque esqueceram-se de comer o pão (cf. Ps 101, 5), que contém todo sabor e todo deleitamento (cf. Sap 16, 20); Deles diz Jó: Os ossos de Beemot são como canos de ar (cf. Job 40, 13). Pervertidos na malícia, duros como os ossos do diabo, pois sustentam os carnais como os ossos sustentam a carne, são como canos de ar, porque repelem de si as setas aéreas da pregação, e, ao ímpeto da reprovação, emitem o barulho da murmuração. Professam as palavras de Cristo (eis os canos), mas negam os seus feitos (cf. T 1, 16) (eis a dureza do ar).
Mas, porque a misericórdia desse Cristo é maior do que a aridez e dureza dos ossos, disse: "Eis que eu infundirei em vós o espírito, e vivereis" etc. Notemos estas quatro coisas: espírito, nervos, carnes e pele. O espírito designa a inspiração da graça preveniente; os nervos, a concatenação de bons pensamentos; as carnes, a compaixão com o próximo; a pele, a extensão da perseverança final. "Infundirei o espírito em vós, e vivereis." Por isso é dito no Gênesis: "Soprou em sua face um sopro (spiraculum) de vida" (Gen 2, 7) etc. Leia-se o sermão sobre o evangelho: "Jesus foi levado para o deserto" (Dom. I in Quadrag., Sermo alter: De Poenitentia I).

11. "E dar-vos-ei nervos." Há uma miríade de nervos junto às mãos, pés, costelas, e ao redor das espáduas e pescoço; e os ossos, que se articulam uns com os outros, são ligados pelos nervos. Ao redor deles há uma certa umidade, da qual se geram e nutrem os ossos. Quando o Senhor infunde o espírito da graça num pecador, então brota no seu coração a umidade da compunção, da qual se geram e nutrem os nervos da boa afeição e boa vontade, que compõem e ligam todo o corpo às boas obras.
"E farei crescer carnes." Eis o que diz o mesmo Profeta: "Tirarei de vós do coração de pedra, e dar-vos-ei um coração de carne" (Ez 36, 26), que, compungido, doa-se de compaixão pelo próximo, porque o nosso irmão também é carne. (cf. Gen 37, 27). Ó coração de pedra, que não te moves de nenhuma compaixão para com o próximo! Diz ele: "Acaso eu sou guardião dos meus irmãos?" (Gen 4, 9). Saberás que em o guardar há uma grande recompensa (cf. Ps 18, 12). O primeiro livro dos Reis diz que "o coração de Nabal amorteceu dentro do peito, e tornou-se como uma pedra" (1Reg 25, 37). Porque ele não quis compadecer-se de Davi, nem dar-lhe do que era seu, mas prorrompeu em palavras afrontosas, dizendo: "Quem é Davi, e quem é o filho de Isaí? Hoje em dia, há cada vez mais escravos que fogem dos seus senhores. Pegarei, pois, eu os meus pães, a minha água, as carnes dos carneiros, que matei com as minhas navalhas, e darei a homens que não sei de onde são?" (1Reg 25, 10-11). Hoje, os avarentos e usurários, que têm o coração de pedra, dizem coisas semelhantes aos pobres de Jesus Cristo.
"E estenderei pele sobre vós." A extensão da pele é a perseverância final. "Sois vós", diz o Senhor, "os que permaneceram comigo nas minhas tentações" (Lc 22, 28). Mas ai daqueles que perderam essa perseverança. Por isso diz Jó: "A minha pele secou e contraiu-se" (Job 7, 5). A pele seca e contrai-se quando se retira à boa obra o efeito da perseverança final. Por isso diz o Eclesiástico: A denudação do homem é no seu fim (cf. Eccli 11, 29). Então aparecerá a sua feiura.
Está explicado como o Senhor vivifica os ossos secos, aquele que "é posto em ressurreição de muitos".

Traduzido por nós de http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=0&c=0&p=0

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