XI Domingo depois de
Pentecostes.
Diác. Marcos Vinicius Mattke, IBP
31.07.2016
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Revmos. Padres,
Prezados seminaristas,
Caríssimos fiéis,
“Meteu-lhe Jesus os
dedos nos ouvidos, e tocou-lhe a língua com a sua saliva; depois, levantando os
olhos ao céu, suspirou, e disse-lhe: Effeta, que quer dizer: Abre-te.
Imediatamente se lhe abriram os ouvidos, e se lhe soltou a prisão da língua,
falando normalmente”
(Mc. VII, 33-35)
A liturgia de hoje nos recorda o
dia de nosso batismo, quando o sacerdote, seguindo o exemplo de Cristo, tocou
nossos ouvidos e língua dizendo essas mesmas palavras: “effeta, abre-te”, para
que nós também, pela graça do batismo, possamos escutar e falar a Deus, bem
como, falar de Deus, cooperando com a sua graça, que, como apresenta a
Epístola, não deve ser vã em nós (I Cor. XV, 10).
Vejamos, primeiramente, o que
Jesus fez.
Estava Nosso Senhor indo de Tiro,
ao Mar da Galiléia quando trouxeram-lhe um surdo-mudo e rogaram-lhe que lhe
impusesse a mão e Jesus assim o faz. Porque
essa atitude de Jesus? Aliás, ele não somente lhe impõe a mão, mas toca seus
ouvidos e impõe saliva na língua do doente, numa atitude que pode parecer
estranha a muitos atualmente.
Com efeito, Jesus, sendo
verdadeiramente Deus, poderia perfeitamente curá-lo com um simples ato de sua
vontade, como fez ele com o servo do centurião, que, em um ato de fé na
divindade de Cristo, afirmou “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha
casa. Dizei uma só palavra e meu servo será curado” (Mt. VIII, 8).
Mas, segundo São Tomás de Aquino,
busca o Salvador mostrar por estes atos corporais que é pela sua encarnação que
ele traz a salvação, pois é assumindo a carne humana que ele estabeleceu a ponte
entre Deus e os homens e pôde obrar nossa redenção, donde afirma Tertuliano (De carnis resurrectione, VIII, 3: PL 2,
806): “caro salutis est cardo”, “a
carne é o eixo da salvação”.
Diz o Grande Doutor em sua Suma
de Teologia (IIIa, q. XLIV, a. 3, ad 2um): “Cristo veio
salvar o mundo não somente pelo poder divino, mas também pelo mistério da
própria encarnação. Por isso muitas vezes ao curar os doentes não somente se
servia do poder divino, curando com uma ordem, mas também aplicando algo pertencente
à própria humanidade”.
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Além disso, todos os atos de Nosso
Senhor transmitem ensinamentos necessários para a nossa salvação. Neste
Evangelho Cristo cura a surdez e a mudez física, que representa, segundo Santo
Agostinho, uma surdez e uma mudez muito pior, a surdez e a mudez espiritual.
A surdez espiritual: o surdo
espiritual é todo-ouvidos ao barulho ensurdecedor dos inimigos de nossa alma: o
demônio, o mundo e a carne. Escravo do pecado, ele é incapaz de ouvir a palavra
de Deus que fala ao homem das mais diversas maneiras: seja pela própria
criação, que proclama a glória de Deus, como diz o salmista (Sl. XVIII, 2), possibilitando um conhecimento natural de Deus,
Criador do universo, que tem em si de forma infinita todas as perfeições das
criaturas; pela revelação sobrenatural de Deus, que revelou-se a si mesmo aos
homens, primeiramente, pelos profetas e mais tarde por meio da encarnação do
seu Verbo, Nosso Senhor Jesus Cristo; seja pela sua Santa Igreja, instituída
para ser guardiã do depósito da fé, para defender a sã doutrina e pregá-la,
sem corrupção, para todo o mundo, por
meio de seu magistério; enfim através da consciência, que em primeira instância
acusa o homem dos pecados cometidos.
Não imaginem, caríssimos, que os
surdos espirituais são somente aqueles que nunca ouviram a pregação evangélica
ou que nasceram no erro. Também os cristãos podem se tornar surdos espirituais:
pelo pecado, pela vida cristã medíocre, pela vida mundana, pelos vícios não
combatidos, pois que assim o homem se faz surdo a Deus, que, pela sua graça
busca incessantemente conduzi-lo à vida eterna, e dá ouvidos ao demônio, que
quer impedir o homem de atingir o seu fim último que é Deus, conduzindo-o para
a escravidão do pecado.
Tenha-se, ainda, cuidado com uma
surdez muito mais sutil, que advém pelas distrações do mundo e que tira a
atenção dos ensinamentos que foram até escutados e assimilados, mas que não
foram postos em prática ou foram rapidamente esquecidos, fazendo o homem se
desviar de seu fim último. E, de fato, é grande a agressividade que têm os
inimigos de nossa alma na sociedade atual! Com efeito, se o católico não se
mantém firme e vigilante na sua vida espiritual, será ele fácil e rapidamente
esmagado pelos inimigos de sua alma, que entram em sua vida por tão variados
meios, como a TV, a Internet, os jogos, o celular, o rádio, as más companhias,
etc. etc. etc.
E com essa surdez espiritual, vem
junto a mudez espiritual: ignorando a palavra de Deus, os mudos espirituais não
dão ao Senhor o louvor e a glória que lhe são devidos. Escravos do pecado, eles
não conseguem dirigir suas ações para Deus. Eles não têm Deus em seus lábios e
não elevam seu pensamento àquele que é o Senhor do universo e da história. Não
ordenados ao seu fim último, ofendem a Deus por seus pecados; buscam
glorificar-se a si mesmo em suas ações, e não Deus; gloriam-se de suas
perfeições, como se não as tivessem recebido de Deus; enfim, não buscam a
amizade de Deus, não se unem a ele nesta vida – e separados dele nesta vida,
caminham para separação eterna de Deus. Enfim, tais mudos, não somente não
falam a Deus e não falam de Deus como também, pelo seu mau exemplo pregam e
espalham a vida sem Deus, colaborando para o domínio do pecado sobre os homens.
Mas qual é o remédio para esta
deplorável e terrível doença, que se não curada leva à morte eterna? Nada mais
é que a mão estendida por Cristo. Somente Deus pode curar alguém que chega em
tal estado de surdez e mudez espiritual. E o que faz Nosso Salvador com o surdo-mudo
que lhe foi apresentado? Ele o põe antes de tudo à parte da multidão, isto é,
longe das atrações do mundo, dos prazeres carnais, das pompas do demônio. No
meio do caos e das atrações do mundo não é possível ao homem notar a sua
situação espiritual e ouvir a Deus. Donde a importância do recolhimento e da
meditação no dia a dia para que possamos ter sempre diante de nossos olhos o fim
de nossa vida e possamos escutar e louvar a Deus, e a Ele nos dirigir e nos
unir. Ainda, note-se que, incapaz de ter consciência e pedir o remédio
necessário para sua cura, o surdo-mudo do Evangelho foi levado por outros a
Cristo – trouxeram-lhe – um bom símbolo da necessidade do apostolado para a
salvação das almas. Em seguida, Nosso Redentor olha para o Céu, mostrando donde
se deve esperar a salvação e geme, compadecendo-se da miséria do homem separado
de Deus. Então toca os ouvidos, para abri-los para a palavra de Deus e o toca a
língua com sua saliva, símbolo da sabedoria divina, para que seus atos sejam
por ela guiados.
Caríssimos, com a graça de Deus,
que recebemos no nosso batismo, nossos ouvidos foram abertos para a palavra de
Deus e nossas línguas libertas para seu louvor, e, recebemos o Evangelho da
Salvação. Roguemos, pois, a Deus a graça de sermos fiéis à sua palavra e não a
silenciarmos, mas que a proclamemos do alto dos telhados (Mt. X, 27), como
ordenou Nosso Senhor, para que possamos dizer com São Paulo, na epístola de
hoje , “ensinei-vos o mesmo que me foi transmitido” e “sua graça não foi
estéril em mim”.
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