PRIMEIRA PARTE
CORTESÃO E GUERREIRO
(1491 - 1522)
I. INFÂNCIA E JUVENTUDE
D. Beltrão Yánez de Onaz y Loyola, descendente duma das mais ilustres e das mais antigas famílias da Biscaia, havia esposado D. Marina Sáenz de Licona y Balda, que pertencia à mesma província e cujo nascimento e virtudes a tornavam digna desta nobre aliança.
Deus havia-lhe dado já sete filhos e três filhas quando Inácio veio ao mundo, pelos anos de 1491[1], no castelo de Loiola, antigo solar da família [2]. Sabendo que era mãe dum oitavo filho, D. Marina ergueu os olhos ao céu, e lançando-os em seguida para seu marido, disse-lhe:
- Deus queira que este querido filho tenha disposições menos belicosas que seus irmãos, e que possamos educá-lo e conservá-lo ao nosso lado.
- Oxalá, - respondeu Beltrão - que este tenha gosto pelo estudo.
- Deus o queira! - repetiu a nobre castelã - mas não me acostumarei a essa ideia, porque tenho muitas vezes esperado em vão.
O filho predestinado foi batizado na igreja de S. Sebastião, sua freguesia [3], em Azpeitia, e não levou muito tempo a demonstrar que sua mãe tivera razão em não confiar nas pacificas inclinações, que tanto desejava nele.
Desde os primeiros anos, Inácio mostrou-se mais vivo, mais turbulento, mais arrebatado ainda que seus irmãos; e, apesar das suas raras qualidades de espírito e de coração, foi impossível acalmá-lo ao estudo. Não ouvindo falar senão de cercos e de assaltos, de batalhas e de vitórias, de altos feitos e de brilhantes renomes, cresceu com o desejo de cingir um dia uma espada e de se distinguir por sua vez em proezas guerreiras.
O duque de Nájera, que gozava de grande favor na corte e era próximo parente de D. Beltrão, tinha afeto paternal a Inácio. A natureza franca, o coração leal, a alma ardente e generosa deste menino tinham para ele os maiores encantos; até os seus arrebatamentos e a sua altivez precoce lhe não desagradavam.
- Bravo! rapaz, - lhe dizia algumas vezes - a historia militar de Espanha há-de registrar um dia o teu nome.
- Ah! - murmurava docemente D. Marina - não repara, senhor duque, no coração da pobre mãe De todos os meus filhos, não terei a consolação de conservar nenhum junto de mim. O mais velho já está exposto a todos os perigos da guerra` - e os outros seguir-lhe-ão brevemente o exemplo.
- Compreendo a sua dor e solicitude - lhe dizia o duque; mas, em Espanha como em França, nobreza obriga.
D. Marina não chegou a experimentar a dor que tanto temia. Deus não tardou a chamá-la a Si, e Inácio foi confiado a sua tia, D. Maria de Guevara, que habitava Arévalo, perto de Avila, e que o educou como se fora seu filho. Alguns anos mais tarde, o duque de Najera, seu tio, grande de Espanha, fê-lo admitir na escola dos pajens do rei [4].
Fernando, o Católico, encantado com a sua graça, inteligência e beleza, testemunhou-lhe desde logo uma preferência, que lhe atraiu a dos cortesãos. A vaidade do belo pajem cresceu um pouco, mas dominando esta fraqueza a nobreza do meu coração e a delicadeza dos seus sentimentos, soube fazer-se amar de todos, até daqueles que o invejavam.
Terminada a sua educação, Inácio de Loiola não abandonou a corte. Ausentava-se de tempos a tempos para fazer os seus primeiros ensaios na carreira das armas sob a direção do duque de Najera, mas voltava após cada campanha e fixava a sua residência na corte. Um interesse do coração o atraía no palácio dos soberanos: Inácio rendia homenagens a uma princesa, de que a história nos oculta o nome, e não era repelido [5]. Mas a distância não podia ser transposta: Inácio não podia esperar uma aliança com uma princesa de sangue; limitava-se, por isso, a usar as suas cores e dar por vezes uma cutilada àqueles que ousavam falar da sua temeridade ou recusar à princesa a palma da formosura.
Entretanto Carlos V tinha sucedido a Fernando, o Católico; a guerra havia rebentado no exterior em alguns pontos ao mesmo tempo; e, no interior, as principais províncias de Espanha, ciosas da sua antiga independência, tentavam reconquistá-la com as armas na mão. Este estado de rebelião continua exigia, em diversos lugares, a presença dum exército forte e aguerrido, dirigido por oficiais distintos e de experimentada fidelidade. O Duque de Nájera, D. António Manrique, comandava um desses corpos de exército.
Inácio continuava na corte, e, se se batia, era em duelo, todas as vezes que se lhe oferecia ocasião.
Um dia recebem-se no palácio notícias do exército de Nápoles e sabe-se que os filhos de Beltrão de Oñaz se distinguem com igual valor. Inácio envergonha-se da sua inação e pede ao duque de Nájera uma companhia de homens de armas, que ele se propõe conduzir à vitória. A sua ardente e poética, imaginação sonha com a glória de se assinalar também com esplendor e de voltar em seguida a depor aos pés da princesa, de que se constituiu cavaleiro, os louros colhidos no campo da honra. D. Antônio acede com alegria ao desejo do seu sobrinho, dá-lhe uma companhia no corpo que está sob suas ordens, e D. Inácio abandona a corte, prometendo não entrar lá de novo senão como vencedor. Tinha então vinte e seis anos.
Neste momento os castelhanos caiam sobre a Biscaia e acabavam de se apoderar de Nájera. D. Antônio Manrique marcha sobre aquela cidade e põe-lhe cerco; Inácio acompanha-o. Os sitiados defendem-se tão vigorosamente como são atacados; têm provisões consideráveis e receia-se que o cerco seja assaz longo. Inácio, que já tinha mostrado prodígios de coragem, de inteligência e de habilidade, fala aos seus soldados, excita-lhes o ardor, é o primeiro a subir ao assalto e toma a praça no meio dos aplausos do exército. Esta glória não lhe basta: a cidade é entregue à pilhagem, a mais rica parte do saque é para o jovem capitão, cuja valentia decidiu a vitória; o nosso herói recusa-a e abandona-a à sua companhia. Este duplo rasgo de desinteresse e de generosidade é acolhido por aclamações entusiásticas dos oficiais e dos soldados.
Inácio de Loiola era certamente sensível aos testemunhos de estima e admiração que recebia; mas somos forçados a confessar que, no meio deste triunfo, um pensamento o preocupava singularmente. Era compor uns versos destinados a oferecer aquela gloriosa vitória à princesa, cujas cores usava: assim o pediam os costumes da época e o uso da corte onde Inácio fora educado.
Depois da pacificação de Castela, Inácio voltou a Valência e achou a mais bela recompensa nos elogios que lhe fizeram nas felicitações que recebeu. Depois de longa permanência na sorte, abandonou-a de novo para se dirigir aonde a honra o chamava
Sendo D. Antônio Manrique, vice-rei de Navarra, obrigado a ir tomar posse do seu governo, Inácio seguiu-o com uma parte dos seus homens de armas. Não levou muito tempo que um correio não viesse anunciar a D. Antônio que o Conde de España, André de Foix, marchava sobre a Espanha, à frente dum corpo de exército considerável.
O vice-rei dirigiu-se a toda a pressa à província de Castela para procurar ali um reforço de tropas navarras, e deixou o comando das tropas de Pamplona a seu sobrinho, no momento em que os franceses desciam os Pirenéus para reconquistar a Navarra espanhola em nome de Henrique de Albret.
CORTESÃO E GUERREIRO
(1491 - 1522)
I. INFÂNCIA E JUVENTUDE
D. Beltrão Yánez de Onaz y Loyola, descendente duma das mais ilustres e das mais antigas famílias da Biscaia, havia esposado D. Marina Sáenz de Licona y Balda, que pertencia à mesma província e cujo nascimento e virtudes a tornavam digna desta nobre aliança.
Deus havia-lhe dado já sete filhos e três filhas quando Inácio veio ao mundo, pelos anos de 1491[1], no castelo de Loiola, antigo solar da família [2]. Sabendo que era mãe dum oitavo filho, D. Marina ergueu os olhos ao céu, e lançando-os em seguida para seu marido, disse-lhe:
- Deus queira que este querido filho tenha disposições menos belicosas que seus irmãos, e que possamos educá-lo e conservá-lo ao nosso lado.
- Oxalá, - respondeu Beltrão - que este tenha gosto pelo estudo.
- Deus o queira! - repetiu a nobre castelã - mas não me acostumarei a essa ideia, porque tenho muitas vezes esperado em vão.
O filho predestinado foi batizado na igreja de S. Sebastião, sua freguesia [3], em Azpeitia, e não levou muito tempo a demonstrar que sua mãe tivera razão em não confiar nas pacificas inclinações, que tanto desejava nele.
Desde os primeiros anos, Inácio mostrou-se mais vivo, mais turbulento, mais arrebatado ainda que seus irmãos; e, apesar das suas raras qualidades de espírito e de coração, foi impossível acalmá-lo ao estudo. Não ouvindo falar senão de cercos e de assaltos, de batalhas e de vitórias, de altos feitos e de brilhantes renomes, cresceu com o desejo de cingir um dia uma espada e de se distinguir por sua vez em proezas guerreiras.
O duque de Nájera, que gozava de grande favor na corte e era próximo parente de D. Beltrão, tinha afeto paternal a Inácio. A natureza franca, o coração leal, a alma ardente e generosa deste menino tinham para ele os maiores encantos; até os seus arrebatamentos e a sua altivez precoce lhe não desagradavam.
- Bravo! rapaz, - lhe dizia algumas vezes - a historia militar de Espanha há-de registrar um dia o teu nome.
- Ah! - murmurava docemente D. Marina - não repara, senhor duque, no coração da pobre mãe De todos os meus filhos, não terei a consolação de conservar nenhum junto de mim. O mais velho já está exposto a todos os perigos da guerra` - e os outros seguir-lhe-ão brevemente o exemplo.
- Compreendo a sua dor e solicitude - lhe dizia o duque; mas, em Espanha como em França, nobreza obriga.
D. Marina não chegou a experimentar a dor que tanto temia. Deus não tardou a chamá-la a Si, e Inácio foi confiado a sua tia, D. Maria de Guevara, que habitava Arévalo, perto de Avila, e que o educou como se fora seu filho. Alguns anos mais tarde, o duque de Najera, seu tio, grande de Espanha, fê-lo admitir na escola dos pajens do rei [4].
Fernando, o Católico, encantado com a sua graça, inteligência e beleza, testemunhou-lhe desde logo uma preferência, que lhe atraiu a dos cortesãos. A vaidade do belo pajem cresceu um pouco, mas dominando esta fraqueza a nobreza do meu coração e a delicadeza dos seus sentimentos, soube fazer-se amar de todos, até daqueles que o invejavam.
Terminada a sua educação, Inácio de Loiola não abandonou a corte. Ausentava-se de tempos a tempos para fazer os seus primeiros ensaios na carreira das armas sob a direção do duque de Najera, mas voltava após cada campanha e fixava a sua residência na corte. Um interesse do coração o atraía no palácio dos soberanos: Inácio rendia homenagens a uma princesa, de que a história nos oculta o nome, e não era repelido [5]. Mas a distância não podia ser transposta: Inácio não podia esperar uma aliança com uma princesa de sangue; limitava-se, por isso, a usar as suas cores e dar por vezes uma cutilada àqueles que ousavam falar da sua temeridade ou recusar à princesa a palma da formosura.
Entretanto Carlos V tinha sucedido a Fernando, o Católico; a guerra havia rebentado no exterior em alguns pontos ao mesmo tempo; e, no interior, as principais províncias de Espanha, ciosas da sua antiga independência, tentavam reconquistá-la com as armas na mão. Este estado de rebelião continua exigia, em diversos lugares, a presença dum exército forte e aguerrido, dirigido por oficiais distintos e de experimentada fidelidade. O Duque de Nájera, D. António Manrique, comandava um desses corpos de exército.
Inácio continuava na corte, e, se se batia, era em duelo, todas as vezes que se lhe oferecia ocasião.
Um dia recebem-se no palácio notícias do exército de Nápoles e sabe-se que os filhos de Beltrão de Oñaz se distinguem com igual valor. Inácio envergonha-se da sua inação e pede ao duque de Nájera uma companhia de homens de armas, que ele se propõe conduzir à vitória. A sua ardente e poética, imaginação sonha com a glória de se assinalar também com esplendor e de voltar em seguida a depor aos pés da princesa, de que se constituiu cavaleiro, os louros colhidos no campo da honra. D. Antônio acede com alegria ao desejo do seu sobrinho, dá-lhe uma companhia no corpo que está sob suas ordens, e D. Inácio abandona a corte, prometendo não entrar lá de novo senão como vencedor. Tinha então vinte e seis anos.
Neste momento os castelhanos caiam sobre a Biscaia e acabavam de se apoderar de Nájera. D. Antônio Manrique marcha sobre aquela cidade e põe-lhe cerco; Inácio acompanha-o. Os sitiados defendem-se tão vigorosamente como são atacados; têm provisões consideráveis e receia-se que o cerco seja assaz longo. Inácio, que já tinha mostrado prodígios de coragem, de inteligência e de habilidade, fala aos seus soldados, excita-lhes o ardor, é o primeiro a subir ao assalto e toma a praça no meio dos aplausos do exército. Esta glória não lhe basta: a cidade é entregue à pilhagem, a mais rica parte do saque é para o jovem capitão, cuja valentia decidiu a vitória; o nosso herói recusa-a e abandona-a à sua companhia. Este duplo rasgo de desinteresse e de generosidade é acolhido por aclamações entusiásticas dos oficiais e dos soldados.
Inácio de Loiola era certamente sensível aos testemunhos de estima e admiração que recebia; mas somos forçados a confessar que, no meio deste triunfo, um pensamento o preocupava singularmente. Era compor uns versos destinados a oferecer aquela gloriosa vitória à princesa, cujas cores usava: assim o pediam os costumes da época e o uso da corte onde Inácio fora educado.
Depois da pacificação de Castela, Inácio voltou a Valência e achou a mais bela recompensa nos elogios que lhe fizeram nas felicitações que recebeu. Depois de longa permanência na sorte, abandonou-a de novo para se dirigir aonde a honra o chamava
Sendo D. Antônio Manrique, vice-rei de Navarra, obrigado a ir tomar posse do seu governo, Inácio seguiu-o com uma parte dos seus homens de armas. Não levou muito tempo que um correio não viesse anunciar a D. Antônio que o Conde de España, André de Foix, marchava sobre a Espanha, à frente dum corpo de exército considerável.
O vice-rei dirigiu-se a toda a pressa à província de Castela para procurar ali um reforço de tropas navarras, e deixou o comando das tropas de Pamplona a seu sobrinho, no momento em que os franceses desciam os Pirenéus para reconquistar a Navarra espanhola em nome de Henrique de Albret.
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