16 de julho de 2021

Santa Rosa de Lima - O Anjo dos Andes

VIII. ADEUS A S. DOMINGOS

Dom Gonçalo não era o único a imaginar que seria bom para Rosa ser uma pobre clarissa. Sua velha amiga, Dona Maria de Quinhones, tivera a mesma ideia desde os tempos em que ajudara seu tio, o Arcebispo Turíbio, a fundar o convento franciscano de Santa Clara.
- Por que não queres ser freira? - perguntou ela um dia, em que as duas conversavam sentadas no jardim de Gaspar. - Imaginas a paz que terias no convento! Pensa na felicidade de te dares inteiramente a Deus! Minha querida, D. Gonçalo contou-me tudo. Se é questão do dote, ou de como tua família se há de avir sem o dinheiro que rendem tuas flores, não te preocupes um momento. Dom Gonçalo providenciará sobre tudo.
Rosa abanou a cabeça.
- Ele quer que eu seja clarissa - disse ela lentamente. - E a senhora tem a mesma ideia. O' Dona Maria, não sei o que fazer!
A dama sorriu, pois sabia qual era a dificuldade. Há muito tempo, Rosa dera seu coração à Ordem de S. Domingos e, no entanto, não havia em Lima freiras desta Ordem.
- Tens agora vinte anos. Se estás realmente certa de que não queres casar-te...
- Estou bem certa, Dona Maria.
- Então, por que esperar? Se fosse vontade de Deus que sejas dominicana, Ele teria, sem dúvida, providenciado a isto, fazendo que houvesse aqui um convento de dominicanas.
- Santa Catarina não era freira. Talvez eu pudesse ser uma Terceira Dominicana, assim como ela.
- E viver no mundo? Põe de lado esses desentendimentos. Rosa, meu bem, há muito tempo de te fiz ver como é difícil levar no mundo vida de solteira. E' necessária uma graça especial. Com a inclinação que Deus te deu para a oração e o sacrifício... bem, não posso evitar de pensar que pertences ao convento.
- De Santa Clara?
- Naturalmente o Convento de Santa Clara me é muito caro ao coração. Mas há quatro outros em Lima. Não gostaria de ser agostiniana? O convento da Encarnação é o primeiro para mulheres do Novo Mundo. Seria grande honra ser lá aceita, Rosa.
A mocinha suspirou. Realmente, não faria tanta diferença.
Tão bem pode-se servir a Deus sob a Regra de S. Agostinho ou S. Clara como sob a de S. Domingos. Entretanto, por que todo o seu ser clamava para ser dominicana? Por que, desde sempre tomara S. Catarina por especial modelo? Até as alvinegras borboletas do jardim paterno -sempre as preferira a quaisquer outras porque lhe lembravam as cores do hábito dominicano.
Semanas passaram-se, e finalmente Rosa confiou a Fernando que tomara uma resolução. Se D. Gonçalo ainda quisesse proporcionar-lhe o dote, ela entraria para o convento agostiniano da Encarnação.
- Agostiniana?! Mas o que fez você mudar de ideia, Rosa? Eu pensei que você não queria entrar para o convento.
- Chiu... Fernando! Não precisa espalhar isso para ninguém.
- Quer dizer que não disse a papai nem mamãe?
Rosa acenou afirmativamente.
- Não, - disse pausadamente. - Até agora só o meu confessor em S. Domingos sabe da minha resolução, o Padre Alonso Velasquez.
- E que acha ele?
- Não disse muita coisa; apenas me deu a bênção e algumas palavras de aviso.
O jovem contemplou pensativo a irmã. Melhor do que ninguém na família, sabia ele quão fielmente ela se dedicara à oração e às boas obras. Fora sempre assim, mesmo quando eram pequeninos. E agora via-a prestes a fazer o maior de todos os sacrifícios.
- Alguma coisa o entristece, Fernando.
- Não é bem isso. Mas vou perdê-la, Rosa. Não posso imaginar o que será vir para casa e não encontrar você por aí. Você sempre esteve aqui quando eu precisava. Agora, quando eu quiser falar-lhe, haverá grades de permeio; outras freiras, quem sabe, estarão ouvindo o que eu disser. E' assim que é nos conventos, não é?
- Chiu!... Alguém pode ouvir...
- E o que tem isso? Afinal vai-se saber.
- Eu quisera poder contá-lo a todo o mundo, agora mesmo - exclamou Rosa. - Mas o Padre Alonso me diz que guarde segredo. Até de papai e mamãe. A propósito, você quer fazer-me um favor?
- O quê?
- A Madre Abadessa espera-me no Convento, no domingo que vem, à tarde. Você quer me levar, Fernando? Eu não posso ir sozinha.
O rapaz fez um gesto de aquiescência. O costume espanhol não permitia que moça alguma de boa família andasse pelas ruas desacompanhada. Muitas vezes tivera ele de acompanhar Rosa à igreja ou a algum convento.
- Claro que levo - disse ele imediatamente. - Talvez seja uma boa ação que vá ficar gravada na história.
O resto da semana Rosa andou muito ocupada, e não foi só com flores. De vez em quando dedicava-se a trabalho de agulha e bordado. Algumas senhoras abastadas eram suas freguesas e o dinheiro que lhe rendiam estas atividades eram de grande auxilio à casa.
"Não será muito diferente quando eu tiver ido embora", dizia ela para si, "graças a D. Gonçalo. Que faria eu sem um amigo tão bom? Não só me deu um dote, mas ainda prometeu olhar pela família e cuidar que tudo continue normalmente. O' Senhor! eu vos agradeço por D. Gonçalo. Abençoai todos os seus dias!".
Na hora combinada, domingo à tarde, Fernando e Rosa dirigiram-se para o Mosteiro da Encarnação. Difícil foi para a jovem sair sem despedir-se de seus pais, irmãos e irmãs, e de Mariana. Mas tinha de ser assim. O padre Alonso Velasquez receava os argumentos que haviam de chover se as intenções de Rosa fossem conhecidas pela família.
Quando o portão de madeira se fechou atrás deles, Rosa virou-se para seu irmão preferido:
- Espero que tudo isto seja a vontade de Deus, Fernando.
- E o que mais podia ser?
- Eu não estou tentando fugir a dificuldades.
- Claro que não! Muito mais você está assumindo, com entrar para o convento.
A jovem caminhava silenciosa pelas ruas, olhando pela última vez as acanhadas casas de adobe, os mendigos, os garotos indígenas brincando. Subitamente um cão branco e preto disparou brincalhão na direção dela. Fernando estendeu instintivamente o braço para protegê-la.
- Cuidado, Rosa. Ele pode mordê-la... E não está muito limpo...
- Oh! ele não morderia ninguém, Fernando. E' apenas um cachorrinho. Mas, que interessante! ele é preto e branco.
- Preto e branco! Lá começa você outra vez; ainda pensando nos dominicanos!
Rosa deu uma risada.
- Nem por isso, Fernando. Mas estou com vontade, se houver tempo bastante...
- De que?
- De ir a S. Domingos para uma última visita.
O rapaz concordou.
- Está bem. Acho que podemos dispor de alguns minutos.
No interior da igreja dos dominicanos os dois irmãos separaram-se. Fernando permaneceu no fundo do templo, enquanto sua irmã prosseguia pela ala direita até à capela do Rosário. Aí ajoelhou-se ante o altar dourado dedicado a Nossa Senhora e uma vez ainda ofereceu-se como serva à Bem Aventurada Mãe e a Seu Filho.
- Ajudai-me a ser boa - implorou ela. - Mãe queridíssima, tende piedade dos pobres, dos ignorantes, dos sofredores! Pedi a Santo Agostinho que rogue por mim, a fim de que eu possa salvar muitas almas, como freira em sua santa Ordem.
À medida que os minutos passavam, Fernando se tornava inquieto. Rosa estava esquecendo que prometera ficar somente um pouco na igreja dos dominicanos. A Madre abadessa das agostinianas dissera-lhe que estivesse no convento a tempo das vésperas, e se quisessem chegar na hora, teriam. que andar depressa.
Ele deslizou para fora do último banco em que estivera sentado e dirigiu-se rapidamente para a irmã.
- Rosa, está na hora de sairmos.
A jovem levantou os olhos para ele. Suas faces estavam quase descoradas e uma expressão de espanto transparecia-lhe nos olhos arregalados:
- Fernando, alguma coisa aconteceu! Não posso mover-me. E' como se meus joelhos estivessem colados ao chão.
- O quê!?
- Sério! Desde que me ajoelhei tive que permanecer no mesmo lugar. Há uma força estranha retendo-me aqui.
O rapaz olhou-a assombrado. Que acontecera? Estaria sua irmã atacada de alguma doença esquisita? Ou estaria ela com alguma brincadeira? Um olhar, porém, a seu rosto empalidecido, convenceu-o de que ela dizia a verdade. Algo misterioso acontecera na capela de Nossa Senhora. Realmente, Rosa não podia levantar-se.
- Eu a ajudo, - disse ele com voz trêmula. - Pegue aqui o meu braço. Mas anda depressa com isso. Algumas pessoas na igreja já estão esquecendo suas orações. Daqui a pouco estaremos rodeados de uma multidão para ver o que há.
Rosa agarrou-se ao braço do irmão, mas nem o esforço combinado dos dois adiantou. Diante do altar da Senhora do Rosário, cheio de flores e tremeluzentes círios, continuou Rosa presa, de joelhos.
Fernando olhou em volta, como a procurar auxílio. Que haviam de fazer? Aquela hora as freiras já estariam no convento à espera da nova Irmã. Mandariam talvez até um recado à casa dos Flores para saber por que ela não teria vindo. Se tal acontecesse, os planos de Rosa deixariam de ser segredo.
- Faça uma oração ou qualquer coisa, - disse o rapaz aflito. - Deve haver um jeito de livrar você.
Rosa ergueu o olhar para a imagem de Nossa Senhora. Ocorreu-lhe subitamente que talvez Deus não a quisesse como agostiniana. Quem sabe fizera ele um milagre para provar a D. Gonçalo e aos outros que o lugar dela era no mundo e não num convento. Talvez - ó feliz ideia! -isso significava que, afinal, ela devia ser uma terciária dominicana!
- Querida Mãe, eu não serei freira se esta não é a vontade de Deus, -disse com simplicidade. - Voltarei para casa e viverei com minha família. Lá farei o possível para bem servi-l'O. Somente, por favor, deixe-me levantar-me.
Bem não terminara estas palavras, Rosa sentiu que podia ficar de pé. Cheio de assombro, viu-a o irmão de pé a seu lado.
"Mas que aconteceu, Rosa? Afinal, como pôde você levantar-se?"
Os negros olhos da donzela brilhavam.
- Foi ela, Fernando - a Mãe Santíssima! Ela não quer que eu vá para o mosteiro esta tarde. Ela quer que eu vá para casa. Ouvi sua voz em meu coração.
O moço meneou a cabeça. Que havia de dizer a madre abadessa? E D. Gonçalo de Massa?...

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