XIII. HEROÍNAS DE PRETO E BRANCO
Nos meses seguintes à sua morte, a fama de Rosa Flores espalhou-se por toda a América do Sul. Dia após dia, centenas de pessoas vinham a S. Domingos pedir-lhe orações. Visto terem os santos restos sido sepultados dentro do claustro solene do convento, mulher alguma tinha permissão de entrar para rezar à beira da sepultura. Afinal, incapaz de recusar os pedidos dos amigos da santa, o Arcebispo consentiu que o corpo fosse removido para a igreja pública. Nesta cerimônia, realizada a 19 de Março de 1619, cerca de dezenove anos depois da morte de Rosa, os restos mortais foram colocados numa urna dourada e depositados em um nicho próximo ao altar-mor.
O novo sítio, porém, tinha muitos inconvenientes. O povo ia e vinha continuamente pelo santuário, mesmo durante o santo Sacrifício da Missa. Por fim, as relíquias foram outra vez removidas, para a capela de Santa Catarina de Sena uma capelinha do lado da epístola do altar-mor.
Os anos passaram e Maria de Oliva considerava com admiração a mudança que se operava em sua posição social. Já não era a simples mulher de um homem que fabricava armas para o exército espanhol em Lima. Tornara-se uma pessoa importante; raro era o dia em que não viesse alguém tributar-lhe honra, congratular-se com ela pelo fato de ser a mãe de uma santa. Muitos até deixavam consideráveis esmolas em agradecimento por algum favor alcançado pela intercessão de Rosa.
No entanto, não se tornou soberba. Seu caráter sofrera uma reforma notável desde a morte de Rosa, e era difícil crer que fosse a mesma pessoa que certa vez ridicularizara a Regra da Ordem terceira dominicana, e se deixara dominar pela raiva quando lhe fora dito que terminaria seus dias usando o hábito da família de S. Domingos.
"Deus me perdoe meus inumeráveis pecados" - pensava ela muitas vezes. "Querida Rosa, roga por tua pobre mãe".
A 10 de Fevereiro de 1624, a população de Lima afluiu para assistir à dedicação de um novo convento de mulheres o sexto a ser construído na cidade. Era o mosteiro de Santa Catarina, anunciado por Rosa quando ainda vivia como eremita no jardim de seu pai. Era o primeiro convento de freiras dominicanas a ser fundado em Lima, e as lágrimas corriam livremente pelas faces de Maria, enquanto assistia à Missa oferecida na nova capela. Sua filha bem-aventurada tinha razão. O padre Luís de Bilbao estava celebrando a primeira missa, e daí a alguns minutos Dona Lúcia de la Daga, cujo marido e cinco filhos tinham morrido alguns anos antes, acompanhada de sua jovem irmã Clara, ajoelhar-se-ia para receber o hábito dominicano.
Quatro anos depois, o mosteiro de Santa Catarina abrigava cento e quarenta e cinco freiras, número que em breve elevou-se a trezentos. Muitos padres explicavam o grande número de vocações, dizendo que aquelas que já viviam dentro dos muros de Santa Catarina, acreditavam que Rosa Flores estava entre elas. Sentiam que ela as ajudava com suas orações, que as tornaria santas. Que admiração que o convento florescesse? Não era só Santa Catarina de Sena a amiga especial e protetora; Rosa também cuidava do bem-estar da casa.
Uma tarde, logo depois das vésperas cantadas pelas irmãs de Santa Catarina, uma jovem irmã leiga procurou a prioreza, outrora Dona Lúcia de la Daga, agora Madre Lúcia da Santíssima Trindade. A jovem religiosa tinha um ar aflito.
- A irmã Maria está pior, Madre. Está chamando pela senhora a tarde toda.
A prioreza olhou-a surpreendida.
- Mas ela estava muito melhor esta manhã, irmã. O doutor João de Tejada mo afirmou.
A irmã leiga suspirou.
- Ela já passou dos setenta, Madre, e não é muito forte. Acho melhor a senhora vir já.
Assim Madre Lúcia encaminhou-se para a pequena cela onde a velha irmã jazia doente. Famosa em todo o Peru como mãe de Rosa Flores, a irmã Maria de Santa Maria era freira em Santa Catarina desde 1629. Mas fazia apenas quatro anos, e certamente a boa senhora não ia morrer ainda.
A irmã Maria, entretanto, pensava de outro modo. Quando a porta se abriu e a prioreza se dirigiu rapidamente para seu lado, ela ergueu-se fracamente sobre um braço:
- Querida Madre Lúcia, Rosa disse-me que viria buscar-me quando eu morresse. Acho que será hoje à noite.
A prioreza tateou nervosamente seu rosário. A irmã leiga tinha razão; a irmã Maria piorara desde a manhã. Seu rosto enrugado estava pálido e a respiração ofegante.
- Mas, querida irmã, não deve dizer tal coisa. Por que não pedir a Rosa que a cure? Ela já a ajudou antes tantas vezes.
- A cura? Para que havia eu de desejá-la? Estou velha, e pouco útil aos outros. Meu marido está morto, meu filho Fernando, minha Rosinha - ah! só quero ir para o céu, ser feliz com esses meus queridos!
Houve silêncio no quartinho, enquanto a doente reclinava novamente no travesseiro. Madre Lúcia contemplou-lhe as feições cansadas e mil lembranças lhe tumultuaram na memória. Os muros de Santa Catarina pareciam desfazer-se e ela voltava a ser uma jovem mulher, a esposa feliz de Antônio Perez de Monteja. Subitamente uma voz de menina ecoou-lhe aos ouvidos:
"Tudo isto passará, Dona Lúcia. Vosso esposo e filhos morrerão. Fundareis o mosteiro de Santa Catarina com vossa enorme fortuna. Minha própria mãe buscará e receberá de vossas mãos o hábito dominicano".
Como, então, estas palavras lhe pareceram impossíveis, naquele tempo distante em 1614. No entanto, tudo aquilo que Rosa havia predito era agora realidade. Antônio estava morto, bem como seus quatro filhos e sua filha. Gaspar Flores fora chamado para o descanso eterno e no mosteiro de Santa Catarina louvava-se a Deus, dia e noite.
De repente a enferma abriu os olhos.
- Rosa... Rosa... Onde estás?
Madre Lúcia estendeu a mão confortadora.
- Está tudo bem, minha querida. Rosa está no Céu. Não se lembra? Ela vai ser canonizada pelo Santo Padre.
A irmã Maria meneou a cabeça.
- Eu me refiro à minha neta, Madre Lúcia. Podia eu ver Maria Rosa outra vez? Ela... ela me faz lembrar tanto a minha Rosinha...
A prioreza acenou afirmativamente.
- Claro que pode ver Maria Rosa. E chamarei também as outras, se quiser.
- Para rezar um pouco? Ah, sim, eu gostaria.
Daí a pouco as irmãs estavam reunidas. A maioria ajoelhou-se no corredor, do lado de fora do quarto da irmã Maria, enquanto algumas rodearam o leito da moribunda. Todas, exceto uma, traziam o hábito branco da Ordem dominicana. Era uma menina de quinze anos, trajada com um simples vestido preto. Era Maria Rosa Flores, cujo pai, Fernando, falecera quando ela era ainda pequena. Ao morrer-lhe a mãe, D. Francisco Lasso de la Vega, governador do Chile, enviara-a à sua avó, e, quando esta entrara para o convento de Santa Catarina, acompanhara-a.
A prioresa contemplou-a afetuosamente, quando ela entrou no quarto. Era uma linda menina, o retrato de sua santa tia, apenas com uma ligeira diferença, uma interessante marca de nascença em uma das faces - uma minúscula rosa vermelha, o que sempre despertara grande curiosidade. Era como se Rosa Flores tivesse assinalado a filha de seu irmão preferido, um sinal que indicava ser a pequena sobrinha uma alma já escolhida de Deus.
- Entre, minha querida. A irmã Maria deseja falar-lhe.
Maria Rosa dirigiu-se vagarosamente para o leito, com os olhos abertos de súbito receio.
- A senhora não vai morrer, vovó!? Não vai deixar-me sozinha. . .
A irmã Maria sorriu à expressão ansiosa da menina.
- Acho que sim, meu bem. Mas não se preocupe. Estas boas religiosas cuidarão de você.
Maria Rosa caiu de joelhos. Não devia chorar. A vovó ia para o Céu. Não sabiam todos em Lima que Rosa a guiaria diretamente ao trono de Deus?
- A senhora... a senhora não se esquecerá de mim?
- Esquecer você? Claro que não.
- Mas a senhora não podia viver um pouco mais, vovó? Não podia esperar até me ver vestida com o hábito dominicano?
A moribunda sorriu.
- Não, filhinha. Eu assistirei à feliz cerimônia lá do Céu. Ah! não imagina que sorte a sua de ter, tão jovem, compreendido o valor de uma vocação religiosa. Sabe o que esta velha tola disse quando Rosa lhe anunciou que morreria como dominicana?
A mocinha acenou que sim, pois ouvira a história muitas vezes. Maria de Oliva afirmara que entraria num convento só depois de ter visto um elefante voar.
- Sim, vovó, eu me lembro. Mas a senhora não deve fatigar-se. Experimente dormir um pouco.
A senhora deu um profundo suspiro.
- Você tem razão, criança. Estou fatigada. Mas não vá embora. Fique aqui a meu lado.
Maria Rosa pos a mão sobre a mão da avó, e por algum tempo reinou profundo silêncio. Subitamente a irmã Maria fez um esforço para falar.
A superiora deu logo um passo para a frente...
- Que é, minha querida irmã?
- Peça às outras que comecem a rezar, sim? Eu . . . eu não tenho mais muito tempo de vida.
A fundadora do convento de Santa Catarina saiu na ponta dos pés e da porta toda aberta deu um sinal. Imediatamente as religiosas no corredor e dentro do quarto começaram a cantar o "Salve Regina", o velho cântico entoado pelos dominicanos sempre que um confrade está morrendo. Assim que a doce melodia vibrou pelo ar, uma campainha tilintou à distância. Pela última vez o capelão trazia o Sagrado Viático à mãe de Rosa Flores.
A irmã Maria sorriu. Seus olhos, nos quais fulgia um brilho diferente, estavam fixos em alguma distante visão.
- Espere Rosa, - murmurou - ainda não.
Madre Lúcia reprimiu as lágrimas. Sentia-se, de repente, estranhamente feliz. Pairava no ar uma doce fragrância, aquele mesmo perfume que enchia a igreja de S. Domingos quando o corpo de uma santa descansava entre os altos e fúnebres círios. E embora não pudesse contemplar a visão, da qual gozava a velha irmã no limiar da morte, a prioresa não tinha a menor dúvida: uma santa viera cumprir uma santa promessa.
Nos meses seguintes à sua morte, a fama de Rosa Flores espalhou-se por toda a América do Sul. Dia após dia, centenas de pessoas vinham a S. Domingos pedir-lhe orações. Visto terem os santos restos sido sepultados dentro do claustro solene do convento, mulher alguma tinha permissão de entrar para rezar à beira da sepultura. Afinal, incapaz de recusar os pedidos dos amigos da santa, o Arcebispo consentiu que o corpo fosse removido para a igreja pública. Nesta cerimônia, realizada a 19 de Março de 1619, cerca de dezenove anos depois da morte de Rosa, os restos mortais foram colocados numa urna dourada e depositados em um nicho próximo ao altar-mor.
O novo sítio, porém, tinha muitos inconvenientes. O povo ia e vinha continuamente pelo santuário, mesmo durante o santo Sacrifício da Missa. Por fim, as relíquias foram outra vez removidas, para a capela de Santa Catarina de Sena uma capelinha do lado da epístola do altar-mor.
Os anos passaram e Maria de Oliva considerava com admiração a mudança que se operava em sua posição social. Já não era a simples mulher de um homem que fabricava armas para o exército espanhol em Lima. Tornara-se uma pessoa importante; raro era o dia em que não viesse alguém tributar-lhe honra, congratular-se com ela pelo fato de ser a mãe de uma santa. Muitos até deixavam consideráveis esmolas em agradecimento por algum favor alcançado pela intercessão de Rosa.
No entanto, não se tornou soberba. Seu caráter sofrera uma reforma notável desde a morte de Rosa, e era difícil crer que fosse a mesma pessoa que certa vez ridicularizara a Regra da Ordem terceira dominicana, e se deixara dominar pela raiva quando lhe fora dito que terminaria seus dias usando o hábito da família de S. Domingos.
"Deus me perdoe meus inumeráveis pecados" - pensava ela muitas vezes. "Querida Rosa, roga por tua pobre mãe".
A 10 de Fevereiro de 1624, a população de Lima afluiu para assistir à dedicação de um novo convento de mulheres o sexto a ser construído na cidade. Era o mosteiro de Santa Catarina, anunciado por Rosa quando ainda vivia como eremita no jardim de seu pai. Era o primeiro convento de freiras dominicanas a ser fundado em Lima, e as lágrimas corriam livremente pelas faces de Maria, enquanto assistia à Missa oferecida na nova capela. Sua filha bem-aventurada tinha razão. O padre Luís de Bilbao estava celebrando a primeira missa, e daí a alguns minutos Dona Lúcia de la Daga, cujo marido e cinco filhos tinham morrido alguns anos antes, acompanhada de sua jovem irmã Clara, ajoelhar-se-ia para receber o hábito dominicano.
Quatro anos depois, o mosteiro de Santa Catarina abrigava cento e quarenta e cinco freiras, número que em breve elevou-se a trezentos. Muitos padres explicavam o grande número de vocações, dizendo que aquelas que já viviam dentro dos muros de Santa Catarina, acreditavam que Rosa Flores estava entre elas. Sentiam que ela as ajudava com suas orações, que as tornaria santas. Que admiração que o convento florescesse? Não era só Santa Catarina de Sena a amiga especial e protetora; Rosa também cuidava do bem-estar da casa.
Uma tarde, logo depois das vésperas cantadas pelas irmãs de Santa Catarina, uma jovem irmã leiga procurou a prioreza, outrora Dona Lúcia de la Daga, agora Madre Lúcia da Santíssima Trindade. A jovem religiosa tinha um ar aflito.
- A irmã Maria está pior, Madre. Está chamando pela senhora a tarde toda.
A prioreza olhou-a surpreendida.
- Mas ela estava muito melhor esta manhã, irmã. O doutor João de Tejada mo afirmou.
A irmã leiga suspirou.
- Ela já passou dos setenta, Madre, e não é muito forte. Acho melhor a senhora vir já.
Assim Madre Lúcia encaminhou-se para a pequena cela onde a velha irmã jazia doente. Famosa em todo o Peru como mãe de Rosa Flores, a irmã Maria de Santa Maria era freira em Santa Catarina desde 1629. Mas fazia apenas quatro anos, e certamente a boa senhora não ia morrer ainda.
A irmã Maria, entretanto, pensava de outro modo. Quando a porta se abriu e a prioreza se dirigiu rapidamente para seu lado, ela ergueu-se fracamente sobre um braço:
- Querida Madre Lúcia, Rosa disse-me que viria buscar-me quando eu morresse. Acho que será hoje à noite.
A prioreza tateou nervosamente seu rosário. A irmã leiga tinha razão; a irmã Maria piorara desde a manhã. Seu rosto enrugado estava pálido e a respiração ofegante.
- Mas, querida irmã, não deve dizer tal coisa. Por que não pedir a Rosa que a cure? Ela já a ajudou antes tantas vezes.
- A cura? Para que havia eu de desejá-la? Estou velha, e pouco útil aos outros. Meu marido está morto, meu filho Fernando, minha Rosinha - ah! só quero ir para o céu, ser feliz com esses meus queridos!
Houve silêncio no quartinho, enquanto a doente reclinava novamente no travesseiro. Madre Lúcia contemplou-lhe as feições cansadas e mil lembranças lhe tumultuaram na memória. Os muros de Santa Catarina pareciam desfazer-se e ela voltava a ser uma jovem mulher, a esposa feliz de Antônio Perez de Monteja. Subitamente uma voz de menina ecoou-lhe aos ouvidos:
"Tudo isto passará, Dona Lúcia. Vosso esposo e filhos morrerão. Fundareis o mosteiro de Santa Catarina com vossa enorme fortuna. Minha própria mãe buscará e receberá de vossas mãos o hábito dominicano".
Como, então, estas palavras lhe pareceram impossíveis, naquele tempo distante em 1614. No entanto, tudo aquilo que Rosa havia predito era agora realidade. Antônio estava morto, bem como seus quatro filhos e sua filha. Gaspar Flores fora chamado para o descanso eterno e no mosteiro de Santa Catarina louvava-se a Deus, dia e noite.
De repente a enferma abriu os olhos.
- Rosa... Rosa... Onde estás?
Madre Lúcia estendeu a mão confortadora.
- Está tudo bem, minha querida. Rosa está no Céu. Não se lembra? Ela vai ser canonizada pelo Santo Padre.
A irmã Maria meneou a cabeça.
- Eu me refiro à minha neta, Madre Lúcia. Podia eu ver Maria Rosa outra vez? Ela... ela me faz lembrar tanto a minha Rosinha...
A prioreza acenou afirmativamente.
- Claro que pode ver Maria Rosa. E chamarei também as outras, se quiser.
- Para rezar um pouco? Ah, sim, eu gostaria.
Daí a pouco as irmãs estavam reunidas. A maioria ajoelhou-se no corredor, do lado de fora do quarto da irmã Maria, enquanto algumas rodearam o leito da moribunda. Todas, exceto uma, traziam o hábito branco da Ordem dominicana. Era uma menina de quinze anos, trajada com um simples vestido preto. Era Maria Rosa Flores, cujo pai, Fernando, falecera quando ela era ainda pequena. Ao morrer-lhe a mãe, D. Francisco Lasso de la Vega, governador do Chile, enviara-a à sua avó, e, quando esta entrara para o convento de Santa Catarina, acompanhara-a.
A prioresa contemplou-a afetuosamente, quando ela entrou no quarto. Era uma linda menina, o retrato de sua santa tia, apenas com uma ligeira diferença, uma interessante marca de nascença em uma das faces - uma minúscula rosa vermelha, o que sempre despertara grande curiosidade. Era como se Rosa Flores tivesse assinalado a filha de seu irmão preferido, um sinal que indicava ser a pequena sobrinha uma alma já escolhida de Deus.
- Entre, minha querida. A irmã Maria deseja falar-lhe.
Maria Rosa dirigiu-se vagarosamente para o leito, com os olhos abertos de súbito receio.
- A senhora não vai morrer, vovó!? Não vai deixar-me sozinha. . .
A irmã Maria sorriu à expressão ansiosa da menina.
- Acho que sim, meu bem. Mas não se preocupe. Estas boas religiosas cuidarão de você.
Maria Rosa caiu de joelhos. Não devia chorar. A vovó ia para o Céu. Não sabiam todos em Lima que Rosa a guiaria diretamente ao trono de Deus?
- A senhora... a senhora não se esquecerá de mim?
- Esquecer você? Claro que não.
- Mas a senhora não podia viver um pouco mais, vovó? Não podia esperar até me ver vestida com o hábito dominicano?
A moribunda sorriu.
- Não, filhinha. Eu assistirei à feliz cerimônia lá do Céu. Ah! não imagina que sorte a sua de ter, tão jovem, compreendido o valor de uma vocação religiosa. Sabe o que esta velha tola disse quando Rosa lhe anunciou que morreria como dominicana?
A mocinha acenou que sim, pois ouvira a história muitas vezes. Maria de Oliva afirmara que entraria num convento só depois de ter visto um elefante voar.
- Sim, vovó, eu me lembro. Mas a senhora não deve fatigar-se. Experimente dormir um pouco.
A senhora deu um profundo suspiro.
- Você tem razão, criança. Estou fatigada. Mas não vá embora. Fique aqui a meu lado.
Maria Rosa pos a mão sobre a mão da avó, e por algum tempo reinou profundo silêncio. Subitamente a irmã Maria fez um esforço para falar.
A superiora deu logo um passo para a frente...
- Que é, minha querida irmã?
- Peça às outras que comecem a rezar, sim? Eu . . . eu não tenho mais muito tempo de vida.
A fundadora do convento de Santa Catarina saiu na ponta dos pés e da porta toda aberta deu um sinal. Imediatamente as religiosas no corredor e dentro do quarto começaram a cantar o "Salve Regina", o velho cântico entoado pelos dominicanos sempre que um confrade está morrendo. Assim que a doce melodia vibrou pelo ar, uma campainha tilintou à distância. Pela última vez o capelão trazia o Sagrado Viático à mãe de Rosa Flores.
A irmã Maria sorriu. Seus olhos, nos quais fulgia um brilho diferente, estavam fixos em alguma distante visão.
- Espere Rosa, - murmurou - ainda não.
Madre Lúcia reprimiu as lágrimas. Sentia-se, de repente, estranhamente feliz. Pairava no ar uma doce fragrância, aquele mesmo perfume que enchia a igreja de S. Domingos quando o corpo de uma santa descansava entre os altos e fúnebres círios. E embora não pudesse contemplar a visão, da qual gozava a velha irmã no limiar da morte, a prioresa não tinha a menor dúvida: uma santa viera cumprir uma santa promessa.
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