8 de abril de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I

Esta contemplação dos sofrimentos de Jesus é deveras fecunda. Estou convencido que, fora dos sacramentos e dos atos litúrgicos, não há prática mais útil para as nossas almas do que a Via Sacra feita com devoção. A sua eficácia sobrenatural é enorme. E porquê?
 Primeiro, porque a Paixão de Jesus é a Sua obra por excelência; quase todos os seus pormenores foram preditos; não há mistério de Jesus cujas circunstâncias fossem anunciadas com tanto cuidado pelo Salmista e pelos Profetas. E quando lemos no Evangelho a narrativa da Paixão, ficamos impressionados com o cuidado que Jesus Cristo tem em "realizar» o que d'Ele foi anunciado. Se
permite a presença do traidor na Ceia, é "para que se verifique a palavra da Escritura». Aos judeus que vinham para O prender, diz que se entrega "para que se cumpra a Escritura»: Ut adimplerentur Scripturae. Na cruz «ia ser tudo consumado», diz S. João, quando o Salvador se lembra de que o salmista predissera: «Morto de sede, dar-me-ão a beber vinagre». Então, para que esta profecia -apenas de pormenor - se cumprisse também, Jesus exclamou! «Tenho sede»: Postea, sciens Jesus quia omnia consummata sunt, UT consumaretur Sriptura, dixit: Sitio. Nisto, nada há de menos importância, pois, todas estas particularidades marcam os gestos dum Homem Deus.
Todas estas ações de Jesus são objeto das complacências do Pai. O Pai contempla o Filho com amor, não só no Tabor, quando Jesus Cristo está revestido do esplendor da Sua glória, mas também quando Pilatos O apresenta à multidão, coroado de espinhos, feito refugo da humanidade. O Pai envolve o Filho em olhares de infinita complacência, tanto nas ignomínias da Paixão, como nos esplendores da Transfiguração: Hic est Filius meus dilectus, in quo mihi bene complacui. E qual o motivo?
 É que Jesus, durante a Paixão, louva e glorifica o Pai numa medida infinita, não só porque é o Filho de Deus, mas também porque se abandona a tudo o que a justiça e o amor do Pai reclamam d'Ele. Se, no decurso da Sua vida pública, pode dizer que "fazia tudo o que era agradável ao Pai» - Quae placita sunt ei fado semper -, isso é sobretudo verdade naquelas horas em que, para reconhecer os direitos da majestade divina ultrajada pelo pecado e salvar o mundo, se entregou à morte, e morte de cruz: Ut cognoscat mundus quia diligo  Parem. "O Pai ama-O com amor ilimitado, porque dá a vida pelas Suas ovelhas e porque, pelos Seus sofrimentos e satisfações, merece para nós todas as graças que nos dão a amizade do Pai": PROPTEREA me diligit Pater, QUlA ego pono animan meam.
 Devemos ainda meditar a Paixão com amor, porque é nela também que Jesus Cristo faz brilhar as Suas virtudes. Possui em Sua alma todas as virtudes, mas a ocasião de as manifestar é sobretudo a Paixão. O amor imenso para com o Pai, a caridade para com os homens, o ódio ao pecado, o perdão das injúrias, a paciência, a mansidão, a fortaleza, a obediência à autoridade legítima, a compaixão, todas estas virtudes brilham dum modo heroico nesses dias dolorosos.
Quando contemplamos a Jesus na Sua Paixão, vemos o exemplar da nossa vida, o modelo admirável e ao mesmo tempo acessível, das virtudes de compunção, abnegação, paciência, resignação, abandono, caridade, mansidão, que devemos praticar para nos tornarmos semelhantes ao nosso divino Chefe: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam, et sequatur me.
 Há um terceiro aspecto que muitas vezes esquecemos e que no entanto é de enorme importância. Quando contemplamos os sofrimentos de Jesus, Ele dá-nos, na medida da nossa fé, a graça de praticar as virtudes que revelou durante aquelas horas santas. Como assim?
Quando Jesus vivia neste mundo, «da Sua pessoa divina emanava uma força omnipotente que curava os corpos», iluminava as inteligências e vivificava as almas: Virtus de illo exibat, et sanabat omnes.  Algo de análogo se dá, quando nos pomos em contacto com Jesus pela fé. Aqueles que O seguiam com amor a caminho do Calvário ou assistiam à Sua imolação foram certamente concedidas por Jesus Cristo graças especiais. Este poder conserva-o ainda hoje; e, quando, em espírito de fé, a fim de nos unirmos aos Seus sofrimentos e O imitarmos, O seguimos do Pretório até ao Calvário e ali ficamos ao pé da cruz, concede-nos estas mesmas graças, faz-nos participar destes mesmos favores. Nunca esqueçais que Jesus Cristo não é um modelo morto e inerte; pelo contrário, sempre vivo, produz sobrenaturalmente em quem d'Ele se aproxima nas devidas disposições a perfeição que contemplam na Sua pessoa.
Em cada estação, o nosso Divino Salvador apresenta-se a nós com um duplo carácter: de Mediador que nos salva pelos Seus merecimentos; de perfeito modelo de virtudes sublimes; de causa eficiente capaz de produzir em nossas almas, pela Sua omnipotência divina, as virtudes de que nos dá o exemplo.
 Dir-me-eis que todos estes caracteres se encontram em todos os mistérios de Jesus Cristo. É verdade; mas com maior plenitude na Paixão, que é, por excelência, o mistério de Jesus!
 E assim, se todos os dias, durante alguns instantes, suspendendo os vossos trabalhos, abandonando as vossas preocupações, fazendo cessar em vossos corações o ruído das criaturas, acompanhardes o Homem Deus no caminho do Calvário, com fé, humildade e amor, com sincero desejo de imitar as virtudes que manifesta na Sua Paixão, tende a certeza de que as vossas almas receberão graças especialíssimas que as transformarão, pouco a pouco, na imagem de Jesus, e de Jesus crucificado. E não é nesta imagem que S. Paulo resume toda a santidade? Para colher os frutos preciosos desta prática, bem como para ganhar as inúmeras indulgências com que a Igreja a enriqueceu, basta parar em cada estação e meditar a Paixão do Salvador. Nenhuma fórmula especial de oração é necessária, nenhuma forma de meditação nos é imposta, nem sequer a do assunto evocado na «estação.». Cada qual pode à vontade seguir o seu gosto e a inspiração do Espirito Santo.

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