6 de abril de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

V

 Mas há mais. Tendo-nos obtido a graça de com Ele levarmos a nossa, cruz, Jesus Cristo far-nos-á  igualmente participar da Sua glória, depois de termos sido associados aos seus sofrimentos: Si tamem compatimur, ut et conglorificemur. Para nós, como para Ele, esta glória será medida pela nossa «paixão». A glória de Jesus é infinita, porque, na Sua Paixão, sendo Deus, desceu aos abismos do sofrimento e da humilhação. E «porque se aniquilou tão profundamente, é que Deus Lhe conferiu tal glória»: Propter quod et Deus exaltavit illum.
 Na verdade, a Paixão de Jesus, por mais capital que seja na Sua vida, por mais necessária que seja à nossa salvação e santificação, não encerra o ciclo dos Seus mistérios. 
Deveis ter notado, ao ler o Evangelho, que, quando Nosso Senhor fala aos Apóstolos na Sua Paixão, acrescenta sempre que «ressuscitará ao terceiro dia": Et tertia die resurget. Estes dois mistérios encadeiam-se igualmente no pensamento de S. Paulo, quer fale só em Jesus Cristo, quer faça alusão ao Seu corpo mistico. Ora a ressurreição marca para Jesus a aurora da Sua vida gloriosa.
 Por isso, a Igreja, ao comemorar solenemente os sofrimentos do seu Esposo, une aos sentimentos de compaixão exclamações de triunfo. Os paramentos de cor preta ou roxa, desnudação dos altares, as «lamentações» de Jeremias, o silêncio dos sinos, tudo atesta a amarga desolação do seu coração de Esposa, nestes dias aniversários do grande drama. E qual é o hino que faz então ouvir? Um cântico de triunfo e de glória: Vexilla Regis prodeunt. «Ergue-se o estandarte do Rei, eis que brilha o mistério da cruz ... És bela, és refulgente, árvore enfeitada com a púrpura real ... Feliz de ti por teres tido suspenso em teus braços Aquele que foi o penhor do mundo ! ... Dai-nos, ó Deus, a vitória pela cruz; dignai-Vos salvar-nos, reger-nos para sempre»! "Exalta, ó minha língua, os louros dum feito glorioso!  Sobre os troféus da cruz proclama o grande triunfo; Cristo, Redentor do mundo, sai vencedor do combate, entregando-se à morte». «Cristo vence pela cruz»: Regnavit a ligno Deus. A cruz representa as humilhações de Cristo; mas, desde o dia em que Jesus nela foi cravado, passou a ocupar o lugar de honra nas nossas igrejas. Instrumento da nossa salvação a cruz tornou-se para Cristo penhor da Sua glória: Nonne haec oportuit pati Christum, et ita intrare in gloriam suam? 
 O mesmo se dá connosco. O sofrimento não é a última palavra na vida cristã. Depois de termos participado da Paixão do Salvador, teremos também parte na Sua glória. 
Na véspera da morte, Jesus dizia aos Seus discípulos: Vos estis qui permansistis mecum in
 tentationibus meis: «Conservastes-vos ao meu lado nas minhas provações. E logo acrescenta: "E eu, em paga, preparo-vos um reino, assim como meu Pai mo preparou»: Et ego dispono vobis sicut disposuit mihi Pater meus regnum. Esta promessa divina diz-nos igualmente respeito a nós. Se nos tivermos «conservado com Jesus nas Suas provações», se tivermos muitas vezes contemplado com fé e amor os Seus sofrimentos, Jesus Cristo virá buscar-nos, quando soar a nossa hora derradeira, para nos levar ao Reino do Seu Pai.
 Dia virá, mais cedo do que pensamos, em que a morte estará próxima; estaremos deitados no leito, sem movimento; os que nos rodeiam fitar-nos-ão em silêncio, na impossibilidade de nos ajudarem; deixaremos de ter contato vital com o mundo exterior, a alma estará a sós com Jesus. Saberemos então o que é ter "estado com Ele em Suas provações»; ouvi-Lo-e-mos dizer, nesta agonia que é agora a nossa, suprema e decisiva: «Não me deixaste na minha agonia, acompanhaste-me quando eu ia para o Calvário, para morrer por ti; aqui estou eu agora; estou ao teu lado para te ajudar, para te levar comigo; não temas, tem confiança; sou eu»! Ego sum, nolite timere! Poderemos então repetir com confiança a palavra do salmista: Etsi ambulavero in medio umbrae mortis, non timebo mala; quoniam tu mecum es: «Senhor, agora, que me vejo rodeado das sombras da morte, nada temo, pois Vós estais comigo» ! 


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