5 de abril de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

A morte de Jesus é a fonte da nossa confiança. Mas para que ela seja plenamente eficaz, devemos nós mesmos participar da Sua Paixão. Na cruz, Jesus Cristo representava-nos a todos; mas, se sofreu por todos nós, não nos aplica os frutos da Sua imolação, se não nos associarmos ao Seu sacrifício. 
Como havemos de participar da Paixão de Jesus? De vários modos.
 Em primeiro lugar, contemplando com fé e amor a Jesus nos diferentes passos da via dolorosa. 
Todos os anos, na Semana Santa, a Igreja revive com Jesus, dia a dia, hora a hora, as diversas fases do sangrento mistério do Seu divino Esposo. Coloca todos os seus filhos diante desses sofrimentos que salvaram a humanidade. Noutros tempos, eram proibidos os trabalhos servis durante estes santos dias; adiavam-se os processos, suspendiam-se os negócios e não eram permitidas as audiências no foro. O pensamento dum Homem  Deus a remir o mundo pelas Suas dores ocupava todos os espíritos, tocava todos os corações. Hoje tantas almas na indiferença! Sejamos, quanto em nós couber, fiéis em contemplar, em união com a Igreja, os diversos episódios deste santo mistério. Nesta contemplação, encontraremos uma fonte inapreciável de graças! 
A Paixão de Jesus ocupa um lugar tal na Sua vida, é de tal modo a Sua obra, ligou-lhe tal importância, que quis fosse recordada no meio de nós, não só uma vez por ano, durante as solenidades da Semana Santa, mas todos os dias. Ele próprio instituiu um sacrifício para perpetuar através dos séculos a memória e os frutos da Sua oblação no Calvário. É o Sacrifício da Missa: Hoc facite in meam commemorationem.
 Assistir ao Santo Sacrifício ou oferecê-lo com Cristo constitui uma participação íntima e muito eficaz na Paixão de Jesus.
 De fato, no altar, como sabeis, reproduz-se o mesmo sacrifício que no Calvário. É o mesmo o Pontífice, Jesus Cristo, que Se oferece ao Pai pelas mãos do sacerdote. É a mesma a Vítima. Difere apenas a maneira de oferecer. Dizemos às vezes: «Oh! quem me dera ter estado no Gólgota com a Virgem, S. João, Madalena! » Ora a fé coloca-nos diante de Jesus, que se imola sobre o altar, onde renova, dum modo mistico, o Seu sacrifício, para nos fazer participar dos Seus méritos e satisfações. Não O vemos com os olhos do corpo, mas a fé diz-nos que está ali, para os mesmos fins para que se oferecia na cruz. Se tivermos uma fé viva, ela nos lançará aos pés de Jesus que se imola, unir-nos-á a Ele, aos Seus sentimentos de amor para com o Pai e para com os homens, aos Seus sentimentos de ódio ao pecado; far-nos-á dizer com Ele: «Pai, eis-me aqui para fazer a Vossa vontade»: Ecce venio, ut faciam, Deus, voluntatem tuam.
 Imbuir-nos-emos destes sentimentos principalmente se, depois de nos termos oferecido com Jesus, nos unir-­mos a Ele pela Comunhão sacramental. Cristo então dá-se a nós, como Aquele que vem satisfazer e destruir em nós o pecado. Na cruz, fez-nos morrer consigo para o pecado: «Fui, diz S. Paulo, crucificado com Jesus Cristo». Naqueles instantes supremos, Jesus Cristo não nos separou de Si; deu-nos o meio de destruir em nós o reino do mal, causa da Sua morte, para que fizéssemos parte da «assembleia santa e irrepreensível dos eleitos»: Sine ruga, sine macula. 
Finalmente, podemos ainda associar-nos a este mistério suportando, por amor de Jesus Cristo, os sofrímentos e adversidades que, nos desígnios da Sua Providência, nos envia. 
Quando Jesus se dirigia para o Calvário, sucumbiu vergado sob o peso da cruz. Aquele a quem a Escritura chama «a Força de Deus» - Virtus Dei - vê-mo-Lo humilhado, fraco, prostrado por terra. Não tem forças para levar a cruz. É uma homenagem que a Sua humanidade rende ao poder de Deus. Se quisesse, Jesus podia, apesar da Sua fraqueza, levar a cruz atê ao Calvário. Mas, neste momento, a Divindade quer, para nossa salvação, que a Humanidade sinta a sua fraqueza a fim de nos merecer a força de suportarmos os nossos sofrimentos. 
A cada um de nós dá Deus também uma cruz para levar, e cada qual pensa que a sua é a mais pesada. Devemos aceitá-la sem discutir, sem dizer: «Deus podia mudar tal ou tal circunstância da minha vida". Nosso Senhor diz-nos: "Se alguém quer ser meu discípulo, tome a sua cruz e siga-me".
 Nesta aceitação generosa da nossa cruz, encontraremos a união com Cristo. Porque, notai bem, levando a nossa cruz, levamos realmente uma parte da de Jesus. Considerai o que narra o Evangelho. Os judeus, vendo a sua Vítima desfalecer e receando que não chegasse ao Calvário, obrigam no caminho Simão Cireneu a ajudar o Salvador. Como disse, Jesus Cristo podia, se quisesse, tirar da Sua Divindade a força necessária; consentiu, porém, em ser ajudado. Quis mostrar-nos assim que cada um de nós deve ajudá-Lo a levar a cruz. Nosso Senhor diz-nos: «Aceitai esta parte dos meus sofrimentos que, na minha divina presciência, vos reservei no dia da minha Paixão». Como havemos de recusar aceitar, das mãos de Cristo, essa dor, essa contradição, essa provação, essa adversidade, beber algumas gotas do cálix que Ele próprio nos apresenta e que foi o primeiro a beber? Digamos pois: «Sim, divino Mestre, aceito esta parte de todo o coração, porque vem de Vós». Tomemo-la por amor d'Ele e em união com Ele. Sentiremos, por vezes, os nossos ombros vergarem com o peso. S. Paulo confessa que certas horas da sua existência eram tão cheias de tédio e de contrariedades, que «a própria vida se lhe tornava pesada»: Ut taederet nos etiam vivere. Mas, como o grande Apóstolo, contemplemos Aquele que nos amou até se entregar por nós. Nessas horas em que a ação profunda do Espírito se faz sentir em Suas operações purificadoras, unamo-nos a Cristo com mais amor ainda. Então a virtude e unção da Sua cruz comunicar-se-ão a nós e nela encontraremos, com a força, a paz e a alegria interior que sabe sorrir no meio do sofrimento: Superabundo gaudio in omni tribulatione nostra.
 São estas as graças que Nosso Senhor nos mereceu. Com efeito, quando subia ao Calvário ajudado pelo Cireneu, Jesus Cristo, Homem Deus, pensava em todos aqueles que, no correr dos séculos, aceitando a própria cruz, O ajudariam a levar a d'Ele; para eles merecia, naquele momento, graças inesgotáveis de força, de resignação, de abandono, que lhes fariam dizer como Ele: «Pai, faça-se a Vossa vontade, e não a minha»! E porquê?
 Há uma verdade capital que devemos meditar.
 O Verbo Incarnado, chefe da Igreja, tomou a Sua parte das dores, a maior: mas quis deixar à Igreja, que é o Seu corpo místico, uma parte de sofrimento. S. Paulo dá-no-lo a entender em palavras profundas, embora aparentemente estranhas: «O que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo,
 completo-o eu na minha própria carne, pelo Seu corpo que é a Igreja". Porventura falta alguma coisa aos sofrimentos de Cristo? Evidentemente que não. Foram superabundantes, imensos, e o seu mérito infinito: Et copiosa apud eum redemptio. Então por que fala S. Paulo de «completar» esses sofrimentos? É Santo Agostinho quem nos responde: «O Cristo total, diz, é formado pela Igreja unida ao seu chefe, à sua cabeça, que é Jesus Cristo. O chefe sofreu tudo quanto devia sofrer. Só falta que os membros, se quiserem ser dignos do chefe, suportem a sua parte de dores: "lmpletae erant omnes passiones, sed in capite: restabant adhuc Christi passiones in corpore; vos autem estis corpus Christi et membra. Ternos, pois, como membros de Cristo, de nos unir aos Seus sofrimentos. Cristo
 reservou-nos uma participação na Sua Paixão; mas, ao mesmo tempo, colocou ao lado da Cruz a força necessária para a levar. É que, diz S. Paulo, Jesus Cristo, "tendo experimentado o sofrimento, tornou-se para nós um Pontífice cheio de compaixão». 

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