2 de abril de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.


Diz S. Paulo que «Jesus Cristo amou a Igreja».
 A Igreja, aqui, significa o reino daqueles que devem, como diz, o mesmo Apóstolo, formar o corpo mistico de Jesus. Cristo amou esta Igreja, e foi por a ter amado que se entregou por ela. Foi o amor que imperou na Paixão.
Sem dúvida, antes e acima de tudo, foi por amor ao Pai que Jesus quis sofrer a morte na cruz. Di.-lo Ele explicitamente: Ut cognoscat mundus quia diligo Patrem, sic facio  - «pata que o mundo saiba que amo o Pai. cumpro a Sua vontade, qual é entregar.-me à morte».
 Vede Jesus na agonia. Durante três horas, o tédio, a tristeza, o temor, as angústias caem sobre a Sua alma, como torrente, invadindo-a a ponto de Lhe fazer jorrar o sangue das sagradas veias. Que abismo de dores nesta agonia! E que diz ao Pai? «Pai. se é possível, afaste-se de mim este cálix.». Mas então Jesus Cristo não aceitava a vontade do Pai?  Está claro que sim. Mas esta prece é o grito da sensibilidade da pobre natureza humana torturada pelo tédio e sofrimento ; naquele momento, Jesus é sobretudo Vit sciens infirmitatem, «um homem ferido de dor». Nosso Senhor sente cair-Lhe sobre os ombros o peso horrível da agonia ; quer que o saibamos e, por isso, faz esta oração.
 Mas ouvi o que logo acrescenta: "No entanto, ó Pai. faça-se a tua vontade e não a minha». É o amor que triunfa. Porque ama o Pai, põe a vontade d'Ele acima de tudo e aceita todos os sofrimentos. Notai que o Pai podia, se assim aprouvesse aos Seus desígnios eternos, atenuar os sofrimentos de Nosso Senhor, modificar-lhe as circunstâncias da morte. Mas não quis. Na Sua justiça, exigiu que, para salvar o mundo, Jesus Cristo se entregasse a todas as dores. Esta vontade diminuiu acaso o amor de Jesus? Por certo que não. Ele não diz! "Meu Pai podia ter arranjado as coisas doutro modo» ; não; aceita inteiramente tudo o que Pai quer: Non mea voluntas, sed tua fiat, 
Irá até ao fim do sacrifício. Alguns instantes depois da agonia, no momento da prisão, quando S. Pedro quer defendê-Lo e fere com a espada um dos que vinham prender o Mestre, que lhe diz logo o Salvador? «Mete a espada na bainha; então não hei-de beber o cálix que meu Pai me deu ?» Calicem quem dedít míhí Pater, non bíbam illum?.
Portanto, é sobretudo o amor ao Pai que leva Jesus Cristo a aceitar os sofrimentos da Paixão. Mas é também o Seu amor para conosco.
 Na última Ceia, quando vai soar a hora de consumar a Sua oblação, que diz aos Apóstolos congregados em volta d'Ele? "Não há maior amor do que dar a vida pelos seus amigos»: Majorem hac dílectíonem nemo habet, ut animam suam ponat quis pro amicis suis. E este amor, que ultrapassa. todo o amor, Jesus vai-no-lo demonstrar, pois, diz S. Paulo, «foi por todos nós que Ele se entregou».  «Morreu por amor de nós, sendo como éramos Seus inimigos». Que maior prova de amor poderia dar-nos? Nenhuma.
 Por isso, o Apóstolo proclama sem cessar que «foi por nos amar que Jesus Cristo se entregou» ; «pelo amor que me tinha, entregou-se por mim». E «entregou-se», «deu-se», até que ponto? Até à morte! Semetipsum tradidit. 
O que realça infinitamente este amor é a liberdade soberana com Jesus Cristo se ofereceu: Oblatus est quía ipse voluit. Estas duas palavras dizem-nos quão es­pontâneamente Jesus aceitou a Paixão. Bem dissera Ele um dia, falando do Bom pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. "Meu Pai ama-me, porque dou a minha vida para a retomar no dia da minha ressurreição. Ninguém me tira à força; Sou eu que a dou; tenho o poder de a dar e de a retomar».
 E vede como se realizaram estas palavras. Quando O iam prender, pergunta aos soldados que Lhe querem deitar a mão: "A quem buscaís?» - "A Jesus de Nazaré». - «Sou eu". E esta palavra prostra-os por terra. Se o pedisse, «o Paí enviaria legiões de Anjos para O libertar». "Todos os dias, acrescenta, costumava assentar-me no meio de vós, a ensinar no Templo, e não me prendestes». Podia fazer com que se desse hoje o mesmo, mas não quis, porque era chegada "a Sua hora». Vede-O diante de Pilatos. Reconhece que "o poder que, tem o governador romano de O condenar à morte não vem senão do Pai»: Non haberes potestatem adversum me ullam, nisí tibi datum esset desuper. Se quisesse libertava-se das mãos dele; mas, visto ser essa a vontade do Pai, entrega-se a um juiz iníquo ; Tradebat judicanti se injuste.
 Esta liberdade com que Jesus dá a Sua vida é abso­luta. É esta uma das mais admiráveis perfeições do Seu sacrifício, um dos aspectos que mais profundamente impressionam o nosso coração humano. «Deus amou o mundo a ponto de lhe dar o Seu Filho único». Cristo amou os seus irmãos a ponto de se entregar a si mesmo total e espontâneamente para os salvar. 

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