18 de abril de 2017

Sermão para o 4º Domingo da Quaresma – Pe. Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A paz interior contra a inquietação


(Sermão baseado no livro Filoteia de São Francisco de Salve, Parte 4, Capítulo 11 e no livro A Perfeição Cristã de Emílio Gonzales y Gonzales, Capítulo 11)
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, nos sermões da Quaresma, temos tratado de algumas virtudes aparentemente simples, mas que são importantíssimas. Já tratamos da paciência para com o próximo, da constância da alma em meio às mais variadas circunstâncias e, no último domingo, tratamos da modéstia e na pureza no falar, mostrando as más consequências das conversas impuras, dos palavrões, das palavras chulas. Hoje, nos inspirando em São Francisco de Sales, vamos tratar da paz interior, que se opõe à inquietação.
O Santo Doutor da Igreja diz que, excetuando o pecado, a inquietação é o maior mal que pode atingir a alma. Vejamos um pouco melhor o que é essa inquietação, essa perturbação da alma.
A alma, diante de um mal, se entristece. O desejo de livrar-se desse mal e de ter os meios necessários para isso segue imediatamente. Até aqui é razoável, pois naturalmente desejamos o bem e fugimos do mal. Se é pelo amor de Deus que a alma procura os meios para se livrar de seus males, vai procurá-los com paciência, com doçura, com humildade, com tranquilidade. A alma vai agir legitimamente para se livrar desses males, mas esperando mais em Deus do que em si mesma e se conformando à vontade de Deus. Por exemplo, se estou doente, devo procurar os meios para me livrar da doença e devo procurá-los com paciência, com tranquilidade, com humildade, conformando-me à vontade de Deus que pode querer a minha cura ou não. Mas faço serenamente o que me cabe.
Ao contrário, se eu procuro o alívio para meus males por amor próprio e não por amor a Deus, terei grande inquietação e desassossego. Caso eu não encontre imediatamente o que desejo, ficarei irrequieto e impaciente. E essas inquietações, longe de aliviar o mal, o aumentam; a alma fica dominada por uma grande tristeza, e perde a coragem e a força. Os males apenas crescerão nessas condições.
E essa inquietação que nos perturba a alma, que nos leva a ser dominado pela tristeza, que nos faz perder a coragem e a força, é um grande obstáculo para alcançar a santidade. A inquietação, diz São Francisco de Sales, não é simplesmente uma tentação, mas a fonte de várias tentações. Ele faz também uma comparação interessante: como as sedições e revoluções civis em um Estado o desolam inteiramente e o impedem de resistir aos inimigos exteriores, também o espírito inquieto e perturbado não tem força suficiente para conservar as virtudes adquiridas nem para resistir às tentações do inimigo, que gosta de pescar nas águas turvas de nossa alma. A pesca do inimigo nas águas turvas da nossa alma inquieta tende a ser abundante, pescando nela as imperfeições e o pecado.
De fato, aquele que está inquieto está em grande parte incapacitado para ouvir Deus. Em geral, faz mal todas as coisas, pois lhe falta a disposição principal para fazer as coisas de modo ordenado e com acerto. Por isso, o demônio combate tanto a paz interior das nossas almas, e quando não pode conseguir diretamente fazer-nos cair em pecado, procura por todos os meios inquietar-nos e perturbar-nos, para que assim incorramos em mil imperfeições e, pouco a pouco, se vão debilitando as nossas forças espirituais, e nos achamos menos firmes no momento da tentação. Daí, bem podemos afirmar que a inquietação, a perturbação e o desassossego são sinais inequívocos do mau espírito, ao passo que a paz interna, serena e estável numa alma é sinal de que mora nela o espírito de Deus, do qual um dos frutos principais é a paz, como diz São Paulo (Gal.5, 2).
A inquietação pode ter várias fontes: a multiplicidade desnecessária das ocupações e negócios, o ímpeto excessivo com que nos consagramos, às vezes, a essas coisas, a precipitação no agir, o amor próprio, os desejos imoderados, a ânsia indiscreta de progredir repentinamente na virtude, o zelo imprudente e impetuoso, as afeições desordenadas, o desgosto do próprio estado, as apreensões, imaginações e temores infundados, mesmo a inclinação natural de certos temperamentos. A causa geral da inquietação, do desassossego, da perturbação da alma, porém, nos diz São Francisco de Sales, é principalmente um desejo desordenado de se livrar de um mal ou de adquirir um bem. Não qualquer desejo, então, mas um desejo desordenado, como já mencionamos. E nada vai dificultar mais livrar-se do mal ou adquirir o bem do que a inquietação, a perturbação da alma.
Non in commotione Dominus, diz a Sagrada Escritura (3 Reis, 19, 2). Deus não está na inquietação, na perturbação. Quando procurarmos legitimamente nos livrar de um mal ou alcançar um bem, sobretudo o da virtude, devemos, antes de tudo, procurar nos acalmar e tranquilizar a nossa alma para só então seguir o movimento do nosso desejo, empregando calmamente e com ordem os meios que conduzem ao fim desejado. Calmamente não significa com negligência, mas significa sem precipitação, sem desassossego. Se não procedermos assim, aumentaremos o nosso mal e nos afastaremos do bem. O rei Davi dizia (Salmo 118, 109): Minha alma, Senhor, está sempre em minhas mãos e não tenho esquecido a Vossa lei. Devemos ter sempre a nossa alma entre nossas mãos, sem nos deixar arrebatar pela inquietação ou por uma paixão desordenada. Se por acaso nossa alma tiver escapado de nossas mãos, devemos ir procurá-la e reconduzi-la calmamente à presença de Deus. O que tem essa paz interior é dono de si, encontra-se disposto para ouvir Deus, para conhecer e executar a sua vontade com muita serenidade, firmeza e ordem. A paz interior assegura em nós o reino de Deus; dispõe-nos para as comunicações divinas; é muito própria para nos fazer conhecer os movimentos da graça; serve-nos de grande auxílio nas tentações; ajuda-nos muito no conhecimento de nós mesmos; mantém em nós a santa simplicidade; favorece grandemente o recolhimento do espírito.
Quais são os meios para alcançar essa paz? O primeiro meio é a consciência limpa dos pecados, ao menos dos mortais e dos veniais mais deliberados. Como diz a Sagrada Escritura, não há paz para os ímpios. Non est pax impiis (Isaías 48, 22). Se estamos em pecado e dele não queremos sair seriamente, nunca poderemos ter essa verdadeira paz. O segundo meio é a humildade e a mansidão. Nosso Senhor o diz expressamente (Mt. 11, 29): “aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e achareis repouso para as vossas almas.” Acharei repouso para as vossas almas. Não confundir humildade com mediocridade, nem mansidão com moleza. O terceiro meio é o desapego de tudo o que possa nos afastar de Deus. Podemos desejar ter coisas honestas, desde que isso não nos afaste de Deus, mas devemos ter o ânimo pronto para nos desprender delas na medida em que nos afastem de Deus ou na medida em que Deus dispuser.
Ao percebermos a inquietação em nossa alma, devemos recomendar-nos a Deus, ainda que muito brevemente, e tomar a resolução de nada fazer daquilo que a inquietação nos pede, até que a perturbação passe. Se não pudermos esperar, em virtude da urgência da questão, devemos nos esforçar suavemente para reprimir ou moderar a inquietação, fazendo o que a razão iluminada pela fé nos mostre o que devemos fazer e não seguindo simplesmente o movimento da inquietação. Ajuda muito manifestar com simplicidade e sinceridade a inquietação a quem possa ajudar, seja a um padre ou, ao menos, a uma amizade piedosa.
Essa paz interior não é estar livre de toda a guerra interior e exterior, de toda a tentação, de toda a imaginação importuna, de todo o movimento e agitação das paixões, de toda a angústia e amargura, de toda a oposição do mundo e do demônio. Essa paz interior consiste em levar com paciência tudo isso, procurando resolver as coisas com ordem, serenidade e calma, possuindo a nossa alma e ordenando-a a Deus. Essa paz deve estar no mais profundo de nossa alma, fixada em Deus sempre, unida a Ele sempre. E essa paz nos trará a alegria verdadeira e que a liturgia de hoje tão bem expressa.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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