20 de outubro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

Tão grandes são as maravilhas da adoção divina, que a linguagem humana é impotente para as exprimir. Coisa admirável Deus adotar-nos por filhos Seus : mas mais admirável ainda é o meio que escolheu para realizar e estabelecer em nós esta adoção. E qual é este meio?  O  seu próprio Filho:  In dilecto Filio suo. Já noutro lugar  expus esta verdade : mas ela é tão vital, que não posso deixar de abordar novamente o assunto.
Deus cria- nos pelo Seu Verbo. - Depois de ter dito que, «no princípio, o Verbo era Deus», S. João
acrescenta: «E todas as coisas por Ele foram feitas, e sem Ele nada foi feito». Que significam estas palavras? Na Santíssima Trindade, o Verbo não é somente a expressão de todas as perfeições do Pai, mas também de todas as criaturas possíveis; estas têm o seu protótipo e modelo na essência divina. Quando Deus cria, produz seres que realizam um dos Seus pensamentos. Depois,  cria  pelo poder da Sua palavra: «Disse uma palavra e todas as coisas foram feitas» : lpse dixit,  et facta  sunt. Por isso a Sagrada  Escritura  diz que  o Pai tudo cria pelo Verbo.
]á vedes a íntima relação que a criação estabelece entre nós e o Verbo. Pelo simples fato da nossa
criação, correspondemos  a  uma ideia divina, somos  o fruto dum pensamento eterno contido no Verbo. Deus conhece perfeitamente a Sua essência : exprimindo este conhecimento, gera o Verbo, e no Verbo  vê o modelo de todas as criaturas. Deste modo. cada um de nós representa um pensamento divino, e a nossa santidade individual consiste em realizar este pensamento que Deus de nós concebeu antes da  criação.
Em certo sentido. portanto, nós procedemos de Deus pelo Verbo : e devemos,  como o  Verbo, ser a expressão pura e perfeita do pensamento divino a nosso respeito. O que impede a realização deste pensamento é a alteração que nós fazemos da obra de Deus ; pois alterar o  divino é o que é próprio nosso na obra da criação ;  próprio, quer dizer, só nosso, com exclusão de Deus. Tudo o que vem de nós está em desacordo com a vontade divina: pecado, infidelidades. resistências às
inspirações do alto, vistas puramente humanas e naturais, tantas coisas com que estragamos a ideia divina !
Mas esta relação com o Verbo, o Filho, é muito mais profunda ainda na obra da nossa adoção.
O  Apóstolo S. Tiago diz que «todo o dom, toda  a graça vem do alto, do nosso Pai dos céus» : e acrescenta: «Por Sua própria vontade, o Pai gerou -nos pela palavra da verdade»:  Valuntarie genuit nos verbo veri­tatis.  A adoção divina pela graça, que nos torna filhos de Deus, realiza-se pelo Filho, pelo Verbo.
Esta verdade é uma daquelas em que mais frequentemente S. Paulo insiste. Como S. Tiago, proclama que todas as bênçãos vêm do Pai e se resumem no decreto da nossa adoção em Jesus Cristo. Seu Filho muito amado. No plano eterno, não nos tornamos filhos de Deus senão em Jesus Cristo, Verbo lncarnado:  Elegit nos in ipso.  O  Pai não nos reconhecerá por filhos se não reproduzirmos em nós os traços de Jesus: Praedestinavit [nos] ... conformes fieri imaginis Filii sui.
De modo que não é senão na qualidade de co-herdeiros de Cristo que um dia seremos  in sinu Patris.
Eis o decreto divino. - Vejamos agora a realização, no tempo, deste desígnio eterno, ou antes, a maneira como foi restaurado o plano de Deus, transtornado pelo pecado de Adão.
O  Verbo eterno faz-se carne.  O  Salmista diz deste Verbo «que se atirou como gigante a percorrer o caminho» :  Exsultavit ut gigas ad currendam viam.  «É do mais alto dos céus que Ele surge»: A summo caelo egressio e jus :  «e a este cume sublime é que Ele regressa» :  Et occursus ejus usque ad summum ejus . Esta  egressio a summo caelo,  é o nascimento eterno no seio do Pai:  Exivi a Patre ;  o regresso é a ascensão para o Pai:  Relinquo mundu, et vado ad Patrem.
Mas não regressa sozinho. Este gigante veio em busca da humanidade transviada: apoderou-se dela e, num amplexo de amor.  arrasta-a consigo  na Sua carreira para a colocar junto de Si,  in sinu Patris ;  «Volto para o meu Pai, que é  também  o vosso Pai; vou preparar-vos um lugar na casa do meu Pai».
Eis a obra deste divino gigante: reconduzir ao seio do Pai,  à  fonte divina de toda a  felicidade,  a humani­dade decaída. restituindo-lhe, pela Sua vida e pelo Seu sacrifício, a  graça  da adoção.
Oh  !  diremos com o Apóstolo, bendito seja o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos cumulou, por Seu Filho e em Seu Filho, de toda a bênção espiritual : que nos fez assentar com Ele nos celestes esplendores onde, no meio duma felicidade eterna, gera o Filho da Sua dileção !  Consedere fecit nos in caelestibus. Sim.  bendito  seja  !  Bendito seja também o Verbo divino,
por amor de nós feito carne e que, pela efusão do Seu sangue, nos restituiu a herança celeste.  O  Jesus, Filho dileto do  Pai, a  Vós seja dada toda a honra e glória!

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