28 de outubro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I

Jesus Cristo é perfeito Deus e perfeito homem.
Quando se nos apresenta no presépio de Belém. na oficina de Nazaré pelas estradas da Judeia, sentado na cátedra das sinagogas, pregado na Cruz ou subindo glorioso ao céu, manifesta-se simultaneamente como Deus e como homem.
É  perfeito Deus. - Assumindo a nossa natureza, o Verbo continua a ser o que é  - Quod fuit  perman  ... sit  :  Deus, o Ser eterno que possui a plenitude de toda a perfeição, de toda a sabedoria. de todo o poder e de toda a beatitude.
Ouçamos o Verbo Incarnado proclamar a Sua Divindade: «Assim como o Pai tem a vida em Si mesmo assim concedeu ao Filho ter a vida em Si mesmo, a vida eterna, a vida divina.  O Pai e Eu somos  um só...  . As obras que o Pai faz, fá-las igualmente o Filho. Tudo o que é do Pai é meu, tudo o que é meu é do Pai» . Há, pois, identidade de perfeições, igualdade de direitos, porque há unidade de natureza .
Cristo é o Filho de Deus, por conseguinte é o próprio Deus. Os fariseus reconhecem que só Deus pode perdoar os pecados : na presença deles, para lhes mos­trar que é Deus, Jesus perdoa ao paralítico e confirma por um milagre a graça concedida: declara que tendo descido do céu, Ele é o pão da vida, o pão que dá a vida eterna; também só Ele pode, pelo Seu próprio poder, subir ao céu, porque só Ele desceu do céu. Por isso, roga ao Pai que seja glorificada a Sua Humanidade com a glória eterna que Ele possui como Verbo, como Deus, antes de o mundo existir. Trata com Deus de igual para igual, porque é o próprio Filho de Deus.
Perfeito Deus, Cristo é também perfeito homem : Et Verbum caro Factum est. - Tomou de nós a natureza humana, que fez Sua, unindo-se a ela física, substancial, pessoalmente, por laços inefáveis:  Quod non erat assumpsit.
Este Deus eterno, o Ser necessariamente subsistente por Si mesmo, nasce, no tempo, duma mulher; Factum ex muliere,  Como nós, Jesus possui uma na­tureza humana, completa, integral nos seus elementos constitutivos:  Debuit per omnia fratribus similari. Como nós, Cristo tem uma alma criada, dotada de faculdades semelhantes às nossas ; o Seu corpo é um corpo verdadeiro, formado do sangue puríssimo da Sua Mãe. Houve, nos primeiros tempos da Igreja, herejes que afirmaram que o Verbo assumira apenas um simulacro de corpo humano ; mas a Igreja condenou-os. Cristo é
autenticamente um dos nossos, da nossa  raça.  Como indica o Evangelho. sofreu realmente fome. sede, fadiga; derramou lágrimas, e os sofrimentos dilaceraram-lhe verdadeiramente o corpo e a alma, como acontece conosco. Mesmo depois da Ressurreição,  conserva esta natureza humana, e demonstra a sua realidade aos discípulos incrédulos  :  Palpate et videte  - «tocai e vede; pode um espírito ser de carne e osso como  Eu sou?  »  E como continuassem ainda céticos, acrescenta:
Tudo o que é nosso Ele fez seu, exceto o pecado: absque pecato.  Cristo não conheceu o pecado nem aquilo que é fonte ou consequência moral do pecado concupiscência, erro, ignorância. A sua carne é passível, pois vem expiar os pecados pelo sofrimento ; mas o próprio pecado nenhum poder tem sobre Ele: «Quem me arguirá do pecado?  ». Este desafio feito aos judeus ficou sem resposta : e, para  O condenarem  à  morte, foi preciso recorrer a testemunhas falsas. Cristo é homem, mas homem duma pureza imaculada, como convinha à dignidade dum Homem-Deus : Sanctus innocens, impollutus, segregatus a peccatoribus.
Cristo possui, portanto, natureza divina  e natureza humana ; é ao mesmo tempo Deus e homem, perfeito  Deus e perfeito homem.
Abri o Evangelho: em cada página vereis que em tudo quanto faz e realiza, o Verbo lncarnado se mostra Deus e homem: em toda a parte se manifestam, cada uma segundo a sua natureza e propriedades a Divindade e a Humanidade.
Cristo nasce duma mulher : mas quer que a Sua Mãe seja  e  permaneça virgem. No presépio é uma criancinha que tem necessidade dum pouco de leite para Seu sustento : mas os Anjos celebram a Sua vinda como do Salvador do mundo. Está reclinado nas palhas dum estábulo : mas  um  astro maravilhoso guia a Seus pés os Magos do Oriente. Como toda a criança judia é submetido  à  circuncisão ; mas ao mesmo tempo recebe o nome que vem do céu e exprime a Sua missão divina. Cresce em idade e sabedoria ; e aos doze anos confunde os próprios doutores da Lei com Suas admiráveis respostas. Faz.-se batizar por João o Precursor, como se tivesse necessidade de penitência : mas, naquele momento, entreabre-se o céu e o Pai Eterno proclama que Ele é o Seu Filho muito amado. No deserto, sente fome, mas os Anjos vêm-No servir. Durante as Suas peregrinações através da Palestina padece fome, sede, cansaço; mas, com uma só palavra por Sua própria autoridade faz andar os paralíticos, cura os doentes, multiplica os pães para alimentar a multidão. No lago de Genesaré, enquanto os discípulos lutam com a tempestade o sono cerra-lhe as pálpebras : mas, instantes depois, despertado pelos Apóstolos atemorizados, com um simples gesto acal­ma as vagas enfurecidas. No túmulo de Lázaro cheio de comoção derrama lágrimas humanas ; mas, com uma palavra ressuscita o amigo, morto havia quatro dias. No Jardim de Getsemani, depois duma agonia cheia de tédio, tristeza e angústia, deixa-se surpreender pelos inimigos : mas basta declarar que Ele é Jesus de Nazaré, para eles caírem por terra. Morre na cruz, como o último dos homens : mas a natureza inteira proclama, pelas perturbações que nela se dão, que quem assim morre é um Deus.
Assim, segundo as belas palavras de S. Leão, «uniu-se a majestade à baixeza, o poder à fraqueza, o
que é mortal ao que é eterno . . . uma natureza inviolável, a uma natureza passível  . . .  O verdadeiro Deus nasceu na natureza integral e  perfeita dum verdadeiro homem, todo com o que é Seu, todo com o que é nosso» :  Totus in  suis. totus  in  nostris.
Por toda a parte, desde a entrada de Jesus neste mundo, n'Ele se manifesta a união da Divindade e da Humanidade : união que em nada diminui as perfeições divinas e deixa intacta a realidade da natureza humana; a lncarnação é u·ma união inefável.
Ó Sabedoria eterna, quão profundos são os Vossos pensamentos, quão admiráveis as Vossas obras !

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