30 de outubro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II

O que torna ainda mais admirável este mistério, é a maneira como se realiza a união das naturezas.
A natureza divina e a natureza humana estão unidas numa só pessoa, que é a pessoa eterna do Verbo, do Filho.
Em nós, alma e corpo unidos formam uma pessoa humana. Em Cristo não se dá o mesmo. A natureza humana, embora íntegra e perfeita na sua essência e nos seus elementos constitutivos, não tem existência senão pelo Verbo, na pessoa divina do Verbo.  É o Verbo que dá  à  natureza humana a sua realidade de existência, o que, neste caso, quer dizer «subsistência» pessoal. Portanto, em Jesus, há uma só pessoa, a pessoa do Filho único de Deus.
No entanto, como sabeis, por mais intimamente unidas que estejam as duas naturezas conservam as suas energias peculiares e operações específicas : entre elas não há nem mistura nem confusão: Non commixtionem passus;  inseparavelmente unidas  na  única pessoa do Verbo, cada uma conserva a sua atividade própria.
Finalmente humana na sua expressão externa a vida do Salvador é, em virtude da união hipostática., toda di­vina. Atividade humana, autenticamente humana, a que se manifesta em Cristo, mas inteiramente penetrada do divino e toda verdadeiramente divina com respeito à Personalidade da qual dimana e cuja dignidade possui.
A pessoa divina do Verbo é a fonte de todas as perfeições de Cristo. Na Santíssima Trindade, o Verbo exprime  as  perfeições do Pai por um ato infinitamente simples; unindo-se à Humanidade, o Verbo exprime em atos múltiplos e variados conforme com a natureza humana, todas essas perfeições como o raio de luz, ao atravessar o prisma se transforma num feixe de cores diversas. As virtudes da santa Humanidade de Jesus - paciência, doçura, bondade, mansidão, benigni­dade, zelo, amor - são virtudes praticadas pela natureza humana, mas pertencem à pessoa divina do Verbo e manifestam ao mesmo tempo aos nossos olhares terre­nos, as perfeições do Deus invisível. Humana na sua expressão externa a vida de Jesus é divina na sua
fonte e princípio.
Qual  é  a consequência desta doutrina? Já a conheceis, mas  é  da máxima utilidade  insistir  nela.
Todas as ações de Jesus são ações dum Deus. Os atos da santa Humanidade são ações finitas limita­das no tempo e no espaço, exatamente  como é  criada a natureza humana.
Mas  o valor moral destas ações  é divino.  Porquê? Porque toda a ação, embora praticada por esta ou aquela faculdade da natureza,  é  atribuída  à  pessoa. Em Cristo, é  sempre Deus quem opera ; mas, umas vezes pela  Sua natureza divina, outras  pela  Sua natureza humana.É, pois, com verdade que dizemos que  foi  um Deus quem trabalhou, chorou,  sofreu,  morreu, embora todas estas ações tenham sido praticadas pela natureza humana. Todas as ações humanas de Jesu Cristo,
mínimas que sejam na sua realidade física, têm um valor .divino
E aqui está por que toda a vida de Cristo  é  tão agradável ao Pai. O Pai Eterno encontra em Jesus,  na Sua pessoa e nos Seus atos, nos Seus estados mais humildes como nos Seus mais admiráveis  mistérios,  todas as complacências, porque vê sempre a pessoa do Seu próprio Filho único. O Pai Eterno, contemplando  a Jesus, vê-O como jamais O verá criatura alguma humana. Se assim me posso exprimir, só Ele pode apreciar o valor de tudo o que faz o Filho. Como dizia Nosso Senhor: «Ninguém conhece o Filho, a não ser o Pai» . Por mais que elevemos a nossa alma, por mais que prescrutemos os  mistérios  e estados de Jesus, nunca chega­remos a apreciá-los como merecem. Só um Deus pode ver e reconhecer dignamente o que faz um Deus. Mas, aos olhos do Pai, os mínimos atos da Humanidade de Jesus, os menores movimentos do Seu Coração Sagrado eram uma fonte de encanto e gozo.
Outra razão pela qual o Pai Eterno contempla com complacência a alma de Cristo é estar ela cheia de toda a graça. Depois de ter proclamado a Divindade do Verbo e a realidade da Sua lncarnação, S. João acrescenta: «E- nós vimo-Lo cheio de graça» ;  Et vidimus eum plenum gratiae.
Que plenitude de graça  é  esta que S. João admira em Jesus e da qual diz que  «é  dela que todos recebemos, e graça sobre graça»?
Em Cristo há, primeiro, como sabeis, a graça de união  - gratia unionis  -  em virtude da qual uma natureza humana está substancialmente unida a uma pessoa divina. Por esta graça se realiza a união que constitui a Incarnação.  É  uma graça única no seu gênero concedida tão somente a Jesus Cristo.
Além disso, a alma de Jesus. criada como a nossa, foi dotada da plenitude da graça santificante. Pela graça de união, a Humanidade de Jesus tornou-se Humanidade dum Deus : pela graça santificante, a alma de Jesus tornou-se digna de ser e operar como convinha a uma alma unida a Deus por uma união pessoal. Esta graça santificante foi dada a Jesus em toda a sua plenitude. A nós, é-nos concedida  em  maior ou menor grau, segundo os desígnios de Deus e a nossa coope­
ração: a Jesus, foi outorgada na sua plenitude, tanto pela Sua qualidade pessoal de Filho de Deus, como pelo título de chefe do Corpo Místico ao qual a deve
distribuir  ;  secundum mensuram donationis Christi.
Finalmente, a Humanidade de Jesus é santa, porque possui em grau incomparável as virtudes, pelo me­nos, aquelas que são compatíveis com a dignidade de Filho único de Deus, e porque está ornada,  de modo especial, dos dons do Espírito Santo.
Nada falta, portanto, à  Humanidade de Jesus para ser digna do Verbo a quem está unida : nela se encon­tra realmente a plenitude de toda a graça:  Et  vidimus eum plenum gratiae  :  em Jesus estão acumulados, sem medida, «os tesouros da sabedoria e da ciência» ; «em tudo Ele  é  o primeiro, porque Deus quis habitasse n'Ele toda a Sua plenitude» e n'Ele permanecesse para sempre. De modo que, diz S. Paulo, eco fiel, neste ponto, de S. João, «em Jesus Cristo tudo possuímos em plenitude, pois  é  nosso chefe»:  In ipso inhabitat  OMNIS PLENITUDO  divinitatis corporaliter : et es­tis in illo  REPLETI  qui est  CAPUT  omnis principatus et potestatis .

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