V. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SEU
NASCIMENTO
"Neste dia a suavidade correrá das
montanhas e as colinas destilarão leite e mel".
É assim que a Igreja canta, por toda a
terra, o doce mistério do nascimento de Cristo. Efetivamente no dia de Natal,
aquele que é mais doce do que o mel, aquele que é a própria fonte de toda
doçura, tudo suavizou, trouxe a verdadeira alegria, anunciou a paz aos homens
de boa vontade, e consolou o mundo com a aurora de um futuro cheio de graças.
Que privilégio para os homens, poderem ver
com os olhos corporais o mais belo dos filhos dos homens, apertá-lo nos braços,
cobri-lo de santos beijos!
Certamente, felicidade deles era grande,
mas a nossa é ainda maior, contemplando, com os olhos da fé, cada dia, o divino
Menino, e participando, sem cessar, da alegria do seu nascimento. Sobre este
assunto o santo Papa Leão I escreveu: "As palavras do Evangelho e as
profecias nos inflamam de tal modo, que o nascimento do Cristo não nos parece
um fato passado, porém um acontecimento presente. Também ouvimos a boa nova
trazida aos pastores pelos Anjos: "Eis que vos anuncio uma grande alegria:
hoje nasceu o Salvador" (Sermo 9, de Nativitate).
Temos a inefável felicidade de assistir a
este bem-aventurado nascimento, se assistimos à santa Missa, onde tal é
renovado e continuado.
E, se queres saber, caro leitor, como o
Cristo nasce, lê essa passagem de São Jerônimo: "Os sacerdotes formam o
Cristo pelos seus lábios consagrados", quer dizer: o Cristo nasce dos
lábios do sacerdote, quando este pronuncia as palavras da consagração. Por sua
vez, o Papa Gregório XIII o afirma, exortando os sacerdotes a dizerem antes de
subirem no altar: "Quero celebrar a santa Missa e formar o Corpo e o
Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
A Igreja não cessa de recordar-nos este
nascimento espiritual de Jesus Cristo, quando nos ordena entoar o cântico dos
Anjos durante a santa Missa: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz
sobre a terra aos homens de boa vontade". Que felicidade para nossa alma
possuir uma fé viva, e nosso proceder para o Menino Jesus se assemelhar ao
porte cheio de amor e de respeito de Maria, de S. José, dos Anjos e dos
pastores!
Bem que Jesus Cristo nos oculte a beleza
de sua Humanidade, contudo permanece visível aos olhos de Deus e do exército
celeste. Em cada Missa, mostra-se num esplendor do qual a Santíssima Trindade
recebe uma glória infinita e faz estremecer de júbilo a Santíssima Virgem, os
Anjos e os Santos, como nos assegurou o bem-aventurado Alano de la Roche.
Quando os Anjos vêem o Menino Jesus nascer
sobre o altar, ajoelham-se humildemente e o adoram, porque, quando Deus
introduziu seu Unigênito na terra, disse: "Que todos os Anjos o
adorem". É o que a Igreja canta no prefácio: "Os Anjos louvam a vossa
Majestade, as Dominações a adoram, as Potestades a veneram tremendo; os céus,
as Virtudes dos céus, e os bem-aventurados Serafins celebram a vossa glória com
transporte de alegria".
Em união com estes espíritos celestes,
agradeçamos a Nosso Senhor que, ao renovar o mistério de seu nascimento, deseja
distribuir-nos também os frutos.
O espírito humano é impotente para
conceber e explicar o grau de alegria que o céu experimenta na renovação do
nascimento de Cristo. A própria ciência dos Anjos não basta, embora essas
bem-aventuradas inteligências participem das delícias que proporciona ao céu o
santo Sacrifício da Missa.
Quanto ao gozo da Santíssima Trindade, a
fé nos ensina que tira de Si própria toda a beatitude. A Sagrada Escritura diz
da sabedoria incriada, isto é, do Filho de Deus: "É o esplendor da luz
eterna, o espelho sem mancha da Majestade divina, a imagem da sua bondade"
(Sab. 7, 26).
Este espelho está desde toda a eternidade,
diante dos olhos do Pai celeste que se contempla nele com infinita satisfação.
Nele, vê-se eternamente o Senhor poderosíssimo, gloriosíssimo, sapientíssimo,
riquíssimo, infinito de bondade e beleza.
Este conhecimento e esta contemplação
incessante de sua própria pessoa são, para Ele, um gozo essencial, perfeito,
bastando para manter o Pai celeste em uma beatitude infinita.
Este espelho puríssimo, pois, foi
colocado, em nova forma, diante de seus olhos no nascimento do Salvador, onde o
Cristo é revestido da mais nobre natureza humana, enriquecida das mais
preciosas virtudes e ornada de todas as perfeições. O Pai eterno experimentou
novas delícias, das quais fez participar toda a corte celeste. Palpitantes de
júbilo estes espíritos bem-aventurados cantaram então um cântico melodioso, ao
qual nada do que na terra se tinha ouvido era comparável, e derramou sobre os
piedosos pastores as ondas de uma alegria inigualável e desconhecida. Ao canto
do "Glória in excelsis", os Anjos voaram para Belém, prostraram-se
ante o recém-nascido e adoraram-lhe a Divindade.
Todas estas cenas da noite de Natal se
renovam cada dia na santa Missa, onde o Filho de Deus nasce da palavra do
sacerdote. Não que um novo Cristo seja criado, nem sua pessoa multiplicada. O
que se multiplica é sua presença, de modo que, onde sua Humanidade não estava
dantes, acha-se agora de modo real, e fica debaixo das santas espécies, por
tanto tempo quanto estas aparências subsistirem intactas. Se as espécies se
corrompem, cessa a presença real.
O Filho unigênito de Deus nasce de novo
dos lábios do sacerdote, e, por suas mãos, esse espelho imaculado ornado de
tantas perfeições, é elevado para ser oferecido a Deus; que alegria, que
delícias, que infinitas felicidades para o Pai celeste! Não podem ser menores
que as da noite de Natal, porque, em Belém e sobre o altar, tem, diante dos
olhos, aquele do qual disse: "Este é o meu Filho muito amado, em quem
tenho posto toda a minha complacência" (Mt. 3, 17). A única diferença é
que no presépio, o Verbo estava oculto sobre a carne mortal, enquanto, na
Missa, seu Corpo glorioso, ornado de suas chagas sagradas, como cinco pedras
preciosas, está oculto sob as espécies sacramentais. Em Belém, nasceu
corporalmente, no altar, nasce de forma mística, ainda que muito real.
Porém, Deus Padre não fica somente cheio
de alegria, contemplando este espelho divino; aquele a quem contempla, seu
Filho unigênito, lhe corresponde a ternura por um amor infinito,
aumentando-lhe, assim a felicidade.
As delícias que a Divindade recebe da
santíssima Humanidade de Cristo, excedem todas as que lhe vêm dos louvores dos
Anjos, adorações dos Santos, e fidelidade dos homens, porquanto a Humanidade
sagrada de Nosso Senhor, unida hipostaticamente à Divindade é a única capaz de
honrar, de regozijar, de amar a Divindade conforme sua infinita grandeza. Ora,
tudo isto o Salvador Jesus faz com tanta suavidade que nem os Querubins nem os
Serafins o compreendem inteiramente. O céu olha cheio de assombro, de coração
arrebatado, sem poder medir a extensão do divino júbilo. Como isto se reproduz
em milhares de Missas, quem poderia descrever o grau de felicidade que reverte
à Santíssima Trindade?
Ó Deus de glória, regozijo-me por vossa
infinita felicidade, quereria mesmo aumentá-la por minha piedade, durante o
santo Sacrifício. Suplico-Vos, meu Senhor Jesus Cristo, que Vos digneis, em
cada Missa, de regozijar a bem-aventurada Trindade, em meu nome, e suprir,
superabundantemente, o amor que tenho negligenciado de lhe manifestar, e a alegria
que deveria causar-lhe.
"Um pequenino nos nasceu, e um filho
nos foi dado" (Is. 9, 6). Esta profecia de Isaias que anunciava o
nascimento de Jesus Cristo, deve-se aplicar também à santa Missa. Nela uma
criancinha nos é nascida, e um filho nos é dado. Ó rico e piedoso dom! Este
menino é o Filho de Deus. Chega de um país longínquo, do paraíso celeste;
traz-nos incomparáveis riquezas, a graça, a divina misericórdia, o perdão de
nossos pecados, a remissão das penas, a emenda de vida, o benefício de uma morte,
o acréscimo da glória futura, bênçãos temporais, um preservativo eficaz contra
o pecado.
O texto de Isaías encerra um outro assunto
de consolação. O profeta diz, expressamente, que "nasceu-nos um menino, e
nos foi dado um filho". Isto significa que, nascendo de novo na
consagração Jesus se torna nossa propriedade com tudo o que é, tudo o que tem,
tudo o que opera sobre o altar. Portanto, a honra, as ações de graças, as
satisfações que oferece à Santíssima Trindade são para nós. Que maior
consolação para os que ouvem a santa Missa do que este pensamento: Jesus está
para mim!?
Se tivesses estado durante a noite de
Natal na gruta de Belém, tomado o doce Menino Jesus em teus braços, e o
tivesses oferecido a seu Pai celeste, elevando-o para Ele e suplicando-Lhe que
tivesse piedade de ti por amor desse pequenino, pensas que Deus pudesse
repelir-te e ficar surdo a tua voz? Não, certamente. Faze, pois, o mesmo
durante a Missa, sobretudo no tempo do Advento e do Natal, encaminha-te em
espírito para o altar, toma o Menino Jesus, oferece-o a Deus Padre.
Outro ponto importantíssimo é este: O
Cristo não somente nasce sobre o altar de maneira mística, mas também toma uma
forma tão humilde, que causa admiração ao céu e à terra. Em seu primeiro
nascimento, humilhara-se infinitamente, tomando a forma de servo, entretanto,
ainda era uma forma humana. Em seu nascimento místico, escolheu humilhação
ainda maior, aniquilou-se debaixo das aparências do pão!
Que humilhação inaudita! Que há de mais
insignificante que uma espécie sacramental, acidente sem substância? Olhai bem
a suprema modéstia de Jesus! Onde lhe está a glória? Onde lhe está a Majestade
soberana que faz tremer o céu? Renunciou a tudo isto! Aquele que ocupa um trono
à direita do Pai eterno, repousa sobre o altar, ligado como o Cordeiro de
sacrifício. Ó abismo insondável de humildade! Ó amor incomparável do mais fiel,
do mais amante dos homens.
Para que este excesso de humildade? Uma
das razões principais é desarmar a cólera de seu Pai celeste, e desviar dos
pecadores um justo castigo.
Não há melhor meio de aplacar o inimigo do
que se humilhar em sua presença e pedir-lhe perdão. O proceder de Acab
fornece-nos uma prova. Quando o profeta Elias anunciou a este rei ímpio que o
Senhor o puniria de morte súbita assim como a sua mulher e a seus filhos, e que
seus corpos, privados de sepultura, seriam devorados pelos cães e corvos,
"humilhou-se Acab ante o Senhor, rasgou as vestes, cobriu a carne com um
cilício, jejuou, dormiu num saco e caminhou cabisbaixo". Então o Senhor
dirigiu a palavra a Elias e disse: "Não viste Acab humilhado diante de
mim? Já que se humilhou por minha causa, não farei cair sobre ele os males de
que o ameacei" (III Reis, 21, 27-29).
Se Acab, "ao qual nunca houve igual
em impiedade", segundo a Sagrada Escritura, por sua humilhação, levou Deus
Todo-Poderoso a suspender a sentença pronunciada contra ele, o que não obterá
junto a Deus a humilhação de Jesus Cristo sobre o altar? Não é mais tocante
neste estado de aniquilamento em que o colocou seu amor pelos homens? Vede-o,
despojado de suas vestes de gala, oculto sob a aparência da Santa Hóstia não
somente curva a cabeça, está atado como holocausto e, do fundo do coração, pede
para nós perdão e misericórdia! A este espetáculo, Deus diz a seus Anjos, como
outrora dissera a Elias: "Vistes como meu Filho se humilhou diante de
mim?". Os Anjos respondem: "Sim, Senhor, vimo-lo, e ficamos
admirados". E o Pai celeste continua: "Pois que meu Filho
aniquilou-se deste modo, não me vingarei dos pecadores, nem os punirei conforme
suas iniqüidades".
Meditemos estas palavras e estejamos
persuadidos de que, se Deus não abrevia a vida do culpado, se não o castiga
segundo a medida de suas iniqüidades, o pecador deve-o à santa Missa, onde
participou da reparação de Jesus Cristo. O Salvador clementíssimo advogou-lhe a
causa, humilhou-se em seu lugar e deteve o braço vingador da divina justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.