II. EXCELÊNCIA DO SANTO SACRIFÍCIO DA
MISSA
A excelência da Santa Missa é tão grande,
que os próprios Serafins não podem compreende-la perfeitamente. Experimentemos,
entretanto, investigar os ensinamentos da Igreja a este respeito.
São Francisco de Sales diz: "O
santíssimo Sacrifício do altar é, entre os exercícios da religião, como o sol
entre os astros, porque é verdadeiramente a alma da piedade e o centro da
religião cristã, ao qual todos os seus mistérios e todas as suas leis se
relacionam; é o mistério inefável da divina caridade, pelo qual Jesus Cristo,
dando-se realmente a nós, cumula-nos com suas graças de maneira igualmente
amável e magnificente" (Introdução à vida devota).
O sábio Osório julga a Santa Missa acima
de todos os outros mistérios da nossa religião: "Entre todos os atos da
Igreja, o Santo Sacrifício da Missa é o mais augusto e mais precioso, porque o
Santíssimo Sacramento do altar é aí consagrado e oferecido a Deus". E
Fornerus de Bamberg acrescenta: "Se bem que todos os Sacramentos estejam
cheios de majestade, a Santa Missa excede-os; aqueles são vasos que contêm a
divina misericórdia para os vivos, esta é um oceano inesgotável de liberalidade
divina pelos vivos e pelos mortos".
Vejamos agora em que se manifesta a
excelência da Santa Missa.
Em primeiro lugar, manifesta-se, no
cerimonial pomposo da bênção solene ou consagração de uma igreja, ou dum altar
pelo Bispo. Longo demais seria narrar aqui toda a cerimônia - aliás rara entre
nós, devido a diversas razões; mas é certo que a consagração das igrejas é uma
cerimônia tão tocante e insinuante, que facilmente dela se deduz que, das
nossas igrejas, muito mais que do templo de Jerusalém, valem as palavras do
profeta Isaías: "Conduzi-los-ei à montanha santa, enchê-los-ei de alegria,
à invocação de meu nome; a vítima que me oferecerem há de me ser agradável,
porque minha casa será chamada por todos os povos, casa de oração".
Desta palavra fez menção Jesus Cristo,
quando, cheio de santa indignação, expulsou do templo de Jerusalém os que o
violavam pelos negócios gananciosos. Lembremo-nos, também, desta mesma palavra
para, cheios de santa fé e religioso respeito, entrarmos em nossas igrejas para
adorarmos a Jesus Cristo, corporal e essencialmente, presente no santo altar.
Conservemo-nos alheios do costume altamente censurável de fazer dos templos
sagrados lugares de conversas e, quiçá, de faltas mais graves.
Em segundo lugar, a excelência da santa
Missa nos é demonstrada pelo rito solene da ordenação dos ministros do altar,
mormente dos sacerdotes. Dispensamo-nos ainda de expor longamente a
administração do santo sacramento da ordem, do sacerdócio, para não se avolumar
demais este livro. Quem já teve ensejo de assistir à ordenação de
neopresbíteros, não terá deixado de experimentar singular impressão, sentindo a
grandeza oculta do ato, seu efeito duradouro do estado sacerdotal e de seu fim
elevado de oferecer o santo sacrifício da Missa.
Ainda poderíamos referir-nos aos objetos
que servem à celebração da santa Missa e dar outras tantas provas da excelência
do mesmo sacrifício da Missa, pois a grande e rigorosa diligência de nossa
santa Igreja se inspira na compreensão e estima que tem daquilo que se passa no
santo altar. Inspiremo-nos nesta diligência, para assistirmos sempre com
rigorosa atenção a tão grande mistério.
Até a língua empregada no sacrossanto
sacrifício da Missa, a Igreja faz compreender que no altar se efetua algo de
superior ao comum. Não se usa a língua vulgar - mas a língua sagrada da Madre
Igreja. Houve quem ousasse censurar o uso do latim na Missa, - mas entendamos
bem: A santa Missa não é uma instrução, mas um grande mistério. O sacerdote não
celebra para ensinar, mas para santificar-se e ao povo. Para tomarmos parte na
santa Missa, não é preciso compreendermos as palavras, basta e cumpre
unirmo-nos, afetuosamente, ao que se passa no altar. No emprego da língua
latina no santo sacrifício, temos ainda um valioso símbolo da unidade da
Igreja: Uma só Igreja, um só sacrifício, uma só língua em todo o mundo no
altar.
Passemos agora à prova mais evidente da
excelência da santa Missa, que consiste em demonstrar quem é a pessoa do
sacrificador, e qual a oferta na santa Missa.
Quem é o sacrificador? - o sacerdote? o
Bispo? o Papa? - Não. - Será um Anjo do céu? um Santo? a própria Mãe de Deus, Maria
Santíssima? - Oh, não. É o sacerdote dos sacerdotes, o Bispo dos Bispos, o
Filho de Deus, Jesus Cristo, "o sacerdote eterno segundo a ordem de
Melquisedec".
É ele quem dá à santa Missa a excelência
incomparável; é ele quem eleva a oferta do pão e do vinho a um sacrifício
divino.
Que Jesus Cristo é o sacerdote na santa
Missa, prová-lo-emos com estas palavras de S. João Crisóstomo: "O mesmo
Jesus Cristo que nos preparou, na última Ceia, esta mesa sagrada, está aqui
para abastece-la; pois não é o homem que muda o pão e o vinho no Corpo e no
Sangue de Nosso Senhor, mas sim Jesus Cristo que, por nós, foi
crucificado".
Com estas palavras S. Crisóstomo prova que
Jesus Cristo cumpre, pessoalmente, a parte essencial da santa Missa; que desce
do céu, muda em seu Corpo e Sangue, o pão e o vinho, oferecendo-se, em
holocausto, a seu Pai pela salvação do mundo, e ora, como fiel mediador, pelos
pecados do povo. Os sacerdotes são apenas seus instrumentos: emprestam-lhe a
boca, a língua, as mãos para a realização do divino Sacrifício.
Se alguém recusar crer no testemunho de S.
Crisóstomo, eis a decisão do grande Concílio de Trento: "O Sacrifício da
Cruz e o Sacrifício da Missa são um só e mesmo sacrifício, porque aquele que se
imolou sobre a Cruz, de maneira cruenta, é o mesmo que se imola na santa Missa,
de modo incruento, pelo ministério dos sacerdotes".
É pois, doutrina da santa Igreja, que os
sacerdotes são simplesmente os servos de Jesus Cristo e que Nosso Senhor se
oferece, no altar, tão verdadeiramente como se ofereceu sobre o patíbulo da
Cruz.
Que honra! que graça! que inestimável
benefício! O divino Salvador digna-se de fazer-se nosso sacerdote, nosso
mediador, nosso advogado!
Eis o que também refere S. Paulo em sua
Epístola aos Hebreus: "Era justo que tivéssemos um pontífice como este:
santo, inocente, sem mancha, segregado dos pecadores, e mais elevado que os
céus, que não fosse obrigado, como os outros pontífices, a oferecer vítimas,
todos os dias, primeiramente pelos próprios pecados e, em seguida, pelos pecados
do povo. A lei antiga estabeleceu, para pontífices, homens fracos, mas a
palavra de Deus, confirmada pelo juramento que fez depois da lei, constituiu
pontífice o Filho, que é santo e perfeito eternamente" (Heb. 7, 26-28).
Não são estas magníficas palavras do
Apóstolo uma prova de quanto Deus nos estima, visto que nos deu, por sacerdote
e mediador, não um homem frágil e pecador, mas seu Filho único, a própria
santidade?
Consideremos, agora, por que Jesus Cristo
não quis confiar seu sacrifício a homem nenhum. A principal razão foi porque
este sacrifício devia ser puríssimo como o profeta Malaquias o havia anunciado.
Em todo lugar, sacrifica-se e oferece-se
ao meu nome uma oblação pura. Foi por esta razão que Deus reservou o nome a
função de sacerdote a seu Filho único, ao sacerdote eterno segundo a ordem de
Melquisedec.
Deste modo, o sacerdote celebrante não é
propriamente falando, o sacrificador, porém apenas o servo do grande sacerdote
Jesus Cristo.
Segue-se daí, que toda Missa é de um valor
infinito, pois é celebrada pelo próprio Jesus Cristo, com uma devoção, um
respeito, um amor acima do entendimento dos Anjos e dos homens. O mesmo Jesus
Cristo revelou esta verdade à Santa Matilde: "Só Eu, disse, compreendo,
perfeitamente, de que forma me imolo, todos os dias, sobre o altar pela
salvação dos fiéis; os Querubins e os Serafins, nenhuma Potestade celeste,
saberiam compreende-la inteiramente" (Revelações, I, 19). Oh meu Jesus!
que impenetrável mistério e que felicidade para nós, pobres pecadores, sermos admitidos
à santa Missa, onde efetuais essa salutar oblação!
Caro leitor, considera bem estas palavras
e quanto te é vantajoso assistir à santa Missa, em que Nosso Senhor se oferece
por ti; faz-se o mediador entre tua culpabilidade e a justiça divina, e retém o
castigo que merecem, cada dia, os teus pecados. Oh, se abrisses bem os olhos a
esta verdade, como amarias a santa Missa; como suspirarias pela felicidade de
assisti-la. Como a ouvirias devotamente. Como te lastimarias por faltar a uma
só! Para poupar um tal prejuízo a tua alma, suportarias, de boa vontade,
qualquer dano temporal. Os primeiros cristãos nos deixaram disto o exemplo:
preferiram perder a vida a deixar de assistir à santa Missa.
Já insistimos muito na excelência da santa
Missa; entretanto, resta-nos ainda a tratar de um ponto importante: o valor da
oferta, apresentada à Santíssima Trindade.
É evidente que esta oferta, para ser digna
de Deus, deve ser de um preço inestimável, porque quanto maior é a quem se faz
uma oferta, tanto mais preciosa ela deve ser. Se alguém ousasse oferecer uma
bagatela a um príncipe, cobrir-se-ia de confusão
Ora, o céu e a terra são apenas uma
bagatela diante da imensa Majestade de Deus.
"O mundo, perante Deus, é o grãozinho
que apenas dá diminuta inclinação à balança, a gota do orvalho da manhã, que
cai sobre a terra" (Sabedoria, 11, 23).
Então, onde achar, no universo inteiro,
alguma coisa digna de Deus?
Que acharia Jesus Cristo, mesmo no céu,
que fosse digno de Deus?
No céu e sobre a terra achou apenas sua
santa, imaculada e bendita Humanidade, isto é, o que a onipotência de Deus
produziu de maior. "A Humanidade de Jesus Cristo, disse Nossa Senhora à
Santa Brígida, foi, e será para sempre, o que há de mais precioso".
Com efeito, a mão liberalíssima de Deus
ornou esta Humanidade de tantas graças e perfeições que nada mais lhe podia
acrescentar. Não porque Deus não pudesse, absolutamente, conceder mais, porém
porque a capacidade da humanidade não as poderia conter.
Todavia, esta Humanidade tão bela, tão
pura, tão santa e perfeita, não pode oferecer um sacrifício digno da
adorabilíssima Trindade senão em razão de sua união com a pessoa do Verbo
eterno, união que dá a todos os seus atos e sacrifícios um valor e merecimento
infinitos.
Por esta grande dignidade, durante sua
permanência na terra, a santa Humanidade do divino Salvador atraiu a mais
profunda veneração, não só de homens piedosos como também de Anjos do céu. Que
adoração universal, porém, é prestada agora a esta santa Humanidade no céu,
onde se acha gloriosa e imortal em um trono, à direita do Pai celeste!
A santíssima Humanidade de Jesus Cristo
forma a única oferta digna de ser apresentada no santo Sacrifício, e, na
verdade, é o mesmo Jesus Cristo quem a oferece. Com ela, oferece tudo o que
efetuou e sofreu durante os trinta e três anos de sua vida mortal: jejuns,
vigílias, orações, viagens, mortificações, pregações, perseguições, insultos,
zombarias, lágrimas, gotas de suor, agonia no jardim das oliveiras, flagelação,
coroação de espinhos, crucificação, morte e sepultura. Além disto, oferece a
Humanidade, inseparavelmente unida à Divindade, porque, embora a Divindade não
seja objeto do sacrifício, a Humanidade é nele oferecida no estado de perfeição
a que a eleva à união hipostática.
Medi, pois, se podeis, o valor de uma tal
oferta. Enfim, Jesus Cristo não oferece sua Humanidade sob a forma que tem no
céu, mas no estado em que se acha sobre o altar. No céu ela é tão gloriosa que
os Anjos tremem ante sua Majestade: no altar, pelo contrário, sua humilhação é
tão extrema que estes mesmos se enchem de espanto.
A Humanidade de Nosso Senhor está, de tal
modo, unida e estreitada às espécies eucarísticas que nunca se podem separar,
nem mais aí subsistirá, quando forem destruídas as espécies. De que modo
contempla a Santíssima Trindade este prodígio de humanidade! Que glória para o
Pai celeste! Que virtude, que perfeição não recebe daí a santa Missa onde se
cumprem estes divinos Mistérios! Que bênção, que socorro para aqueles em cujas
intenções o santo Sacrifício é oferecido! Que consolação, que alívio não
recebem as almas do purgatório, quando a santa Missa é celebrada, ou ouvida
pelos seu livramento! A Missa quotidiana é a arma, pela qual a graça e a
misericórdia sobressaem à justiça.
Agradeçamos, pois, ternamente ao divino
Salvador por nos ter legado, a nós, seus pobres filhos, um sacrifício tão
poderoso; agradeçamos-lhe por nos ter deixado este meio infalível de atrair as
ondas da divina misericórdia.
Para glória da santa Missa, relatamos como
se fez a consagração da capela d'Einsiedeln, na Suíça, e como o mesmo Nosso
Senhor Jesus Cristo celebrou o santo Sacrifício como grande solenidade.
Oitenta anos depois da morte de Meinrado,
o santo eremita Eberardo, piedoso solitário de nobre família, foi pedir a S.
Corado, Bispo de Constança, a graça de consagrar a capela de S. Meinrado. O
virtuoso Bispo anuiu-lhe ao pedido. Na festa da Exaltação da santa cruz, em 14
de setembro de 940, devia realizar-se a consagração.
Mas, indo para a capela, a fim de
entregar-se à oração, o santo Bispo ouviu os coros dos Anjos cantar as
antífonas e os responsórios da consagração. Entrou e viu a capela cheia de
Anjos, e, no meio deles, Nosso Senhor, que, revestido de paramentos episcopais,
procedia à consagração do santuário. À vista disto, Conrado caiu em santo
êxtasis, sem, entretanto, nada perder de sua atenção. Viu e ouviu Nosso Senhor
pronunciar as palavras da Igreja e desempenhar-lhe as cerimônias em igual
festa. Os apóstolos, os Anjos e uma multidão de Santos assistiam-lhe. A Mãe de
Deus, a quem o altar e a capela eram dedicados, aparecia em cima do altar, mais
brilhante que o sol, mais resplandecente que o fulgor do relâmpago.
Terminada a consagração, o Senhor começou
a Missa solene, depois da qual toda a corte celeste desapareceu, deixando
Conrado em transporte de alegria.
Reconheceu, sobre as cinzas que cobriam o
solo, as marcas dos pés do Salvador e, sobre as paredes, os traços das unções.
De manhã, o clero veio buscar o Bispo para
fazer a sagração, porém ele disse: "Não posso consagrar este santuário,
porque já foi consagrado de maneira misteriosa".
Insistem, forçam-no, quando uma voz
celeste se faz ouvir e repete por três vezes: "Pára, meu irmão, a capela
já está consagrada".
Mais tarde, S. Conrado referiu ao Papa
Leão VIII este fato extraordinário, cuja veracidade o mesmo Papa afirmou num
rescrito apostólico, em que proibiu tornar a consagrar a capela, e concedeu
indulgências especiais aos fiéis, que a freqüentassem (Legende der Heiligen von
Ott, p. 2326).
Caro leitor, dizes, com certeza: "Ah!
se pudesse assistir a uma festa igual, ver o que viu S. Conrado, ouvir o que
ele ouviu! Que prazer, que emoção!".
Entretanto, não está presente, em cada
Missa, Nosso Senhor, o grande pontífice? Não nasce, em cada Missa, sobre o
altar, e não o cercam os Anjos?
Feliz serás, pois, se considerares que te
achas no meio de uma tão alta assembléia, que se digna de unir tuas pobres
orações às suas, para faze-las subir até o trono de Deus.
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