18 de fevereiro de 2015

Sermão para o Domingo da Sexagésima – Padre Daniel Pinheiro

[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 7: Ofertório (até a Secreta)


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria. […]

Continuemos o nosso caminho pelas maravilhas das cerimônias da Missa no Rito Romano Tradicional. Tínhamos começado o Ofertório indo até o momento em que o padre mistura uma gota de água ao vinho dizendo a oração Deus qui humanae substantiae. Depois disso, o sacerdote, no meio do altar, erguendo o cálice na altura de seu olhos e olhando para a cruz, recita a oração do ofertório do cálice: Offerimus tibi Domine. Na Missa Solene, o diácono segura o cálice junto com o padre e também reza a oração junto com o padre. Como no ofertório da hóstia, o cálice já é aqui tratado como se contivesse o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, como sendo já o cálice da salvação que contém o Sangue de Cristo. É uma antecipação do que vai ocorrer no momento da consagração, para deixar claro que o que se oferece na Missa é o Corpo, Sangue, alma e divindade de Cristo. O cálice elevado significa a oblação, é o gesto típico do ofertório, indicando também a separação desse vinho, que será transformado em Sangue de Cristo. Esse vinho é tirado do domínio profano para entrar no domínio sagrado. O sacerdote olha para a cruz, para o alto, acompanhando com o gesto as palavras que pedem para que o cálice da salvação suba até Deus com suave odor, para que o sacrifício seja agradável a Deus. O sacrifício de Cristo, renovado no altar, será necessariamente agradável a Deus. Todavia, precisamos que também nós, pela nossa boa disposição na união ao sacrifício de Cristo, sejamos agradáveis a Deus. Ao contrário da oração da hóstia, o sacerdote fala aqui no plural. Primeiro, porque é acompanhado do diácono na Missa Solene, mas também para significar todos os fiéis unidos ao sacrifício de Cristo e simbolizados na água que foi misturada ao vinho. Também nessa oração do ofertório do cálice fica claro que a Missa é sacrifício em que pedimos o perdão dos nossos pecados, em que pedimos a clemência, a misericórdia divina. Nessa oração, se pede em primeiro lugar pela salvação dos fiéis presentes mas se pede igualmente pela salvação de todo o mundo, para aqueles que estão afastados da Igreja possam fazer parte do único rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Igreja Católica. A Santa Missa traz frutos abundantes para toda a sociedade, para todo o mundo, para todos os homens. Por isso, é tão importante que a liturgia seja perfeita tanto quanto possível. Terminada a oração, o sacerdote faz o sinal da cruz com o cálice para lembrar, mais uma vez, que a Missa é o mesmo sacrifício da cruz: mesmo sacerdote da cruz, Jesus Cristo, e mesma vítima da cruz, Jesus Cristo. O mesmo sangue que foi derramado na cruz estará presente no altar. O sacerdote judeu devia, em alguns casos, elevar e “agitar a oferenda em forma de cruz” (Lev. 8, 29 e 10, 15), segundo o texto hebreu. O sacerdote faz aqui o mesmo.
Terminada a oração Offerimus tibi Domine, o padre, inclinado, com as mãos juntas e postas sobre o altar recita a oração In spiritu humilitatis, que retoma, em parte, a orações dos três rapazes na fornalha ardente no livro do profeta Daniel (3, 39-40). O sacerdote está inclinado para manifestar também com o corpo a humildade que proclama pela boca. Toca o altar para se identificar com a vítima e oferecer-se junto com ela. Essa oração nos mostra a disposição que devemos ter para sermos agradáveis a Deus ao oferecer o sacrifício de Cristo. Como dissemos, o sacrifício de Cristo será agradável a Deus. Mas o nosso sacrifício – de que fala a oração -, o sacrifício de nossa vida, de tudo o que temos e somos, oferecido em união com o de Cristo será agradável somente se tivermos um espírito de humildade e um coração contrito. Um espírito de humildade, isto é, pelo qual reconhecemos o soberano domínio de Deus sobre todas as coisas e pelo qual nos submetemos a Ele. Um coração contrito, isto é, um coração arrependido dos próprios pecados ou que, ao menos, busca esse arrependimento. Com essas disposições seremos recebidos por Deus e seremos agradáveis a Deus e o aplacaremos. Nessa oração, nos oferecemos a nós mesmos em união com Cristo. Ela prepara a nossa alma para que recebamos os frutos do sacrifício de Cristo.
O sacerdote se ergue de sua posição inclinada e recita o Veni Sanctificator. Ao começar a oração, separa as mãos, as eleva um pouco e as junta novamente. Esse gesto, feito também no início do Glória e do Credo, é um gesto de súplica. Aqui, o padre eleva também os olhos junto com as mãos, em mais um gesto de súplica. O sinal da cruz feito na palavra “abençoai” corresponde à bênção pedida na oração. Essa oração se dirige ao Espírito Santo. Ela começa com as mesmas palavras que outras orações dedicadas ao Espírito santo: Veni Creator, Veni Sancte Spiritus. (Não pode se dirigir ao Pai, porque veni se refere a uma Pessoa da Santíssima Trindade que pode ser enviada.) Na anunciação, o anjo Gabriel disse a Maria (Lc. 1, 35): “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do altíssimo te cobrirá com a sua sombra.” Foi pela ação do Espírito Santo que ocorreu a encarnação, que o Verbo se fez carne no ventre de Maria Santíssima. É pela ação do Espírito Santo que deverá ocorrer a transubstanciação, a mudança da substância do pão no Corpo de Cristo e a mudança da substância do vinho no Sangue de Cristo. É pela ação do Espírito Santo que Cristo se tornará realmente e substancialmente presente sobre o altar.
Em seguida, se for o caso, se procede à incensação. Não me estenderei muito, pois já falamos substancialmente dela ao tratar da incensação que antecede o Introito. Aqui, cumpre ressaltar a menção feita a São Miguel Arcanjo durante a bênção do incenso, baseada em passagem do Apocalipse (8, 3-5) que cita um anjo que tem um turíbulo de ouro na mão e que oferece a Deus a fumaça do incenso, formada pela oração dos fiéis. A Igreja logo aplicou essa passagem a São Miguel, dado que ele é o chefe da milícia celeste e protetor celeste da Igreja militante. A Igreja colocou essa passagem do Apocalipse na Missa dedicada a ele. Com o passar do tempo, a Igreja nomeou São Miguel na bênção do incenso durante o ofertório. Além de São Miguel Arcanjo, são nomeados também todos os eleitos porque todos os anjos e santos no céu apresentam também diante de Deus nossas orações, como intercessores que são. Em seguida, o celebrante incensa as oblatas, com as seguintes palavras: “que este incenso, que abençoastes, suba até Vós, Senhor, e que se derrame sobre nós a Vossa misericórdia.” Essa oração mostra bem os dois movimentos da Missa. O movimento ascendente, que são nossas súplicas e orações que sobem a Deus, junto com o sacrifício de Cristo, claro. E o movimento descendente, que são as graças, as bênçãos, a misericórdia de Deus que descem sobre nós. Ao mesmo tempo em que diz essas palavras, o sacerdote incensa as oblatas com três cruzes e três círculos – dois no sentido anti-horário e um no sentido horário. As cruzes, mais uma vez, porque é o sacrifício da cruz que se realiza no altar. Os círculos são símbolo da eternidade, de Deus, porque não têm começo nem fim. Três círculos em referência à Santíssima Trindade. O círculo no sentido diferente significa a segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo, que se encarnou, assumindo a natureza humana. São feitos os círculos nos dois sentidos para significar também que essas graças vão nos ajudar tanto na prosperidade quanto na adversidade. Esse movimento circular em torno de algo sempre foi, desde a antiguidade, um gesto de consagração, isto é, de separação da coisa do mundo profano, para se tornar sagrada. Por isso, demos a volta na Capela, quando ela foi abençoada. Aqui, na incensação, por esse movimento circular, se separa, mais uma vez, do mundo profano, as oblatas, que vão se tornar dentro de instantes o Corpo e o Sangue de Cristo. O sacerdote recita depois uma fórmula tirada do Salmo 140, cujo sentido é claro: que a minha oração se dirija até Vós, Senhor, como o incenso. No final, o padre entrega o turíbulo ao diácono ou ao cerimoniário pedindo a Deus que acenda em nós o fogo do seu amor e a chama da eterna caridade. Está clara a referência ao calor do carvão e do incenso que queimam no turíbulo. Nós queremos ter uma caridade ardente como o fogo no turíbulo. No final, são incensados também os fiéis, pois se oferecem em união com o sacrifício que o padre realiza sobre o altar.
Depois da incensação, se houver, ou diretamente depois do Veni Sanctificator, o sacerdote faz o Lavabo no lado da epístola, com o acólito derramando água na ponta dos polegares e indicadores somente. A escolha do Salmo 25 é clara desde as suas primeiras palavras, palavras que darão nome a essa cerimônia. O significado espiritual do Lavabo é a grande pureza que deve estar presente na alma do sacerdote para oferecer o santo sacrifício da Missa. As mãos significam as obras. As obras do sacerdote devem ser limpas, puras, boas. Todavia, o sacerdote não lava as mãos inteiras porque já deve estar em estado de graça para rezar a Missa. Ele lava somente as pontas para mostrar que deve estar puro mesmo das menores faltas. Como São Pedro, que não precisava ser inteiramente lavado na Última Ceia, mas que precisava somente ter os pés lavados pelo Senhor. O texto do Salmo fala também dessa pureza que deve ter o sacerdote.
O sacerdote, terminado o Lavabo, volta, então, para o meio do altar. Eleva os olhos para a cruz, abaixa-os e se inclina, com as mãos juntas e postas sobre o altar. Nessa posição de súplica recita a oração Suscipe Sancta Trinitas. O padre pede que a Santíssima Trindade, a quem se oferece a Missa, receba essa oblação. A oblação que é o Corpo e o Sangue de Cristo, mais uma vez antecipando-se ao momento da consagração. Nós oferecemos a oblação em memória da paixão, da ressurreição e da ascensão de Nosso Senhor. A Missa é propriamente a renovação da paixão de Cristo, do calvário, da Cruz. Por que se cita, então, a ressurreição e a ascensão de Cristo? Para diminuir a cruz de Cristo, para amenizá-la? Não. Deixemos o Papa Bento XIV nos explicar. Diz o papa: “nos sacrifícios judaicos, a vítima (depois de sacrificada) era queimada no altar dos holocaustos, para que tudo que houvesse de defeituoso fosse consumido pelas chamas e para que a fumaça se elevasse ao céu em odor de suavidade como diz a Sagrada Escritura. Sob a nova Lei, a vítima (Jesus Cristo, depois de sua morte na cruz) é consumida na Ressurreição e na Ascensão. Com efeito, na ressurreição, o que era mortal em Cristo é absorvido pela vida, como diz o apóstolo na segunda epístola aos coríntios, e o que podia haver de corruptível em Cristo é destruído. E, na ascensão, a vítima é aceita por Deus em odor de suavidade e colocada à sua direita.” A ressurreição é como o fogo do altar que consome a vítima. A ascensão é como a fumaça que sobe até deus, mostre que o sacrifício lhe foi agradável. Assim, a ressurreição, que significa o fim de toda a mortalidade no corpo de Cristo, e a ascensão, que significa a aceitação do sacrifício de Cristo por parte de Deus, são, em certo sentido, parte do sacrifício.   Nessa oração nos é dito justamente isso. Também na oração Unde et memores, logo depois da consagração se diz a mesma coisa. Hoje, existe com frequência uma tendência a esquecer a paixão e morte de Cristo na Missa, como se ela fosse mera comemoração da ressurreição. É um um erro grave. Todavia, não se pode tampouco fazer abstração da sua ressurreição e ascensão.
Ainda no Suscipe Sancta Trinitas se invocam Nossa Senhora, São João Batista, São Pedro e São Paulo, os santos cujas relíquias estão na pedra do altar e todos os santos. A Missa Tradicional é abundante na invocação dos santos, para pedir a intercessão deles. Para os santos a honra, para nós a salvação. Que eles no céu, intercedam por nós, que fazemos memória deles aqui na terra. Uma bela oração o Suscipe Santa Trinitas. Poesia em prosa.
O sacerdote vira-se para o povo, tendo osculado antes o altar como sempre faz, e abrindo e fechando as mãos, como no Dominus Vobiscum, exorta os fiéis dizendo o Orate fratres – Orai irmãos para que o meu e o vosso sacrifício seja aceitável a Deus Pai onipotente. Apenas as duas primeiras palavras são ditas em voz alta. Completa a oração voltando-se para o altar. Nessas palavras do padre está dito “meu e vosso sacrifício”, pois sacerdote e fiéis se unem de modo distinto ao único sacrifício que vai ser oferecido. O sacerdote age na pessoa de Cristo, como outro Cristo, oferecendo realmente o sacrifício. Os fiéis se unem ao sacrifício oferecido pelo sacerdote, do qual tiram grande proveito. Sacerdote e leigos têm função bem distinta durante a Santa Missa. A tradução portuguesa da nova liturgia elimina essa distinção ao dizer “para que o nosso sacrifício.” Nessa oração, o padre exorta os fiéis, mais uma vez, a estarem com a alma bem preparada, para que Deus seja agradado pelas nossas boas disposições de alma. Os fiéis, depois que o padre se voltou para o altar, respondem pedindo que Deus receba o sacrifício pelas mãos do sacerdote, que o sacrifício seja para louvor e glória do nome do Senhor e que seja para nossa utilidade e de toda a Igreja. Mais uma vez, o movimento ascendente da Missa – para louvor e honra do nome de Deus – e o movimento descendente – para nossa utilidade. A oração deixa claros os fins da Missa: a glória de Deus e nossa utilidade. Nossa utilidade é poder agradecer pelas graças recebidas, poder pedir as graças de que precisamos e poder pedir perdão pelos nossos pecados. Depois da resposta dos fiéis, o sacerdote diz “amém” em voz baixa, como que oferecendo a Deus essa oração dos fiéis. Na Missa cantada ou Solene, são as pessoas próximas do padre que respondem ao Orate Fratres. É a última vez que o padre se volta para os fiéis antes da consumação do sacrifício.
Depois do “amém”, o sacerdote recita a Secreta, que varia conforme o dia litúrgico. O Oremus da Secreta é aquele Oremus que está no início do ofertório. Ela tem esse nome por duas razões. Primeiro, porque é dita em voz baixa. Segundo, porque é uma oração dita sobre as oblatas que já foram separadas de todo uso profano, como vimos. Secreta viria, então, do latim secernere, que quer dizer separar. A Secreta tem como conteúdo a oblação ou o próprio sacrifício, deixando claro que oferecemos Cristo vítima. A Secreta faz apelo com frequência à intercessão dos santos comemorados no dia. Outras tantas vezes, ela faz menção à transubstanciação que ocorrerá logo mais sobre o altar ou então faz menção à nossa renovação espiritual pela virtude do sacrifício. Muitas vezes se refere ao efeito propiciatório da Missa, ou seja, à satisfação de nossas penas e à obtenção do perdão. As secretas são sempre precisas e carregadas de sentido teológico. A conclusão da Secreta é já o início do Prefácio, que veremos no tempo oportuno. Interromperemos aqui nossa série sobre a liturgia da Missa no Rito Romano Tradicional, para retomá-la no tempo oportuno.
Espero que todos estejam bem conscientes da riqueza que é o ofertório da Missa Tradicional. Riqueza de doutrina: o ofertório tradicional nos ensina bem que a Missa é a renovação do sacrifício de Cristo; o ofertório tradicional nos ensina bem que, na Missa, Nosso Senhor se faz realmente e substancialmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade; o ofertório tradicional nos ensina bem que sacerdote e leigos são distintos. Pontos essenciais da doutrina católica sobre a Missa. O ofertório tradicional com todas essas belas orações agrada imensamente a Deus e dispõe a nossa alma para melhor participar da Santa Missa, nos oferecendo junto com Cristo. Os gestos, sinais da cruz, movimento dos olhos, inclinações, elevação das oferendas, movimentos das mãos do sacerdote em gesto de súplica: tudo isso são sacramentais, que nos alcançam graças diante de Deus para nos preparar melhor para o Santo Sacrifício da Missa. Tudo isso nos ajuda também a compreender melhor o que é a Missa e a nos manter concentrados no que realmente importa. Precisamos de sinais sensíveis, como esses do ofertório tradicional, pois somos alma, mas também corpo. No ofertório tradicional, nada é inútil, ele não é uma repetição inútil, mas é um monumento litúrgico à fé e à espiritualidade católicas.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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