Fonte: Lista “Tradição Católica”
Padre Martinho de Cochen (1630-1712)
Publicado no
http://www.missaest.hpg.com.br/
I. DA ESSÊNCIA DO SANTO SACRIFÍCIO DA
MISSA
Na língua sagrada de nossa mãe, a Santa
Igreja católica, no latim, a Santa Missa é designada pelo nome de
"sacrificium", sacrifício.
"Um sacrifício é um dom visível,
oferecido, exclusivamente, a Deus, por um ministro sagrado, para reconhecer a
soberania do Altíssimo sobre todas as coisas".
O sacrifício, portanto, é um culto devido,
exclusiva e unicamente, a Deus. A nenhuma criatura, por mais elevada que seja,
compete jamais um sacrifício.
Diz Santo Agostinho: "Quem pensaria
jamais, que se pudesse oferecer sacrifício, senão ao Deus único e
verdadeiro?"
Somente à idolatria insana dos Imperadores
romanos ficou reservada a presunção sacrílega de exigir, dos súditos
desditosos, sacrifícios de diversas formas.
Indagando a origem do sacrifício, que
encontramos entre os povos, sem exceção devemos confessar, com S. Tomás de
Aquino, que é uma lei natural oferecer sacrifícios a Deus, e, por este motivo,
é que o homem se sente levado a sacrificar, sem insinuação ou conselho de
alguém.
Com efeito, Caim e Abel, Noé e Abraão,
como outros patriarcas, profetas e reis do antigo testamento ofereceram a Deus
sacrifícios espontaneamente.
Porém não só os que conservaram a fé no
Deus verdadeiro, mas também os povos que apostataram desta fé, os pobres
pagãos, ofereceram sacrifícios a seus ídolos. Pois, o sacrifício, como a
religião, da qual é a mais elevada manifestação, é, realmente, uma necessidade
da natureza humana, e, por isso, encontramo-lo entre todos os povos de todos os
tempos.
Por conveniência imperiosa, Jesus Cristo
cuidou de deixar na sua religião, divinamente perfeita, uma forma de
sacrifício, como jamais houve entre povo algum; e essa forma de sacrifício é a
Santa Missa.
A respeito, ensina o Santo Concílio de
Trento: "Segundo o testemunho de S. Paulo Apóstolo, o sacerdócio levítico
do antigo testamento não atingiu a perfeição. Assim, desde a origem do mundo, o
Deus da Misericórdia determinara, que surgisse um sacerdote podendo aperfeiçoar
e completar o sacrifício. Esse sacerdote era Jesus Cristo, Nosso Senhor que,
depois de se ter oferecido a seu Pai sobre o altar da cruz, não queria deixar
extinto o seu sacrifício, e, na véspera de sua morte, deu a sua esposa mística
estremecida, a Santa Igreja, um sacrifício visível, segundo as exigências da
natureza humana."
Este sacrifício devia perpetuar o
Sacrifício cruento que Jesus Cristo ia oferecer sobre a Cruz; devia
perpetuar-lhe a memória até o fim dos tempos e, por sua virtude salutar, nossos
pecados quotidianos deviam ser perdoados. Deste modo, Jesus Cristo declarou-se
sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, oferecendo a seu eterno Pai seu Corpo
e seu Sangue, sob as aparências de pão e vinho, que deu a seus apóstolos também
sob as mesmas espécies, instituindo-os sacerdotes do novo Testamento. E,
dizendo as palavras: "Fazei isto em memória de mim", ordenou-lhes e
aos seus sucessores no sacerdócio, que os oferecessem em sacrifício.
A Santa Igreja nos ensina que, na última
Ceia, Jesus Cristo não só mudou o pão e o vinho em seu Corpo e em seu Sangue,
mas também ofereceu-os a Deus, seu Pai, e instituiu e ofereceu pessoalmente o
Sacrifício do novo Testamento, a fim de que se reconhecesse, nele, este
sacerdote de que canta o salmista: "O Senhor jurou e não se arrependerá de
seu juramento. És sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec" (Sl.
109, 4). Muito contrário ao costume de sua época, Melquisedec não imolava
animais como faziam Abraão e outros patriarcas, mas, por inspiração do Espírito
Santo, levantava o pão e o vinho para o céu e oferecia-os por meio de
cerimônias e orações especiais. Assim tornou-se a figura de Jesus Cristo, e seu
Sacrifício é o símbolo da nova Lei. Como tudo que se relaciona com a pessoa do
salvador foi objeto de admiráveis profecias, desde os dias do paraíso até os
últimos tempos do antigo testamento, também o sacrifício que havia de coroar e
perpetuar a obra redentora na cruz, foi predito séculos antes. Escreve o
profeta Malaquias: "Minha afeição não está mais em vós, diz o Senhor dos
exércitos, e nunca mais receberei ofertas de vossas mãos, porque, desde o
oriente até o ocidente, meu nome é grande entre as nações e, em toda parte, se
sacrifica e oferece uma oblação pura".
Esta profecia não se realizou no antigo
testamento, como se vê no próprio texto, pois o próprio Deus declara rejeitar
os antigos sacrifícios.
Tão pouco a profecia se refere ao
sacrifício da cruz, porque esse sacrifício foi oferecido somente uma vez e em
um lugar.
É de um sacrifício novo e puro em que Deus
tem as complacências, que o profeta fala. Esse sacrifício, infinitamente puro,
não pode ser outro senão o sacrifício da Missa. Desde o momento de sua
instituição no cenáculo, crêem e confessam isto os apóstolos, os evangelistas,
todos os primeiros cristãos, e assim ainda crê e confessa a Igreja católica
universalmente, tanto quanto as igrejas cismáticas orientais.
De acordo com o evangelista S. Lucas, a
Santa Igreja ensina: "Na véspera de sua morte, Jesus Cristo tomou o pão e,
rendendo graças a Deus, partiu-o e deu aos discípulos, dizendo: "Isto é o
meu Corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim". Da
mesma forma, tomou o cálice depois da ceia, dizendo: "Este cálice é o novo
Testamento em meu Sangue, que será derramado por vós." (Lc. 22, 19-29).
Ponderemos bem o que diz e faz o Senhor:
Muda o pão em seu Corpo, e o vinho em seu Sangue; e por esta separação mística
de seu Corpo e de seu Sangue, constituiu-se em holocausto. As palavras que
acompanham a transubstanciação, indicam o sacrifício. "Isto é o meu Corpo,
que será entregue por vós, isto é o meu Sangue, que será derramado por
vós". Ainda que se quisesse aplicar estas duas palavras
"entregar" e "derramar" ao Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo
afirma, claramente, que estas duas ações se realizam na Ceia, e assim afirma
também que houve aí sacrifício.
Se os adversários pretendem desvalorizar
este ensino de nossa Santa Igreja, dando outras explicações torcidas e
infundadas, como é que explicarão as palavras claras de S. Paulo Apóstolo,
quando escreve aos Hebreus:
"Temos um altar, e uma vítima da qual
os que prestam serviços ao Tabernáculo, (isto é, os judeus) não têm o direito
de comer" (Hb. 13, 10). Ora, não poderia existir altar sem oblação, e a
palavra "comer" indica, claramente, que não se trata do sacrifício da
Cruz, mas de um sacrifício (comestível) nutriente, tal qual Jesus Cristo o
instituiu na Ceia.
Lemos também, na vida do apóstolo S.
Mateus, que foi morto no altar, quando celebrava os santos mistérios. Na vida
de Santo André, refere-se que ele disse ao juiz Egéias: "Ofereço em
sacrifício, diariamente, a Deus todo-poderoso, não a carne de touros, nem o
sangue dos animais, mas o Cordeiro Imaculado".
É atribuída ainda a S. Tiago e a S. Marcos
uma liturgia da Santa Missa. Enfim, atribui-se também a S. Pedro o
"Cânon", isto é, a parte da Santa Missa que vai do
"Sanctus" até a Comunhão.
Tantos testemunhos provam que o Santo
Sacrifício do novo Testamento esteve, desde o começo, em uso na Igreja.
O fato de não se encontrar a palavra
"Missa" nas sagradas letras, não pode servir de argumento contra a
doutrina da Igreja. A palavra "Trindade" também não se encontra; e,
não obstante, os adversários aceitam-na. Mas, em 142, encontramos a palavra
Missa tal qual a empregamos. O Papa Pio I faz uso da palavra de maneira que
evidencia que o termo era geralmente, adotado e conhecido. Daí em diante, a
palavra Missa não desaparece mais dos escritos dos santos Padres e mais
escritores da Igreja católica.
A Igreja grega emprega nomes de
significação idêntica. Falam, por exemplo, da mesa ou do altar do Senhor, ceia,
oferta. Em vista disso, que valem os ataques dos hereges?
Os ataques violentos promovidos, em
diversas épocas, contra a Santa Missa, testemunham-lhes à santidade e
importância como também o ódio com que o demônio a persegue.
No curso dos dez primeiros séculos, quando
numerosos hereges afligiam a Santa Igreja, nenhum deles ousou atacá-la. Era
preciso, para isto, um alto grau de perversidade, uma audácia verdadeiramente
infernal.
Isto só aconteceu no décimo primeiro
século pelo herege Berengar de Cours. Porém, mal havia disseminado as
blasfêmias, o orbe católico recuou de espanto e clamou-lhe indignado:
"Tornai-vos uma pedra de escândalo para os fiéis, separai-vos de nossa
Mãe, a Santa Igreja, pois perturbais a unidade dos cristãos". Berengar,
depois de anatematizado por mais de cindo Concílios, por um milagre da
misericórdia divina, abjurou os erros, fez penitência, e morreu em 1088,
confessando a doutrina verdadeira.
Infelizmente, a heresia sobreviveu-lhe,
sendo pregada, alguns anos depois, pelos albigenses, seita perversa que
declarava, entre outros erros, o matrimônio como ilícito, e permitia a
impureza. Em particular, atacava a Missa privada, vulgarmente chamada
Missa-rezada. Aos que assistiam a essas Missas, perseguiam com penas horrorosas
e, mais ainda, aos Padres que tinham a coragem de celebrar os santos mistérios.
Após os albigenses, os inimigos mais
encarniçados da Santa Missa foram os reformadores do século décimo sexto. O
próprio Lutero confessa, no livro "contra a missa", cap. XIX, ter
sido impelido por Satanás a abolir a Santa Missa como um ato de idolatria, e
que fez sabendo, perfeitamente, que o demônio odiava todo o bem e que seus ensinos
eram mentirosos.
Se as trevas infernais não tivessem
invadido, inteiramente, toda a inteligência de Lutero, não teria antes
raciocinado assim: se Satanás considera a Santa Missa como um ato de idolatria,
para que procura abolí-la, em vez de louvá-la e propagá-la, a fim de insultar
mais cruelmente o Altíssimo?
Ora, Satanás privou o Santo Sacrifício da
Missa a todas as seitas luteranas, causando-lhes tão profundo ódio contra este
santo mistério, que vomitaram a espantosa blasfêmia: "A Missa é uma
abominável idolatria... aí renuncia-se o sacrifício cruento de Cristo!"
Assim se exprime o catecismo dos calvinistas de Heidelberg.
Pobres insensatos! Neste caso, como podem
admitir que uma alma se tenha salvo desde Jesus Cristo? Todos os apóstolos,
todos os sacerdotes têm celebrado o Santo Sacrifício da Missa, os mártires, os
confessores assistiram-no com terna devoção. Acusarão todo este exército de
Cristo de idolatria, e, por conseguinte, digno do inferno? O simples bom senso
a isso se opõe.
Ah, mais suave é ouvir S. Fulgêncio dizer:
"Creio, sem dúvida alguma, que o Filho único de Deus, feito homem por nós,
ofereceu-se em sacrifício a Deus Altíssimo, a quem a Igreja católica oferece,
sem cessar, na fé e na caridade, o Sacrifício do pão e do vinho".
Tomemos cuidado para não nos acontecer o
que aconteceu aos hereges, a quem Satanás tirou a Santa Missa. Não podendo
privar-nos inteiramente dela, esforça-se, pelo menos, para cegar-nos sobre o
valor infinito do Santo Sacrifício a fim de que, apreciando-o pouco, deixemos
de assisti-lo, ou não tiremos os abundantes frutos de graças que poderíamos
colher.
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