15 de fevereiro de 2015

Sermão para o Domingo da Septuagésima – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 6: Ofertório (até o Deus qui humanae substantiae)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém
Ave Maria…
Caros católicos, prossigamos os nossos sermões sobre as cerimônias da Missa no Rito Romano Tradicional. Com o sermão, termina a primeira parte da Missa, chamada de Missa dos Catecúmenos. Nos primeiros séculos da Igreja, havia o que se chama disciplina do arcano. A disciplina do arcano permitia que somente os batizados assistissem às cerimônias da Igreja. Isso ocorria para evitar profanações dos sacramentos e também por cautela, devido às perseguições. Assim, os catecúmenos, isto é, os adultos que estavam se preparando para receber o batismo, podiam assistir à Missa somente até o sermão ou o até o Credo. Essa primeira parte da Missa, das orações ao pé do altar até o sermão ou Credo, é, por isso, designada como Missa dos Catecúmenos. A segunda parte da Missa, que era reservada aos batizados, aos fiéis, recebeu o nome de Missa dos Fiéis, indo do ofertório até o Último Evangelho. Com o tempo, desapareceram os motivos que haviam ocasionado a disciplina do arcano, e qualquer um passou a poder assistir à Santa Missa e às outras cerimônias. Os nomes, porém, ficaram, remetendo a esse período da história da Igreja. Se podemos fazer um paralelo com o Antigo Testamento, a Missa dos catecúmenos reflete um pouco o que acontecia nas sinagogas: orações, cantos de louvor a Deus, leitura da Sagrada Escritura, explicação da doutrina. A Missa dos catecúmenos reflete a liturgia do templo, uma liturgia sacrifical. A Missa dos Fiéis é justamente a parte em que ocorre a renovação do sacrifício do calvário, durante o cânon. É também a parte que tem o ofertório, que explicita bem a natureza da Missa como sacrfício, em particular como sacrifício para pedir perdão pelos nossos pecados. Lutero, com a teologia protestante que não admite as boas obras nem o perdão dos pecados, dizia do ofertório (da Missa Tradicional) “toda essa abominação chamada ofertório. E a partir desse ponto quase tudo cheira a oblação. Assim, jogando fora tudo o que tem sabor de oblação junto com o Cânon, fiquemos com aquelas coisas que são puras e santas”. Até aqui o heresiarca. O ódio de lutero e a repulsa dos protestantes por essa parte da Missa também mostram o quanto ela exprime bem a doutrina católica da Missa, reafirmada solenemente e infalivelmente no Concílio de Trento. Infelizmente, e não sem consequências para a vida da Igreja e para a vida espiritual de cada um, o ofertório tradicional desapareceu quase inteiramente na liturgia reformada em 1969. O ofertório tradicional, monumento da liturgia à doutrina católica da Missa, foi praticamente extinto. Essas belíssimas orações que passaremos a estudar, que exalam o bom e suave odor da oblação, do sacrifício de Cristo, desapareceram em sua maior e mais importante parte.
Para começar essa parte da Missa, o ofertório, o sacerdote diz Dominus vobiscum. Os fiéis respondem Et cum spiritu tuo.  Já explicamos essas palavras e os gestos que as acompanham e que se repetem algumas vezes na Santa Missa. Em seguida, o padre diz Oremus, que é uma ordem para que os fiéis rezem. Nessa parte da Missa, é uma ordem para que cada se una ao sacrifício de Cristo, oferecendo-si a si mesmo junto com Cristo. Em seguida, diz-se ou canta-se a antífona do ofertório. Em geral, é um salmo. Poucas vezes outro livro da Sagrada Escritura, rarissimamente composição da Igreja. São textos em acordo com o ato do ofertório e com o espírito da liturgia do dia. Algumas vezes as antífonas do Introito e do ofertório são até mesmo iguais. Essa antífona deve nos ajudar a entrar nas disposições mais conformes ao ato de oferenda de nós mesmos, em união com o sacrifício de Cristo.
Depois da antífona do ofertório, seguem-se as orações do ordinário. Essa parte do ofertório se chama “pequeno canon”, dadas as relações próximas com o Canon Romano e o paralelismo com ele. Tira-se o véu do cálice. O cálice está coberto porque aquilo que é sagrado está coberto e muitas vezes só pode ser tocado por meio de um véu, costume na antiguidade, sobretudo na antiguidade romana. O sacerdote segura a patena – patena que é pratinho redondo, com interior dourado, consagrado pelo bispo para ser usado na Santa Missa. O sacerdote segura a patena, contendo a hóstia, com as duas mãos na altura do peito – gesto de oferenda –  e recita a oração Suscipe Sancte Pater (Recebei, Pai Santo, esta hóstia imaculada). Ele segura a patena com indicadores e polegares. Quatro dedos, que são como os quatro cantos do altar dos sacrfícios do Antigo Testamento, citado no livro do Êxodo (27, 1-2). As mãos do padre estão unidas embaixo da patena: á a união dos dois Testamentos. O celebrante eleva os olhos antes de começar a oração, para invocar o Pai, que está no céu. Abaixa os olhos, fixando-os na hóstia, para lembrar-se de sua indignidade e de seus pecados, e que a salvação vem do sacrifício de Cristo.
Ele pede, então, que Deus receba essa hóstia imaculada. A Missa é para Deus, ela se oferece para Deus. Ela não é uma celebração que o povo faz de si mesmo, ela não é uma mera assembléia ou reunião social. A Missa é a renovação do sacrifício do calvário, oferecido a Deus. A hóstia imaculada não é o pão, mas Cristo. O sacerdote trata a hóstia como se já fosse o Corpo de Cristo para mostrar que o que é oferecido durante a Santa Missa é o Corpo de Cristo.  A verdadeira oferenda não é pão nem vinho, mas é o Corpo e o Sangue de Cristo. O ofertório, a oblação será feita realmente na consagração, quando Cristo estiver realmente no altar e seu sacrifício for renovado. O ofertório nos explica, então, justamente isso. É Cristo, hóstia imaculada, que é oferecido na Santa Missa. Depois do sacrifício do Calvário, nenhum outro sacrifício pode ser oferecido a Deus. Cessam os sacrifícios de animais e de outras coisas. No ofertório, ocorre também a separação da matéria do sacramento. No Suscipe Sancte Pater, o pão que vai se transformar no Corpo de Cristo é separado para isso, a matéria que vai ser consagrada é separada para isso. No pão, estão simbolizados os nossos sacrifícios pessoais, isto é, nossas tristezas e alegrias, nossa vida, tudo o que temos e somos – nossos sacrifícios pessoais, que devem ser oferecidos em união com o sacrifício de Cristo, assim como o pão vai ceder lugar ao Corpo de Cristo.  A oração do Suscipe sancte Pater é um pequeno resumo da Missa também.  Essa oração e as outras do ofertório se fazem em silêncio, lembrando a oração de Cristo no Jardim das Oliveiras, em preparação para seu sacrifício no Calvário. Em silêncio porque é uma oração eminentemente sacerdotal. É o sacerdote agindo na pessoa de Cristo que oferece a Missa e não o povo.  Chama-se Deus de Pai, pois oferecer o sacrifício é o próprio da criatura e a criação é atribuída a Deus Pai por apropriação, como sabemos pelo catecismo. Deus é dito vivo e verdadeiro, para distingui-lo dos ídolos, que são mortos e mentirosos. O sacerdote oferece a hóstia imaculada, primeiramente, pelos seus próprios pecados, ofensas e negligências. É o chamado fruto especialíssimo da Missa para o sacerdote. Em seguida, oferece pro omnibus circunstantibus, para todos os que circundam o altar. Existe, evidentemente, um fruto particular também para quem assiste à Missa. Em seguida, ele oferece para todos os fiéis vivos e defuntos. Nessa oração, está perfeitamente claro que se trata de um sacrifício propiciatório, isto é, para pedir perdão pelos nossos pecados e para pedir o perdão das penas das almas do purgatório.  O sacerdote pede para que o sacrifício seja útil para a sua salvação e para a salvação dos outros, para que possam todos alcançar a vida eterna. O Padre segue, então, nessa oração, a ordem estabelecida por São Paulo, quando o apóstolo diz: “oferece as vítimas primeiramente pelos seus próprios pecados, em seguida pelos pecados do povo”. Terminada a oração, o celebrante faz um sinal da cruz sobre o corporal com a patena contendo a hóstia. Depois, coloca a hóstia sobre o corporal e esconde a patena pela metade sob o corporal. O sacerdote judeu devia, em alguns casos, elevar e “agitar a oferenda em forma de cruz” (Lev. 8, 29 e 10, 15), segundo o texto hebreu. Faz o sinal da cruz para lembrar que a Missa é o mesmo sacrifício da Cruz: mesmo sacerdote, Jesus Cristo, e mesma vítima, Jesus Cristo. Na Missa rezada e na Missa cantada, a patena é colocada metade sob o corporal e metade fora do corporal. Essa segunda metade será depois coberta com o sanguíneo. Na Missa Solene, o subdiácono sustenta a patena, cobrindo-a com o véu humeral, véu de ombros, porque a patena é um objeto sagrado. A patena, que serve de base para a hóstia, representa o Antigo Testamento. Assim, a parte coberta da patena representa os judeus que recusaram Jesus Cristo e seu sacrifício. A metade da patena que fica descoberta por alguns instantes na Missa rezada e cantada são os judeus que receberam Cristo. Mas logo essa parte da patena também é coberta porque quase todos os discípulos e apóstolos se escandalizaram e abandonaram Nosso Senhor durante sua paixão e morte. Na Missa Solene, o subdiácono segura a patena na altura dos olhos: é a sinagoga que rejeita reconhecer Cristo e seu sacrifício. Em algumas catedrais góticas, existem belíssimas representações da sinagoga, que é uma mulher vendada, que não quer ver a verdade. A patena será descoberta depois do Pai-Nosso, somente.  A patena representa também a divindade, por ser redonda, não ter começo nem fim. Assim, ela é escondida durante a Missa, como a Divindade de Cristo ficou escondida durante o seu sacrifício, tanto que muitos erroneamente chegaram a negar a divindade de Cristo. Finalmente, o subdiácono com a Patena coberta representa também os querubins, que cobrem a face diante da majestade divina.
Terminado o ofertório da hóstia, o padre pega o cálice e o sanguíneo, e vai para o lado da epístola. Na Missa solene, com o auxílio do diácono e do subdiácono, o sacerdote continua no meio do altar. O sacerdote recita, então, a oração Deus qui humanae substantiae, enquanto coloca um pouco de água no cálice. A água deve ser sempre em proporção bem menor que o vinho. Ele faz um sinal da cruz sobre a água no começo da oração, antes de misturar a água com o vinho. É praticamente certo que Nosso Senhor colocou água no vinho, pois era o costume. Ele fez isso para seguir os ritos judaicos e também para seguir as regras da temperança. Essa mistura do vinho com água é, portanto, de instituição divino-apostólica.   Porém, Nosso Senhor quis essa mistura, sobretudo, por três razões místicas. 1) A primeira razão é que a mistura de um pouco de água com o vinho significa a união dos fiéis com Cristo. A água são os fiéis. O vinho é Cristo. A união é tão profunda que se torna inseparável. A água se transforma em vinho. Nós devemos ser outros Cristos e nos oferecer junto com Ele. Mas para que essa oferenda seja agradável, devemos ter as mesmas disposições dEle: é água transformada em vinho. No Apocalipse (17, 15), de São João, as águas significam claramente os fiéis. 2)  A segunda razão é a água que saiu do lado de Cristo junto com o seu sangue, quando foi transpassado pela lança. O vinho e a água misturados aqui significam também isso. 3) A terceira razão é significar a Encarnação do Verbo, isto é,  a união da natureza divina ( é o vinho, elemento nobre) com a natureza humana (é a água, elemento ordinário), para formar uma só pessoa. A oração fala justamente disso, da Encarnação, de Deus que se une à nossa natureza para nos fazer consortes da sua divindade (2 Pedro 1, 4). O simbolismo é tão evidente que os monofisitas (aqueles que negam a humanidade de Cristo, afirmando que nele há somente uma natureza, a divina) se recusam a colocar a água no vinho.
A oração Deus qui humanae substantiae vem de uma oração do natal. Essa oração relembra todo o mistério da redenção. Criação do ser humano de forma admirável e a sua restauração de forma ainda mais admirável, dignando-se encarnar-se. A criação é admirável porque nos mostra toda a onipotência divina. A redenção é ainda mais admirável porque nos mostra toda a caridade divina. Que nossa união com Cristo seja, então, como a união do vinho com a água. Que pela graça nós não nos separaremos jamais de Cristo.
O sinal da cruz que se faz sobre a água durante essa oração é, então, para nós, representados pela água, pois só podemos nos oferecer em união com Cristo perfeitamente se estamos purificados dos nossos pecados, como a água é purificada por essa bênção. Nas Missas de Requiem (de defuntos), não se faz o sinal da cruz, pois a Igreja não tem mais jurisdição sobre as almas do purgatório e porque essas almas já não podem merecer, podem apenas padecer e receber os benefícios que vêm da Igreja e das boas obras dos fiéis vivos oferecidas pelo alívio delas. A Igreja omite esse sinal da cruz na Missa de Requiem porque está voltada na Missa de Requiem para os defuntos, e não tanto para os vivos, simbolizados na água. O sacerdote ou o diácono enxuga a parede interior do cálice, por onde foi derramado o vinho e a água.
O sacerdote vai, então, ao meio do altar oferecer o cálice. Disso, falaremos no próximo Domingo.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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