8 de fevereiro de 2015

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem - Parte 15

Artigo III

Esta devoção nos proporciona as boas graças da Santíssima Virgem

§ I. Maria se dá a quem é seu escravo por amor.

144. Terceiro motivo. A Santíssima Virgem, Mãe de doçura e misericórdia, que jamais se deixa vencer em amor e liberalidade, vendo que alguém se lhe entrega inteiramente, para honrá-la e servir-lhe, despojando-se do que tem de mais caro para com isso adorná-la, entrega-se também inteiramente e dum modo inefável, a quem tudo lhe dá. Ela o faz imergir no abismo de suas graças, e reveste-o de seus merecimentos, dá-lhe o apoio de seu poder, ilumina-o com sua luz, abrasa-o de seu amor, comunica-lhe suas virtudes: sua humildade, sua fé, sua pureza, etc.; constitui-se seu penhor, seu suplemento, seu tudo para com Jesus. Como, enfim, essa pessoa consagrada é toda de Maria, Maria também é toda dela; de modo que se pode dizer desse perfeito servo e filho de Maria o que São João Evangelista diz de si próprio, que ele a tomou como um bem, para sua casa: “Accepit eam discipulus in sua” (Jo 19, 27).

145. É isto que produz na alma fiel uma grande desconfiança, desprezo e ódio de si mesma, ao lado de uma confiança ilimitada na Santíssima Virgem, sua boa Senhora. Já não procura, como antes, o seu apoio em suas próprias disposições, intenções, méritos, virtudes e boas obras, pois, tendo sacrificado tudo a Jesus por esta boa Mãe, só lhe resta um tesouro que resume todos os seus bens e de que ele não dispõe, e esse tesouro é Maria.
É o que o faz aproximar-se de Nosso Senhor, sem receio servil nem escrupuloso, e rezar com extrema confiança; é o que o faz adquirir os sentimentos do devoto e sábio abade Ruperto, o qual, aludindo à vitória de Jacob sobre o anjo (cf. Gn 32, 23), dirige à Santíssima Virgem estas belas palavras: “Ó Maria, minha princesa e Mãe Imaculada de Deus-homem, Jesus Cristo, é meu desejo lutar com este Homem, isto é, o Verbo divino, armado não com meus próprios méritos, mas com os vossos: “O Domina, Dei Genitrix, Maria, et incorrupta Mater Dei e hominis, non meis, sed tuis armatus meritis, cum isto Viro, scilicet Verbo Dei, luctare cupio”.55
55) Rup., Prolog. in Cant.
Oh! quão poderoso e forte é, para Jesus Cristo, quem está armado dos méritos e da intercessão da digna Mãe de Deus, que, como diz Santo Agostinho, venceu amorosamente o Todo-poderoso.
§ II. Maria purifica nossas boas obras, embeleza-as e as torna aceitáveis a seu Filho.

146. Esta bondosa Senhora purifica, embeleza e torna aceitáveis a seu Filho todas as nossas boas obras, porque, por esta devoção, as damos todas a ele pelas mãos de sua Mãe Santíssima.
1º Ela as purifica de toda mancha de amor-próprio e do apego imperceptível à criatura, apego que se insinua insensivelmente nas melhores ações. Desde que elas estão em suas mãos puríssimas e fecundas, estas mesmas mãos, que não foram jamais manchadas nem ociosas, e que purificam tudo que tocam, tiram do presente que lhe fazemos tudo que pode deteriorá-lo ou torná-lo imperfeito.

147. 2º Ela embeleza nossas boas ações ornando-as com seu méritos e virtudes. É como se um campônio, querendo ganhar a amizade do rei, se dirigisse à rainha, e lhe apresentasse uma maçã, que representasse todo o seu lucro, e lhe pedisse que a oferecesse ao rei. A
rainha, acolhendo a pobre dádiva do camponês, punha-a no centro de grande e magnífico prato de ouro, e apresentava-a assim ao rei, da parte do ofertante. Nestas circunstâncias, a maçã, indigna por si mesma de ser oferecida ao rei, torna-se um presente digno de sua majestade, devido ao prato de ouro e à importância da pessoa que a apresenta.

148. 3º Ela apresenta essas boas obras a Jesus Cristo, pois nada retém para si do que lhe ofertamos. Tudo remete fielmente a Jesus. Se algo lhe damos a ela, damos necessariamente a Jesus. Se a louvamos e glorificamos, logo ela louva e glorifica a Jesus. Hoje como outrora, quando Santa Isabel a exaltou, ela canta, quando a louvamos e bendizemos: “Magnificat anima mea Dominum...” (Lc 1, 46).

149. 4º Faz Jesus aceitar essas boas obras, por pequeno e pobre que seja o presente que ofertamos ao Santo dos Santos e Rei dos reis. Quando apresentamos alguma coisa a Jesus, de nossa própria iniciativa e apoiados em nossa própria capacidade e disposição, Jesus examina o presente e muitas vezes o rejeita em vista das manchas que a dádiva contraiu do nosso amor-próprio, como antigamente rejeitou os sacrifícios dos judeus por estarem cheios de vontade própria. Quando, porém, lhe apresentamos algo pelas mãos puras e virginais de sua bem-amada, tomamo-lo pelo seu lado fraco, se me é permitida a expressão. Ele não considera tanto a oferta que lhe fazemos como sua boa Mãe que lha apresenta; não olha tanto a procedência como a portadora. Deste modo, Maria, que nunca foi repelida, e, pelo contrário, foi sempre bem recebida, faz que seja agradavelmente recebido pela Majestade divina tudo que lhe apresenta, pequeno ou grande: basta que Maria lho apresente para que Jesus o receba e acolha. Conselho valioso é o que dava São Bernardo aos que dirigia no caminho da perfeição: “Quando quiserdes oferecer qualquer coisa a Deus, tende o cuidado de oferecê-lo pelas mãos agradáveis e digníssimas de Maria, a menos que queirais ser rejeitados” – Modicum quid offerre desideras, manibus Mariae offerendum tradere cura, si non vis sustinere repulsam.56
56) São Bernardo: “De Aquaeductu”.

150. E, como vimos (n. 146), a própria natureza não inspira aos pequenos como agir em relação aos grandes? Por que não há de levar-nos a graça a fazer o mesmo em relação a Deus, que está infinitamente acima de nós, e diante do qual somos menos que átomos? tendo além disso uma advogada tão poderosa, que não foi jamais repelida; tão habilidosa que conhece os segredos para ganhar o Coração de Deus; tão boa e caridosa que não se esquiva a ninguém, por pequeno e mau que seja.
Referirei mais adiante a verdadeira figura das verdades que afirmo, na história de Jacob e Rebeca (v. cap. VI).

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