11 de junho de 2014

Sermão para o Domingo de Pentecostes - Padre Daniel Pinheiro IBP


[Sermão] O Espírito Santo e a santificação das almas


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
“Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da terra.”
Como Nosso Senhor havia prometido aos discípulos, Ele enviou, junto com o Pai, o Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no Cenáculo em Jerusalém. Na continuação do texto dos Atos dos Apóstolos que acabamos de cantar, está dito que alguns zombavam dos apóstolos dizendo que eles estariam, na verdade, cheios de vinho. Claro que essa afirmação apenas poderia vir da má fé daqueles que ouviam os apóstolos, pois não pode estar cheio de vinho aquele que faz um discurso inteligível falando das maravilhas de Deus. Nesse verdadeiro dom de línguas que receberam os apóstolos no dia de Pentecostes, cada um entendia perfeitamente em sua própria língua o que eles falavam. Todavia, se consideramos o sentido espiritual, é preciso, realmente, dizer que os apóstolos estavam cheios de vinho. Eles estavam cheios do vinho da nova lei, que veio substituir a água da antiga lei. Eles, em Pentecostes, eram os recipientes em que Nosso Senhor transformou água em vinho, como em Pentecostes. Em suma, os apóstolos estavam repletos do Espírito Santo, repletos da graça divina, repletos do amor a Deus. E é essa a principal missão do Espírito Santo: a santificação das almas, a infusão da caridade nas nossas almas. Como dissemos há três domingos, o Espírito Santo vem para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Ele vem para ensinar toda a verdade, para nos consolar e nos fortalecer. Ele vem para glorificar Nosso Senhor. Ele vem para realizar também tudo o que está expresso nessa magnífica Sequência da Missa de hoje, que é o Veni Sancte Spiritus. Realizando tudo isso, o Espírito Santo vem, sobretudo, para nos dar o amor de Deus. Como diz São Paulo aos Romanos (V,5): “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”
O Espírito Santo, como sabemos, é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Se, de maneira simples, podemos dizer que o Filho é Deus que conhece a si mesmo desde toda a eternidade, podemos dizer que o Espírito Santo nada mais é do que o amor perfeito e eterno que existe entre o Pai e o Filho. Assim sendo, a obra de santificação, que é uma obra do amor de Deus para conosco, é atribuída ao Espírito Santo, embora seja realizada pelas três Pessoas da Santíssima Trindade. É, particularmente, ao Espírito Santo que pedimos que acenda em nossas almas o fogo do amor divino: “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.” A principal missão do Espírito Santo é colocar em nossas almas a caridade. As próprias peças do gregoriano da Missa de hoje nos deixam isso claro: as melodias nos elevam de tal forma a alma que nos fazem reconhecer que nosso tesouro está nas coisas do alto e, consequentemente, nos fazem reconhecer que nosso amor deve estar nas coisas do alto, em Deus.  E é esse fogo do amor divino que devemos manter aceso em nossas vidas, em nosso dia-a-dia, em meio dos afazeres quotidianos, em meio das tribulações.
Todavia, esse fogo do amor divino não é necessariamente algo sensível. A caridade, o amor a Deus está na vontade, que é uma faculdade espiritual e não sensível. O amor a Deus – Nosso Senhor deixa claro nesse importantíssimo Evangelho de hoje – consiste em guardar as suas palavras, isto é, o amor a Deus consiste em aceitar o que Deus nos fala e em colocar isso em prática. O amor a Deus é baseado na verdade e na fé. O amor a Deus não é o palpitar do coração, não é o sentir-se bem, ou o aceitar o bem e o mal indistintamente. O amor a Deus é mais estável e mais perfeito do que isso.
Para amarmos a Deus, devemos reconhecê-lo como o Sumo Bem, como aquele que é infinitamente perfeito, que governa todas as coisas com sabedoria, mesmo quando permite o mal para que do mal venha um maior bem. Devemos ver a bondade de Deus ao longo da história da humanidade, desde o tempo de Adão e Eva, passando pelos patriarcas e pelos judeus no Antigo Testamento, até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo para nos salvar por sua morte de cruz. Devemos ver a bondade de Deus ao institutir a Igreja, os sacramentos, o sacerdócio, ao elevar o matrimônio a sacramento. Devemos ver a bondade de Deus em nossas vidas, caros católicos, como Ele quer nos levar até Ele, nos converter. Devemos ver a bondade divina mesmo nas tribulações e provações, que Deus permite para que expiemos pelas nossas culpas, para que avancemos na virtude, para que nos tornemos semelhantes a Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Devemos ver a bondade de Deus também em seus mandamentos. Os mandamentos são um grande bem, eles são o caminho que o Sumo Bem nos indica para chegarmos ao céu. Deus é o Sumo Bem, mas não é um Sumo Bem inalcançável e distante. Não, Deus veio até nós pela encarnação, Ele vem até nós pelo Espírito Santo. Deus nos ama verdadeiramente com um amor de amizade, que é o amor mais perfeito que existe, pois o verdadeiro amigo não poupa esforços para buscar o verdadeiro bem do amigo. Deus fez tudo para nos salvar, ao ponto de entregar seu próprio Filho e de enviar o Espírito Santo. Devemos amar a Deus porque é ele a nossa felicidade. A felicidade de cada ser está em agir em conformidade com a sua natureza. Nós somos seres racionais, dotados de inteligência e vontade. Nossa felicidade está em conhecer a verdade com a nossa inteligência e em amar o bem com a nossa vontade. Deus é A VERDADE e O BEM. Nossa felicidade é, então, conhecer Deus e amá-lo. E Deus, na sua bondade, nos eleva a uma felicidade muito superior à felicidade que, naturalmente, poderíamos desejar: Ele faz com que o conheçamos como Ele mesmo se conhece e Ele faz com que o amemos como filhos e como amigos. Ele quer, para nós, uma felicidade sobrenatural. Como não amar a Santíssima Trindade, caros católicos?
Muitas vezes, em nosso quotidiano, nos esquecemos de elevar os olhos ao céu e de considerar a bondade infinita de Deus e de renovar o nosso amor por Deus com um ato de caridade, com ato em que reafirmamos nosso firme propósito de amá-lo sobre todas as coisas, fazendo a vontade dEle e não a nossa. O Espírito Santo vem para acender em nossas almas esse amor, essa disposição inteira, sem reservas, de servir a Deus, de guardar as suas palavras, de fazer a vontade dEle. E é a caridade, entendida corretamente dessa forma, que vai renovar a face da terra. Ao renovar as almas pela caridade, e enterrando o velho homem pecador, é toda a face da terra que começa a ser renovada. No dia de Pentecostes, eram poucos os discípulos de Cristo. Mas era grande a caridade, que levou os apóstolos a propagarem a doutrina de Cristo até os confins da terra. Já no primeiro dia, três mil são batizados. Essa caridade dos primeiros discípulos vai tornar o mundo cristão, caros católicos, pelos martírios, pelo combate incessante contra as forças do demônio e do mundo, pela pregação fiel do ensinamento de Cristo, pela heroicidade de todas as virtudes.
O Espírito Santo não veio nos trazer, em primeiro lugar, dons extraordinários, como o dom de línguas, o dom de cura e outros. Tudo isso é bem secundário. Tudo isso não santifica a pessoa que os possui, mas se ordena para o bem do próximo.  Como dizem os autores espirituais clássicos. O Padre Royo Marín diz que “seria temerário desejar ou pedir a Deus essas graças gratis datae, uma vez que não são necessárias nem para a salvação nem para a santificação, e requerem – muitas delas ao menos – uma intervenção milagrosa de Deus. Vale mais um pequeno ato de amor a Deus que ressuscitar um morto.” (Royo Marín, Teologia de la Perfección Cristiana, p. 888). O Padre Jordan Aumann diz também que “uma pessoa pode ficar sob o poder do demônio em razão de um desejo descontrolado de experimentar fenômenos místicos extraordinários ou graças carismáticas.” (Jordan Aumann, Spiritual Theology, p. 411). Em outra ocasião trataremos mais propriamente da questão dos dons carismáticos e de como são muito mal compreendidos hoje pelos movimentos que pretendem possuí-los. Consideremos simplesmente o que foi dito: mais vale um pequeno ato de caridade do que ressuscitar um morto.
Nós devemos invocar com maior frequência, caros católicos, e de joelhos, como fizemos no Aleluia da Missa de hoje, o Espírito Santo. Muitas vezes, o Espírito Santo é o grande esquecido na nossa vida espiritual. Invocando o Espírito Santo, pedindo para que Ele acenda em nossas almas o amor divino e cooperando com as graças que Ele nos dá, poderemos avançar na caridade e, avançando na caridade, poderemos avançar em todas as outras virtudes, poderemos fazer com perfeição todas as tarefas mais ordinárias de nossas vidas, poderemos viver bem o nosso estado de vida, seja no matrimônio, seja no trabalho, em qualquer situação. Vale mais uma ação quotidiana feita com imensa caridade, quer dizer por amor profundo a Deus, do que uma grande ação feita com uma caridade morna. Sem a caridade, nada tem valor. Agora, não uma caridade vaga, mas uma caridade que supõe a fé e que supõe a obediência aos mandamentos divinos. Não esqueçamos que estamos aqui nessa terra para amar o Sumo Bem, guardando as suas palavras.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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