2 de junho de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

24/26  -  Quais são as melhores cruzes.

Descubramos um pouco, eu vô-lo peço um abuso que se encontra no espírito de bastante pessoas; não estimam e nem querem levar as cruzes, que se lhes entregam, se forem grandes e pesadas. Por exemplo: um religioso submeter-se-á voluntariamente a grandes austeridades, como jejuar, trazer cilício, usar rudes disciplinas, e repugnar-lhe-á obedecer quando lhe mandarem que não jejue, que descanse e outras coisas, nas quais há mais satisfação do que trabalho. Ora, ficai sabendo que vos enganais se pensais que há menos virtude em vos vencerdes nisto do que nas coisas mais difíceis; porque o mérito da cruz não consiste no seu peso; mas na maneira de o levar. Ainda direi mais; há algumas vezes mais virtudes em levar uma cruz de palha do que uma pesada de madeira, porque quanto mais leves são as cruzes, tanto mais abjetos são, e portanto menos conformes à nossa inclinação, que sempre procura as aparências. É certo que há mais virtude em não proferir uma palavra proibida pelos nossos superiores, ou não levantar a vista para contemplar um objeto que desejamos ver do que trazer o cilício, porque depois de o colocarmos não temos necessidade de pensar mais nisso, e nas coisas pequenas é preciso ter uma continua atenção sobre nós mesmos para não cairmos na imperfeição.
Compreendei agora que por estas palavras Jesus Cristo: "toma a tua cruz", se entende que devemos receber com agrado e indiferentemente as contrariedades e mortificações, que venham, embora sejam leves e de pouca importância, estando certa dos que o mérito da cruz não consiste no seu peso mas na perfeição com que é levada.
É muito bom mortificar a carne; porém mais do que tudo é necessário purificar os nossos afetos e aliviar os nossos corações. Deus diz-nos: "Rasgai e dilacerai os vossos corações, porque contra eles é que se levanta a minha indignação". É o que praticamos nas pequenas mortificações repetidas muitas vezes e cumpridas fielmente. Sofrer um pequeno desdém com doçura, praticar uma coisa por obediência quando sentimos repugnância, não se queixar quando há motivo para isso, sofrer os defeitos das pessoas com que vivemos; é em ocasiões idênticas que convém dilacerar o coração, sacrificar a vontade própria, o gênio, as inclinações naturais; e dar a Deus provas do nosso amor e felicidades.
Oh! Deus! direi vós, é um grande sacrifício; convém atender muito a nós mesmos para renunciar à nossa vontade e rejeitar o que pede o amor próprio; porque ele tem artifícios para nos enganar e distrair a nossa atenção de nós mesmos. É verdade; mas eis aqui o remédio: Os que navegam, e se aproximam das sereias correm perigo, porque elas cantam tão bem, que extasiam e adormecem os que remam; de sorte que alguns, para evitar o perigo fazem-se amarrar a um dos mastros. É preciso que também assim façamos quando as sereias do amor próprio, das repugnâncias, nos vierem cantar aos ouvidos, para nos atrair e fazer que lhes obedeçamos; importa que nos amarremos ao mastro do navio, que é a cruz de Nosso Senhor, o qual nos ordena, se queremos ser seus discípulos, que tomemos a cruz e o sigamos. Mas notai que Deus diz a nossa própria cruz, e isto serve para contrariar a extravagância de muitos, que quando os mortificam, se impacientam e confundem dizendo que se lhes fizessem o mesmo que fazem a outros, o receberiam de boa vontade: e o mesmo dizem das doenças, estimando as que Deus dá aos outros e não às que a eles envia para o seu bem. Ora isto não é levar a cruz como Nosso Senhor quer que a levemos e nos ensinou com seu exemplo. Se pois queremos levar a nossa cruz e segui-lo devemos, à sua imitação, receber com indiferença todas as que nos vierem, sem escolha ou exceção.
Beijai muitas vezes amorosamente as cruzes que Nosso Senhor vos põe às costas. Não vejais senão de madeira preciosa o odorífera; merecem mais o nome de cruzes quando são de madeira vil e nojenta.
Confesso-vos que este pensamento vem-me muitas vezes ao espírito e só sei este ditado. Sem dúvida é do Cântico dos Cânticos; é um pouco triste, mas é harmonioso e belo: "Meu pai: faça-se a vossa vontade e não a minha".
Madalena vê a Nosso Senhor e procura-o; não o vê na forma que deseja; é por isso que não fica contente de o ver assim e o procura para contemplar doutra forma; quer vê-lo revestido de glória e não como um jardineiro; mas afinal conhece que é Ele quando lhe diz: "Maria".
Olhai; é Nosso Senhor vestido de jardineiro que encontrais todos os dias nas ocorrências das mortificações ordinárias da vida. Quereríeis que vos oferecesse outras mortificações mais belas? Oh! Deus meu as mais belas não são as melhores. Não tendes fé que Ele vos diga: "Maria, Maria?" Não, antes que o contempleis vestido de glória. Ele quer plantar no vosso jardim flores pequeninas, mas à sua vontade; por isso, Ele esta assim vestido. Estejam dora avante os nossos corações unidos ao seu e as nossas vontades ao seu agrado.

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