26 de junho de 2014

Sermão para o 2º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP.

[Sermão] O amor ao próximo, mesmo aos pecadores e inimigos

Ave Maria…
 “Sabemos que fomos transladados da morte do pecado para a vida da graça porque amamos os nossos irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte. Todo o que tem ódio a seu irmão é homicida.”
Nosso Senhor Jesus Cristo, durante sua vida entre os homens, e seus apóstolos, depois dEle, insistem na caridade fraterna, no amor ao próximo. É o que faz São João na Epístola de hoje. Essa caridade para com o próximo está no duplo mandamento divino de amar a Deus e ao próximo. É São João que nos diz também: “que aquele que ama a Deus, ame também seu irmão.” (I Jo 4, 21) Vejamos em que consiste essa caridade para com o próximo e vejamos que ela se estende mesmo ao pecador e ao inimigo.
Pode haver para com o próximo um amor puramente natural, em virtude de suas qualidades naturais. Esse amor natural que deseja o bem do próximo por motivos naturais não é um mal, claro, a não ser que envolva alguma desordem. Todavia, o amor que Deus nos ordena ter para com o próximo é um amor de ordem sobrenatural, muito superior ao mais perfeito amor natural. O amor sobrenatural que devemos ter é fundado no amor a Deus. Se amamos a Deus, desejamos a maior glória de Deus, isto é, desejamos que Deus seja mais conhecido, amado e servido. A maneira perfeita de Deus ser mais conhecido, amado e servido é justamente pela conversão dos homens a Deus e, sobretudo, pela salvação eterna dos homens, que, assim, poderão glorificar perfeitamente a Deus no céu. Ao amarmos verdadeiramente a Deus, amaremos necessariamente ao próximo, pois desejaremos o bem sobrenatural para o nosso próximo, que é a salvação dele, e agiremos para que ele alcance esse bem sobrenatural. Além disso, se amamos a Deus, obedecemos aos seus preceitos, entre os quais está, justamente, o de amar ao próximo. A razão de amar o próximo é Deus. Devemos amar ao próximo para que ele esteja em Deus (IIa IIae, q. 25, a.1).
O nosso próximo e o nosso irmão não devem ser entendidos como próximo fisicamente ou como irmão natural, é claro. Essa proximidade deriva do fato de sermos criados à imagem de Deus e pela possibilidade de alcançarmos a bem-aventurança eterna. (IIa IIae, q. 44, a. 7). Nosso próximo são todas as criaturas de Deus capazes de alcançar a bem-aventurança eterna. Nosso próximo são todos os homens que estão na terra, incluindo os maiores pecadores e nossos inimigos. Nosso próximo são também os bem-aventurados no céu e as almas do purgatório. Não são nosso próximo os que já estão condenados no inferno, pois são inimigos definitivos de Deus e incapazes da glória eterna. Já não é possível amá-los em Deus, pois eles rejeitaram definitivamente a Deus. Portanto, devemos amar com caridade todos aqueles que são capazes da glória eterna ou que já possuem essa glória eterna. Quanto aos primeiros, devemos desejar que cheguem à glória eterna e devemos cooperar para que a alcancem. Quanto aos outros, devemos nos alegrar pelo fato de já terem alcançado a glória eterna.
Como dissemos, o preceito de caridade se estende a todos os homens capazes de alcançar o céu. Ele se estende, então, mesmo aos pecadores e aos inimigos. É fácil amar quem é bom ou quem nos faz o bem, mas se estamos realmente no amor de Deus, amaremos também os maus e os inimigos. Dada a particular dificuldade de se amar o pecador e o inimigo, consideremos como deve ser o amor por essas duas classes de pessoas.
O preceito da caridade se estende ao pecador. O homem pecador – e falamos aqui mais propriamente daquele que se encontra em pecado mortal – enquanto pecador é mais digno de ódio do que de amor, já que, enquanto permanece nesse estado, é desagradável a Deus. Assim, se quisermos ser precisos não podemos dizer que devemos amar as pessoas como elas são. Não devemos amar um pecador como pecador, mas como capaz de se converter, de recobrar a amizade com Deus. O pecador, enquanto criatura humana, capaz ainda da bem-aventurança eterna pelo arrependimento de seus pecados deve ser amado com caridade. E, justamente, o maior amor e serviço que podemos prestar a esse nosso próximo é ajudá-lo a sair de sua triste e miserável situação. É, então, nosso dever amar os pecadores, mesmo os mais obstinados.
Não é lícito jamais desejar ao pecador um verdadeiro mal, como seria desejar que cometa um pecado ou que se condene. Desejar tais coisas seria o pecado do ódio, gravíssimo e diretamente oposto ao da caridade. É lícito, porém, desejar um mal material ou um mal físico para que desse mal venha um bem superior, como seria o bem da conversão da pessoa ou o bem da cessação de um escândalo que ela causa com suas ações. Mas a intenção não pode ser simplesmente que ocorra esse mal físico ou material por ódio à pessoa, mas em vista do bem dela ou da sociedade como um todo, sempre desejando também a salvação dela. Todavia, é preciso ter muito cuidado com isso, pois facilmente nossas boas intenções são deixadas de lado e pensamos exclusivamente no mal ao próximo.
O preceito da caridade se estende também aos inimigos. Inimigos são aqueles que nos fizeram um mal e que ainda não o repararam. Inimigos são aqueles que nos odeiam ou que são dignos de justa antipatia por um motivo racional, como por seus escândalos, seus maus exemplos, etc. Devemos amar mesmo aqueles que nos fizeram mal ou que nos odeiam. Não devemos amá-los porque são nossos inimigos, mas apesar disso. Devemos amá-los enquanto foram criados para conhecer, amar e servir a Deus. Devemos ter para com eles verdadeira caridade, desejando-lhes o céu e cooperando para que cheguem até lá, se temos a oportunidade para isso. Amar os inimigos não é ter por eles simpatia ou um algo sentimental, mas desejar-lhes o bem, rezar por eles e fazer-lhes o bem quando possível e necessário. É o que diz Nosso Senhor no Sermão da Montanha: “Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mat. 5, 43-45).
O amor aos inimigos prescreve que se dê a eles os sinais comuns de amizade e de educação. Assim, é preciso responder a uma saudação cordial feita pelo inimigo, é preciso responder a perguntas normais que ele pode fazer. Enfim, somos obrigados a nos comportar com os inimigos como faríamos com uma pessoa desconhecida. Negar esses sinais comuns de educação equivaleria a manifestar ódio e levaria ao escândalo dos demais. A caridade para com o inimigo nos proíbe de excluí-lo de nossas orações. Se disséssemos, rezo por todo mundo menos por tal pessoa que é minha inimiga, estaríamos cometendo um pecado grave. Os sinais especiais de afeto ou amizade não são obrigatórios, a não ser que as circunstâncias o exijam. Se nosso inimigo está em grave necessidade da qual só pode sair com nosso auxílio, devemos ajudá-lo. O preceito de amar o próximo obriga a procurar a reconciliação assim que possível. Interiormente, o ofendido deve estar pronto para perdoar prontamente, sem guardar rancor nem ódio. Exteriormente, não se pode negar o sincero pedido de perdão feito pelo ofensor. É preciso perdoar, ainda que posteriormente não se restabeleça uma harmonia perfeita entre as partes.
O amor aos inimigos nos obriga a deixar de lado todo ódio e todo desejo de vingança. O ódio é desejar que o inimigo peque ou que se condene, ou desejar-lhe o mal pelo mal. A vingança pecaminosa é aquela pela qual se deseja a punição do próximo simplesmente para lhe fazer mal. Se essa punição fosse desejada para emendar o próximo, para coibir o mal que ele faz, ou para restabelecer a justiça ultrajada, não haveria problema, mas sempre com muito cuidado para guardar a reta intenção nesses desejos.
A vida cristã no trato com o próximo se resume a esse preceito de caridade. Amar ao próximo por amor a Deus. Amar ao próximo desejando-lhe a virtude e a glória eterna, e ajudando-o a alcançar a virtude e o céu. Deixar de lado todo ódio, pecado gravíssimo, que se opõe à caridade e que se opõe a Deus, pois o ódio nos leva a desejar que o próximo ofenda a Deus, nos leva a desejar ao próximo um mal contra a vontade de Deus. O ódio mata o próximo em nossa alma. Nos torna homicidas e leva a atos externos contra o próximo. Não estamos falando aqui de um sentimento passageiro de aversão ao próximo que pode surgir em nossa alma e que combatemos, mas do desejo de mal ao próximo realmente alimentado e que não é afastado. Esse é o pecado de ódio, gravíssimo. O cristão vive da caridade. Não dessa caridade sentimental ou que aceita o pecado, mas da caridade que está na vontade e que favorece a virtude. Nós, católicos, devemos sempre pagar o mal com o bem, como nos diz São Paulo. Por maior que tenha sido o mal que alguém nos fez, devemos amá-lo sobrenaturalmente. E nessa caridade perfeita nos distinguiremos dos pagãos, do mundo, e chegaremos ao céu.
Em nome do Pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém.

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