18 de junho de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

6/14  -  Não desejamos nem recusemos os alívios na doença.

Nosso Senhor, estando na cruz, fez-nos compreender bem como devemos mortificar os sentimentos naturais que nos tornam muito compassivos conosco; porque, tendo grande sede, não pediu para beber, mas manifestou somente a sua necessidade: "Tenho sede". E depois fez um ato de grande submissão, porque sendo-lhe apresentada na ponta duma lança uma esponja embebida em fel e vinagre, colou a ela os seus benditos lábios.
Caso estranho! Não ignorava que era uma bebida que aumentaria o seu tormento; contudo bebeu simplesmente sem nada dizer, para nos ensinar com que submissão devemos receber o que nos dão, quando estamos doentes, sem mostrarmos repugnância, desgosto, ou enfado. Ah! se estamos um pouco incomodados, em vez de imitarmos o nosso doce Mestre, não cessamos de nos lamentar e queixar; o nosso mal, seja qual for, é incomparável, e o que os outros sofrem nada é; estamos impacientes e tristes o mais possível e nada achamos que nos possa prontamente aliviar. Enfim custa a ver como imitamos tão pouco a paciência do nosso Salvador, que esquecendo as suas dores não procurava torná-las conhecidas, mas contentava-se em que seu Pai celeste, por cuja ordem sofria, as considerasse e derramasse o fruto sobre os homens por quem sofria.
A humildade, a paciência e o amor d'Aquele que nos envia as cruzes, requerem que as recebamos sem nos queixar; mas, notai há muita diferença entre contar os seus males e lamentar-se deles. Podemos contá-los assim em muitas ocasiões, somos obrigados a contá-los e a dar-lhes remédios; mas isto deve-se fazer com calma, sem o exagerarmos por palavras ou por lamentações.
É isto que diz a Santa Tereza; porque lamentar-se não é narrar o seu mal, mas contá-lo com lamentações e testemunhos de aflição.
Narrai pois simples e verdadeiramente, sem escrúpulo; mas de maneira que proveis sujeitar-vos a ele docemente. Gravai na vossa memória estas duas queridas frases que tantas vezes vos tenho recomendado: Nada desejeis e nada recuseis. Nestas duas palavras esta dito tudo. Contemplai o Menino Jesus no presépio; recebeu a pobreza, a nudez, a companhia dos animais, e as injúrias do tempo, o frio e tudo que seu Eterno Pai permitiu que lhe acontecesse. Não esta escrito que estendesse as mãozinhas para pedir o seio de sua Mãe. Entregava-se completamente ao seu cuidado e previdência. Não recusava os pequenos alívios que ela proporcionava e recebia os serviços de São José, as adorações e presentes dos pastores e dos reis, e tudo isto com igualdade perfeita. Devemos fazer o mesmo, e a exemplo do divino Salvador, nada pedirmos e nada recusarmos, mas sofrer e receber igualmente tudo o que a Providência de Deus permitir que nos suceda. Conceda-nos Deus esta graça.
Encontro no Evangelho um modelo perfeito desta virtude na sogra de São Pedro. Esta boa enferma, atacada por uma grande febre, ficara tranquila e sem inquietação alguma, e mesmo sem a causar aos que a serviam. Contentava-se com sofrer o seu mal com paciência e doçura. Oh! Deus quanto era ela feliz e como merecia que cuidassem dela, como fizeram os Apóstolos, que trataram dela sem que lhes pedisse, mas por caridade e compaixão!
Esta boa, enferma, bem sabia que Nosso Senhor estava em Cafarnaum e que curava os doentes; contudo não se apressou a ir dizer-lhe que sofria... Mas o que é ainda mais admirável é que o viu em sua casa, onde Jesus a viu e ela a Ele, e contudo não lhe disse uma única palavra para o excitar à compaixão, nem o tocou com intenção de ser curada.
Ainda mais: parece não fazer caso da doença, não se enternece a contá-la, não se lamenta, nem pede que lamentem e lhe busquem o remédio. Contenta-se com que Deus o saiba e os que a governam. Considera a Nosso Senhor, não só como o seu soberano médico mas ainda como Deus, a quem pertence tanto na saúde como na doença, estando tão contente, sã como enferma. Oh! quantas pessoas teriam usado de finura para serem curadas por Nosso Senhor, e teriam dito que pediam a saúde para o servir melhor, temendo que lhe não faltasse alguma coisa. Mas esta Santa mulher não pensava nisto; fazendo ver a sua resignação, e nada pedindo a Nosso Senhor senão a sua santíssima vontade.
Não quero com isto dizer que a não possamos pedir a Deus como a quem no-lo pode dar, com a condição de nos submetermos à sua vontade.
Não basta estar doente, porque Deus o quer, mas também como Deus o quer, quando Deus o quer, e da maneira que quiser, não escolhendo doença alguma, por abjeta e humilhante que seja; porque muitas vezes o mal sem abjeção entumece o coração em vez de o humilhar: mas quando padecemos o mal e a confusão ao mesmo tempo, que ocasião para exercermos a paciência, a humildade e a doçura da alma!
Tenhamos um grande cuidado, imitando aquela santa mulher, mantendo nosso coração em doçura, aproveitando-nos como ela das nossas doenças; porque ela se levantou logo e serviu a Nosso Senhor, não usando da sua saúde senão para seu serviço. E nisto não fez como os mundanos, que tendo estado doente alguns dias, precisam de semanas e meses inteiros para se restabelecerem.
Não vos lamenteis pois, obrigai vosso coração a sofrer tranquilamente; e se tiverdes alguma impaciência, logo que notardes, conservai o vosso coração em paz e doçura. Crede-me; Deus ama as almas agitadas pelas ondas e tempestades do mundo, contanto que recebam das suas mãos os trabalhos e como guerreiros valentes, se exercitem a guardar fidelidade entre os assaltos e combates.
Se estais algumas vezes pouco tratável nas vossas enfermidades, isso passará pouco a pouco. O espírito humano muda muitas vezes sem que o pensemos e aquele que menos perturbações sente, é o melhor.
Quanto a vós, suponho que agora a idade e a fraqueza da vossa compleição vos tornarão fraco e lânguido; é por isso, que vos aconselho que vos exerciteis em acatar a amabilíssima vontade de Deus, e na abnegação das alegrias exteriores e na doçura entre as amarguras; é este o sacrifício mais excelente que podeis fazer.
Praticai não só o amor sólido, mas o amor terno, doce e suave para com os que vos cercam; o que eu digo pela experiência que tenho, que as doenças, não nos tirando a caridade, tiram-nos contudo a suavidade para com o próximo, se nos não prevenirmos.
É preciso que nos soframos a nós próprios até que Deus nos conduza ao céu, e enquanto nos suportamos, nada que presta suportamos... Tenhamos pois paciência. As doenças do espírito, bem como as do corpo, chegam as corridas, mas vão-se a passo. Convém pois, ó Filotéia que sejas corajosa e paciente nesta empresa.
Estas doenças longas são uma escola de caridade para os que lhes assistem e de amorosa paciência para os que as sofrem; porque uns estão aos pés da cruz como Nossa Senhora e São João, cuja compaixão imitam, e outros estão na cruz como Nosso Senhor, imitando-lhe a paixão.
Muitas vezes sai-se destes acidentes com uma vantagem dupla, porque a febre dissipa os maus humores do corpo e purifica os do coração.

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