24 de fevereiro de 2014

Preparação para a Morte

PONTO III

Para o moribundo que, durante sua existência, não zelou o bem de sua alma, serão espinhos todos os objetos que se lhe apresentarem. Espinhos a lembrança dos prazeres gozados, dos triunfos e das vaidades do mundo. Espinhos a presença dos amigos que o visitem e as coisas que eles lhe recordarão. Espinhos os sacerdotes que o assistem, e os sacramentos que deve receber, confissão, comunhão e extrema- unção; até o crucifixo que apresentam será como espinho de remorso, porque o pobre moribundo verá na santa imagem quão pouco correspondeu ao amor de um Deus que morreu para salvá-lo.
“Grande foi minha insensatez! — dirá então o enfermo. — Podia ter-me santificado com as luzes e os meios que o Senhor me ofereceu; podia ter levado vida feliz na graça de Deus, e que me resta depois de tantos anos perdidos, senão desconfiança e angústia e remorso de consciência, e contas severas a dar a Deus? Difícil é agora a salvação de minha alma...” E quando fará ele tais reflexões?... Quando está para se extinguir a lâmpada da vida, quando está a finalizar a cena deste mundo, quando se encontra face a face com as duas eternidades, a feliz e a desgraçada, quando está prestes a exalar o último suspiro, de que dependem a bem-aventurança ou a condenação permanentes, eternas, enquanto Deus for Deus. O que daria então para dispor de mais um ano, um mês, uma semana sequer, em juízo perfeito, porque naquele estado de enfermidade, aturdida a mente, oprimido o peito, alterado o coração, nada pode fazer, nada pode meditar, nem conseguir que o espírito abatido leve a cabo um ato meritório! Sente-se como encerrado num fosso escuro, onde tudo é confusão, onde nada percebe senão a grande ruína que o ameaça e à qual se vê na impossibilidade de fugir...
Pedirá tempo. Mas ser-lhe-á dito: Proficiscere, parte: em seguida prepara tuas contas como melhor puderes neste agitado momento, e parte sem demora. Não sabes que a morte nunca espera, nem tem consideração com ninguém? Oh! com que terror o enfermo refletirá: nesta manhã ainda vivo; à noite talvez já esteja morto! Hoje estou ainda em meu quarto; amanhã estarei na sepultura... e minha alma: onde estará?... Que susto quando vir preparar o círio fúnebre; quando sentir o suor frio da morte; quando ouvir seus parentes dizer que sairá do quarto para nunca mais entrar; quando começar a perder a vista, e por último, quando acenderem a luz que há de brilhar no derradeiro instante de sua vida. Ó luz bendita, quantas verdades descobrirás então! Como farás ver as coisas diferentes do que são agora! Como farás conhecer que todos os bens deste mundo são vaidades, loucuras e mentiras!... Mas de que servirá compreender estas verdades, quando já não haverá tempo para se aproveitaram?

AFETOS E SÚPLICAS

Não quereis, Senhor, a minha morte, mas que me converta e viva. Profunda gratidão me inspiram vossa paciência em esperar por mim até hoje, e as graças que me outorgastes. Conheço o erro que cometi, preferindo à vossa amizade os vis e míseros bens pelos quais vos desprezei.
Arrependo-me de todo o coração de ter-vos ofendido. Não deixeis, pois, de assistir-me com vossa luz e vossa graça, nos dias que me restam de vida, a fim de que possa conhecer e praticar o que deva fazer para emendar minha vida. Que proveito teria, se aprendesse estas verdades, mas já não houvesse tempo de me corrigir?... “Não entregues às feras as almas que te louvam” (Sl 73,19). Quando o demônio me excitar a ofender-vos de novo, rogo-vos, ó Jesus, pelos merecimentos de vossa Paixão, que me livreis de recair em pecado e de voltar à escravidão do inimigo. Fazei que sempre recorra a vós, e que não cesse de encomendar-me a vós enquanto durar a tentação. Vosso sangue é minha esperança, e vossa bondade o meu amor. Amo-vos, ó Deus, digno de amor infinito; fazei que vos ame sempre e que conheça as coisas de que devo afastar-me para ser todo vosso como desejo. Dai-me forças para executar esta resolução. Vós, Rainha do céu e minha Mãe, rogai por mim, pobre pecador. Fazei que nas tentações não deixe de recorrer a Jesus, e a vós, que, pela vossa intercessão, preservais de cair em pecado a quantos invocam vosso auxílio.

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