Sumário. Imaginemos ver a Jesus, que, pela previsão dos tormentos e ignomínias que o esperavam, e muito mais da ingratidão com que os homens lhe haviam de pagar, cai em agonia no Horto e sua sangue; mas nem assim deixa de rogar a seu eterno Pai. É este o exemplo que devemos seguir, quando nos achamos em aflição e desolação. Unamos então as nossas penas às de Jesus; mas não deixemos de orar e de repetir com Ele: Pai, seja feita a vossa vontade.
I. O nosso amante Redentor, aproximando-se a hora da sua morte, dirigiu-se para o horto de Getsêmani, onde, por si mesmo, deu princípio à sua amargosíssima Paixão, permitindo que o temor, o tédio e a tristeza viessem atormentá-Lo. Coepit pavere et taedere... contristari et moestus esse (1). Mas como! Não era o mesmo Jesus que tanto tinha desejado sofrer e morrer pelos homens? E como teme agora tanto as penas e a morte? Porque está triste e aflito até ao ponto que a tristeza parece tirar-lhe a vida? (2) Ah! Bem desejava Jesus morrer por nós; mas, para que não pensássemos que por virtude da sua divindade morria sem sofrer, suplicou a seu Pai que o livrasse, assim nos quis fazer conhecer que morria de morte tão angustiosa, que grandemente o aterrava.
Porém, o que propriamente afligiu o Coração de Jesus no horto, não foi tanto a previsão dos tomentos que teria de sofrer, como a previsão de nossos pecados. Jesus tinha vindo ao mundo para tirar os pecados. Mas vendo que apesar de sua Paixão se cometeriam no mundo tantos crimes, sofreu uma dor tão intensa, que antes de morrer o reduziu à agonia e o fez suar sangue vivo em tanta abundância, que chegou a ensopar a terra: Et factus est sudor eius sicut guttae sanguinis decurrentis in terram (3). Sim, porque Jesus viu então diante de si todos os pecados que os homens tinham de cometer depois da sua morte, todos os ódios, desonestidades, furtos, blasfêmias e sacrilégios. — Jesus então disse: É assim, ó homens, que recompensais o meu amor? Ah, se eu vos visse gratos para comigo, como iria contente morrer por vós. Mas, ver, depois de tantos sofrimentos meus, tantos pecados, depois de tanto amor meu, tamanha ingratidão, eis o que me faz suar sangue.
II. No meio de sua penosíssima agonia, que faz o Senhor? Dobra os joelhos, prostra-se com o rosto no chão, e roga a seu divino Pai, dizendo: Pater, si possibile est, transeat a me cálix iste; verumtamen non sicut ego volo, sed sicut tu — “Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice; todavia não seja como eu quero, mas sim como tu” (4). Como se dissesse: Meu Pai, Vós vedes que os tomentos que se me chegam a sofrer são horríveis; sabeis como o horror natural me impele a fugir deles e que por isso é grande a tristeza que me oprime. Vós sabeis tudo isso. Sendo, pois possível que, sem embargo do decreto de vossa justiça, passe de mim este cálice amargoso, sem que eu o beba, rogo-Vos que me atendais o pedido. Mas, de nenhum modo se faça o que eu quero, senão o que Vós quereis; porquanto em todas as coisas prefiro a vossa santíssima vontade à minha. — Ó oração sublime! Ó perfeitíssima resignação!
Eis aí o que nós também devemos fazer; pois que, como diz São Cipriano, Jesus quis, não somente com palavras, senão também com suas obras, ensinar-nos o verdadeiro modo de orar. Em nossas aflições e desolações, unamos a nossa pena com a do Coração de Jesus no horto e digamos com Ele: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; faça-se, porém, não a minha vontade, senão a vossa. — Se apesar disso, se prolongar a desolação, conformemo-nos com a vontade divina, e longe de nos relaxarmos em nossas orações, prolonguemo-las à imitação de Jesus Cristo mesmo, que posto em agonia orou com mais instância: Factus in agonia, prolixius orabat.
É assim, ó Senhor, que proponho fazer; Vós, porém, dai-me a graça de Vos ser fiel. “Ó meu Jesus, Vós que no horto, com palavras e exemplo nos ensinastes a orar, para vencermos os perigos das tentações, concedei-me propício, que sempre aplicado à oração, mereça tirar dela fruto copioso.” (5) Fazei-o pelo amor de vossa e minha amada Mãe Maria. (*I 733.)
----------
1. Marc. 14, 33. Matth. 26, 37.
2. Matth. 26, 38.
3. Luc. 22, 44.
4. Matth. 26, 39.
5. Or. Eccl.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 249 - 252.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário