27 de fevereiro de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

6/25 - Como Jesus nos amou na sua Paixão.

Considerai que o eterno Pai amou tanto o mundo, que lhe deu seu único Filho, e o Filho amou tanto a vontade do Pai, que, vendo que ele tinha desejo de salvar a natureza humana, sem se lembrar da baixeza e mesquinhez dela, ofereceu voluntariamente um preço prodigioso pelo resgate: o seu sangue, os trabalhos e a  vida. Assim, este Salvador ofereceu o seu amor imenso para satisfazer a vontade do Pai e o resgate do mundo. Em cada mistério da Paixão dizia:  "Ó meu Pai a natureza humana que eu tanto amo resgatar-se-ia com uma só lágrima minha; mas isto não bastaria para reverência que eu devo ter à vossa vontade, e ao meu amor. Quero pois,que, além dos desfalecimentos no jardim das Oliveiras, que me açoitem, que me coroem de espinhos, que dilacerem o meu corpo, para que eu seja semelhante a um leproso sem forma nem beleza". Desta forma foi Jesus açoitado, coroado de espinhos, condenado, escarnecido, destinado a suportar os opróbrios e ignomínias, sofrendo a punição devida a todos os pecados e servindo de sacrifício geral pelo pecado, tendo-se tornado como um anátema, separado e abandonado de seu Eterno Pai. O Divino Salvador quis morrer nas chamas e ardores de amor, por causa da infinita caridade que nos deve e pela força e virtude do amor; isto é, morrer em amor, por amor, e para amor; é o que Ele mesmo dizia: "Ninguém me tira a vida, mas eu deixo-a; tenho poder para a perder e recuperá-la de novo". "Foi sacrificado, diz Isaias, porque o desejou"; sendo o seu corpo por direito, imortal e impassível, por causa da glória da sua alma, tornou-o mortal e passível por milagre e por amor. Quis até depois da morte, ter o lado aberto, para que todos vissem os pensamentos do seu coração, que não eram senão pensamentos de amor e simpatia, e que nos dirigíssemos a ele confiadamente e nos escondêssemos no seu lado e dele recebêssemos abundância de graças e bençãos. De maneira que o benigno Jesus, desde o primeiro momento de sua vida até hoje, tem sempre, por assim dizer, arrojado setas do seu amor e ferido as almas dos seus amantes, fazendo-lhes conhecer claramente que o não amam tanto quanto ele é amável. Oh! Meu Deus! podia Jesus por ventura mostrar maior amor aos pecadores do que oferecendo-se em perfeito holocausto por todos os seus pecados? Oh! que pena não vermos o coração de Jesus tal qual ele é! Se tal fosse, morreríamos de amor por Ele, porque somos mortais, como Ele morreu por nós enquanto foi mortal, e ainda agora morreria se não fosse imortal. Nada tem tanta força para mover um coração amoroso como ver um coração movido de amor por ele. Oh! prouvera a Deus que Nosso Senhor mudasse o nosso coração como mudou e de Santa Catarina de Sena, de sorte que não tivéssemos outro coração a não ser o seu, outra vontade a não ser a sua, outras afeições e desejos senão os de o amar e sermos todos seu! O pelicano, que vê os filhos feridos pela serpente, como um excelente médico formado na escola da natureza, fere-os por todo corpo com o bico, para com o sangue fazer sair o veneno que a mordedura  da serpente espalhara por todos eles; mas vendo-os mortos, fere-se a si mesmo e arroja sobre eles o seu sangue, para os vivificar com uma nova vida. Foi o seu amor que os feriu e é pelo mesmo amor que se fere também. As  abelhas, quando ferem, morrem quase  sempre feridas. Vendo pois o Salvador das nossas almas ferido de amor por nós até a morte na cruz, como deixaríamos nós de ser feridos por Ele? Mas, digo eu, feridos com uma chaga tanto mais amorosamente dolorosa, que nunca nós o amaremos tanto quanto merecem o seu amor e a sua morte. Ah! se a minha alma, a esposa de Deus crucificado sofredor, devo toda a minha vida ter muito gosto em me adornar com a sua libré, isto é: os cravos, os espinhos e as lanças. Lembra-te, ó minha alma, que o festim das suas núpcias foi o fel e o vinagre e não busques neste mundo a alegria e a bonança. É muita honra, ó Rei da glória, beber convosco o calix das dores, que nunca me  aconteça recusar essa bebida, porque, Deus meu, como diz Davi, é o calix dos vossos prediletos. A imagem de Jesus Cristo, pisado, ferido, trespassado, chagado e crucificado, foi sempre um belo espelho de amor, onde os anjos e santos nunca se cansam de se verem até ficarem abismados de júbilo, de contentamento, e cheios de piedade e consolação. Pois se a imagem de Abraão, dando o golpe de morte em seu único filho para o sacrificar, fazia enternecer e chorar o grande Gregório, Bispo de Nicéia, todas as vezes que o via, com quanto mais razão nos deve comover a imagem de Jesus Cristo sacrificando-se a si mesmo sobre a Cruz? Sacrifício que é origem de todas as graças que recebemos, fonte de todas as resoluções santas, de sorte que é por Ele que as conservamos, nutrimos, fortificamos e consumimos. Já que Jesus Cristo nos amou tanto, que a todos remiu, regando-nos com o seu sangue divino e chamando-nos a si sem excluir ninguém; já que se fez todo nosso para nos fazer todos seus, dando-nos a sua vida e morte para nos isentar da morte eterna, e fazer-nos conseguir o gozo da vida eterna, para que sejamos seus, não só nesta vida mortal, mas também na eterna, ah! que resta, e que conclusão devemos tirar, senão que, vivos, não devemos viver para nós, mas para Jesus Cristo, que morreu por nós; isto é, que lhe consagremos todos os momentos da nossa vida, encaminhando para a glória sua, todas as suas obras, pensamentos e afetos?! Oh alma minha! doravante vive entre os açoites e espinhos do Salvador e suspira humildemente. Viva Jesus, que quis morrer para que minha alma viva! Ah! Padre Eterno! que vos pode oferecer o mundo pelo presente que lhes fizestes do vosso Filho? Ah! para remir uma coisa tão vil como eu, deu-se e entregou-se a si mesmo, e, embora miserável, ainda hesito em dar-lhe  e abandonar-lhe o meu nada, a Ele que tudo me deu!

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