10 de fevereiro de 2014

Sejamos peregrinos sobre a terra.

Dum sumus in corpore, peregrinamur a Domino — “Enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor” (2 Cor. 5, 6).

Sumário. Enquanto estivermos sobre esta terra, sejamos como uns peregrinos, que vão errando longe de sua pátria, o paraíso onde Deus nos espera para gozarmos eternamente de sua beleza divina. Se, pois, amamos a Deus e a nossa alma, devemos suspirar continuamente por sairmos deste nosso exílio e separarmo-nos do corpo, a fim de entrarmos na posse de Deus. Quando nos sentirmos oprimidos pelos trabalhos, levantemos os olhos ao céu e consolemo-nos com a lembrança do reino da bem-aventurança.

I. Enquanto estivermos na vida presente, sejamos como que uns peregrinos, porque andamos errando por este mundo, longe da nossa pátria, o céu; onde o Senhor nos espera a fim de gozarmos eternamente de sua visão beatifica. Dum sumus in corpore, peregrinamur a Domino — “Enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor”. Se, pois, amamos a Deus, devemos suspirar continuamente por sairmos deste exílio, deixando o nosso corpo, a fim de entrarmos na posse de Deus

Antes da Redenção, o caminho para chegar a Deus estava interdito para nós, míseros filhos de Adão. Mas Jesus Cristo obteve-nos com a sua morte o poder de nos fazermos filhos de Deus (1) e assim nos abriu a porta pela qual temos acesso junto a nosso Pai celestial (2) . — Desta sorte, se estamos na graça de Deus, já ficamos sendo concidadãos dos santos e membros da família de Deus (3). Diz Santo Agostinho: A nossa natureza nos fez nascer cidadãos da terra e vasos de ira; mas a graça do Redentor, livrando-nos do pecado, nos fez nascer cidadãos do céu e vasos de misericórdia. 

Não é para admirar que os maus queiram ficar sempre neste mundo, porque justamente temem que das penas da vida presente vão passar para as penas eternas e muito mais terríveis do inferno. Mas quem possui o amor de Deus e tem certeza moral de estar em graça, como pode desejar viver mais tempo neste vale de lágrimas, no meio de contínuas amarguras, angústias da consciência e perigos de condenação? Como não suspirará, ao contrário, por chegar em breve à união com Deus na eterna bem-aventurança, onde não haverá mais perigo de perdê-Lo? Ah! As almas abrasadas no amor de Deus, na vida terrestre gemem continuamente e exclamam com o Profeta: Heu mihi, quia incolatus meus prolongatus est! (4) — “Ai de mim, que o meu desterro se prolongou!

II. Apressemo-nos, pois, como nos exorta o Apóstolo, a entrar nessa pátria, onde acharemos perfeita paz e contentamento: Festinemus ingredi in illam requiem (5). Apressemo-nos (digo) pelo desejo e não paremos no caminho, enquanto não lançarmos a âncora no porto bem-aventurado que Deus preparou para os que O amam. Quem corre no estádio, diz São João Crisóstomo, não olha para os expectadores, senão para o prêmio que almeja; e não pára; antes, quanto mais se aproxima da meta, tanto mais corre. Donde o Santo conclui que, à medida que já se foram os anos de nossa vida, tanto mais devemos apressar-nos, por meio de boas obras, para alcançarmos o prêmio.

Para acharmos alívio nas angústias e amarguras que tenhamos de sofrer na vida presente, a nossa, única oração deve ser esta: Adveniat regnum tuum (6) —“Venha a nós o vosso reino”. Senhor, venha em breve o vosso reino, onde, unidos convosco, contemplando-Vos face a face, e amando-Vos com todas as nossas forças, não estaremos mais sujeitos ao temor, nem aos perigos de perder-Vos. — E quando nos oprimirem os trabalhos ou desprezos do mundo, consolemo-nos com a lembrança da grande recompensa que Deus preparou para aquele que padece por seu amor.

Eis aqui, ó meu Deus, paratum cor meum (7) — “aparelhado está o meu coração”. Eis que estou disposto a aceitar qualquer cruz que me queirais pôr a carregar. Nesta vida não quero delícias e prazeres; não os merece quem Vos ofendeu e mereceu o inferno. Estou disposto a sofrer todas as enfermidades e contrariedades que me mandeis; disposto estou a abraçar toda a sorte de desprezos da parte dos homens. Se for de vosso agrado, de boa mente aceito que me priveis de todo o alívio corporal e espiritual; basta que não me priveis de Vós mesmo e da ventura de sempre Vos amar. Não o mereço, mas espero-o pelo sangue que derramastes por mim. Amo-Vos, meu Bem, meu Amor, meu tudo. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Viverei eternamente, e eternamente Vos amarei, como espero; o meu paraíso será regozijar-me pela vossa felicidade infinita, de que sois digno pela vossa infinita bondade. — Ó Maria, minha Mãe, alcançai-me tão grande bem pela vossa poderosa intercessão. (II 250.)

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1. Io. 1, 12.
2. Eph. 2, 18.
3. Eph. 2, 19.
4. Ps. 119, 5.
5. Hebr. 4, 11.
6. Matth. 6, 10.
7. Ps. 56, 8.

(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 210-213.)

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