26 de fevereiro de 2014

Sermão para o Domingo da Septuagésima – Padre Daniel Pinheiro IBP

[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 1: Os Paramentos

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Estamos no Tempo da Septuagésima, preparação para a Quaresma.

“Dignai-vos, Senhor, receber as nossas ofertas e preces; purificai-nos, por meio destes divinos mistérios, e ouvi-nos com clemência.”

Caros católicos, nós começamos hoje, Domingo da Septuagésima, até o domingo da Quinquagésima, uma série de sermões sobre o sentido das cerimônias da Santa Missa. Como nos diz o Concílio de Trento (Sessão XII, Cap. 5), as cerimônias da Missa, as vestes, os gestos, as palavras ora em voz baixa ora em voz mais alta, são socorros exteriores que ajudam a nossa pobre alma a se elevar às coisas sobrenaturais, a contemplar o mistério profundo que se oculta neste sacrifício do altar, que nada mais é que a renovação do sacrifício de Cristo. É importante compreender que os ritos e as cerimônias que circundam a essência de um sacramento – no caso da Missa, a essência são as palavras da Consagração – não são supérfluos, mas importantíssimos. Importantíssimos porque nos fazem compreender melhor a natureza do que está sendo realizado; importantíssimos porque nos incutem respeito e veneração, mostrando-nos a grandeza do que está ocorrendo; importantíssimos porque nos dispõem melhor para que recebamos bem os sacramentos, além de serem como sacramentais que alcançam de Deus graças para nós. Portanto, simplificar as cerimônias, abolir as cerimônias veneráveis e imemoriais da Santa Missa, sob pretexto de voltar a uma suposta liturgia primitiva e sob o pretexto de tornar a Santa Missa mais acessível às pessoas é um equívoco. É bem sabido que nossa inteligência parte das coisas sensíveis para as espirituais. Tudo que está na nossa inteligência passou antes pelos nossos sentidos. A própria fé, nos diz São Paulo, vem pelos ouvidos, que escutam aqueles que nos ensinam. Portanto, tirar as cerimônias e os ritos ou simplificá-los, prejudica o nosso entendimento do que é a Missa, além de diminuir o nosso respeito e de prejudicar a nossa preparação para a recepção dos sacramentos. Além disso, já dizia Aristóteles que quanto mais simples é a inteligência de uma pessoa, mais ela precisa de exemplos bem concretos e sensíveis para compreender as coisas. Assim, ao simplificar a Missa, em vez de torná-la acessível às pessoas mais simples, ela se torna mais incompreensível, pois muito abstrata, muito despojada, não há um caminho para subir às coisas espirituais, e naturalmente se enche a Missa com elementos alheios ao espírito litúrgico. É evidente que as cerimônias e ritos devem ser proporcionais em número e em qualidade ao mistério que circundam. No rito tradicional, essa proporção é perfeita. Não existem, nele, ritos ou repetições supérfluas ou exageros. A liturgia romana tradicional sempre foi reconhecida e louvada pela sua rica sobriedade.
Vale destacar, caros católicos, que as cerimônias do rito tradicional, estando baseadas na fé católica de maneira perfeita e estando fundadas no conhecimento exato da nossa natureza humana, são cerimônias perenes, capazes de satisfazer completamente a espiritualidade de todo católico em qualquer tempo e em qualquer lugar. A espiritualidade não consiste em fomentar sentimentos bons em nossa alma, mas em nos conformar inteiramente a Cristo, pela fé e pela prática dos mandamentos. Assim, a liturgia tradicional não é uma moda, algo passageiro, que predomina em determinada época ou lugar. Não, ela é estável. Se todos estamos aqui, na maioria jovens, não é, espero, por modismo, por gosto passageiro, mas porque compreendemos cada vez mais o valor perene e inatacável desse rito para a fé, para a moral, para a santificação, para a conformação com Cristo. Se estamos aqui, é porque não buscamos modas, coisas passageiras, mas porque buscamos Deus, que é imutável. A liturgia tradicional não foi forjada para responder a aspirações e concepções de um momento, mas foi formada por Deus ao longo dos séculos para responder às aspirações constantes de vida eterna do homem, num desenvolvimento litúrgico sempre orgânico, harmônico, sem rupturas, sempre em compasso com a compreensão mais profunda das verdades reveladas.
Devemos, então, caros católicos, começar a considerar, nesses três próximos domingos, os ritos e cerimônias da Missa. Se, sem explicações, esses ritos já nos fazem tanto bem, mostrando de modo claríssimo em que devemos acreditar, mostrando de modo claríssimo que estamos diante de algo sagrado e dispondo tão bem as nossas almas, mal podemos imaginar o bem que pode advir deles quando compreendidos de modo mais perfeito. Antes de tudo, vale lembrar que os ritos da Missa podem ser considerados em diversos níveis, não havendo, muitas vezes, uma explicação única para eles. E vale destacar que a explicação dos ritos da Missa não é algo recente, mas muito antigo. Na Idade Média, tornou-se algo tão comum que praticamente passou a ser um gênero literário, chamado de Expositio Missae, Exposição, Explicação da Missa.
Comecemos pelo início, pelas vestes do sacerdote quando reza a Missa. Dizem as rubricas que o padre deve celebrar a Missa usando uma veste que chegue aos calcanhares. O hábito religioso, a batina. A batina deriva da toga romana, é uma roupa que indica a excelência da função daquele que a utiliza. A batina do sacerdote é preta, indicando a morte para o mundo. A batina violeta dos bispos indica mortificação, penitência, enquanto a vermelha dos cardeais indica que devem dar o sangue pela Igreja e pelo Papa. A branca, do Papa, indica a santidade que deve ter para governar bem a Igreja com prudência e de forma a confirmar as ovelhas na fé. A batina é ampla, indicando que a caridade sacerdotal deve ser ampla. O comprimento da batina, chegando até os calcanhares, significa a perseverança e a paciência sacerdotais. A batina cobre todo o corpo, salvo as mãos e a cabeça. As mãos são as obras. A cabeça são os pensamentos, a fé. O sacerdote deve ser conhecido pela sua fé e pelas suas boas obras e por nada mais. Muitas vezes, a batina tem 33 botões, simbolizando a idade de Cristo, 33 anos. Ela tem 5 botões nas mangas: são as 5 chagas de nosso Salvador. O colarinho romano, branco, representa a santidade que deve ter o sacerdote, afastado do pecado. A faixa, cingindo os rins, simboliza a pureza. No Antigo Testamento, os rins cingidos significavam a pureza, a castidade.
Em seguida, vem o amito, de linho branco, colocado em torno do pescoço dos clérigos maiores, subdiácono, diácono, sacerdote. Amito vem do latim e significa envolver. Ele tem um simbolismo duplo. No Pontifical Romano, quando é imposto pelo bispo ao subdiácono, ele simboliza a correção das palavras, pois subdiácono que recebe o amito tem a função de recitar fielmente, com suas palavras, o Breviário e a Epístola que ele canta na Missa Solene. A correção das palavras é a fidelidade à Palavra de Deus, à Revelação. No Missal Romano, na oração em que o padre recita para colocá-lo, o amito significa o capacete da salvação, o elmo para o combate contra as incursões diabólicas: ele indica que estamos em um combate tremendo, combate espiritual, pelo triunfo de Cristo e da Igreja epela salvação de nossas almas. O amito significa também o véu que cobriu os olhos de Cristo na paixão, quando batiam nEle e, zombando dEle, pediam para Nosso Senhor adivinhar quem lhe tinha batido.
Depois do amito, temos a alva, essa roupa branca que chega também aos calcanhares. O nome, alva, vem da cor, branca. Também pela sua cor, branca, essa veste litúrgica significa a santidade que deve ter o ministro do altar. A sobrepeliz, essa roupa branca mais curta que os acólitos usam na Missa, e que o Padre usa em outras circunstâncias, tem a mesma significação: a santidade requerida para exercer a função sacerdotal ou para ajudar o sacerdote no altar. Com o amito e alva, a roupa que o padre usa no dia-a-dia (batina e colarinho romano) fica inteiramente coberta, desaparecendo, o que mostra a sacralidade do que está se realizando sobre o altar. A alva representa também a veste branca dos loucos, que Nosso Senhor recebeu de Herodes durante sua paixão, por ter ficado calado diante desse rei adúltero e homicida.
Após a alva, temos o cíngulo, esse cordão que amarra os rins, que cinge os rins. Ele tem o mesmo simbolismo da faixa sacerdotal: a castidade. Na Antiguidade, não andar com algo que cingisse os rins era um sinal de negligência, às vezes de libertinagem. O adjetivo dissoluto, para alguém de má vida, vem daqui, pois dissoluto é aquilo que não está amarrado. O cíngulo tem, nas pontas, duas borlas, que significam o jejum e a oração. São duas armas necessárias para a vida espiritual, em particular para a manutenção da castidade.
Depois do cíngulo, temos o manípulo. São várias as possíveis origens do manípulo: pano para enxugar o rosto dos oradores públicos, peça de distinção de personagens importantes na sociedade, tecido utilizado para amarrar feixes de colheita na agricultura. No séc. IV, é certo que se torna uma veste dos cônsules em Roma, portanto, de altos dignitários, que têm por função servir o povo. O manípulo significa, de toda forma, o labor apostólico pelo pela pregação, pela oração, pelo cultivo das almas, com seus sofrimentos e dificuldades. O manípulo é reservado às ordens maiores (subdiaconato, diaconato, sacerdócio), pois com elas o clérigo se consagra inteiramente e definitivamente ao labor apostólico, ao serviço de Deus, amarrando-se a Ele com o celibato e com a obrigação de recitar o Breviário. O manípulo representa também as cordas com que Nosso Senhor foi amarrado durante a flagelação. Ele é um paramento de uso exclusivo para a Missa. Por isso, o padre tira o manípulo no momento do sermão, pois o sermão não faz parte da Missa, no Rito Tradicional. Ele tira também o manípulo no momento do sermão para deixar manifesta a sua liberdade de pregar a palavra de Deus, pois a palavra de Deus não está acorrentada, como diz São Paulo (2 Tim II, 4): Verbum Dei non est alligatum. O sacerdote tem total liberdade de pregar aquilo que é necessário para o bem das almas, sem se preocupar com outra coisa.
Em seguida, depois do manípulo, vem a estola. A estola é veste que significa o poder de ordem, isto é, a participação no sacerdócio de Cristo. Assim, usam estola o diácono, o sacerdote e o bispo. Cada grau do sacerdócio é indicado pelo modo de portar a estola. O diácono a porta pendente do lado esquerdo, lembrando a veste dos escudeiros, pois assim como os escudeiros ajudavam os cavaleiros, o diácono ajuda o padre e o bispo. O Sacerdote tem a estola em forma de cruz, cruzada, durante a Missa, para lembrar o calvário, mas também para indicar sua submissão ao bispo e para indicar que o seu poder sacerdotal não é pleno. O Bispo já tem a cruz peitoral, não precisa cruzar a estola, e a estola pendente de modo simples mostra a plenitude de seu poder sacerdotal.
Temos, ainda, a casula, que vem do latim e significa pequena casa. Antigamente era mais ampla, donde o seu nome. A casula simboliza duas coisas no pensamento da Igreja. A primeira delas é a caridade (Pontifical Romano). A casula significa a caridade, pois a caridade é a coroa de todas as virtudes, como a casula é o paramento que coroa todos os outros, cobrindo-os. Além disso, casula tem duas bandas, a da frente e a de trás, significando a caridade para com Deus e para com o próximo. A segunda significação da casula, conforme oração no Missal Romano, é o jugo de Cristo suave e leve, que o sacerdote deve carregar. A casula lembra, ainda, o manto de púrpura de Nosso Senhor e a sua túnica sem costuras.
Finalmente, temos o barrete. Os membros do clero são os únicos homens que podem ter a cabeça coberta dentro da Igreja. A cabeça coberta na Igreja representa a autoridade de que os clérigos, outros Cristos, estão revestidos. O barrete para os padres e a mitra para os bispos, são como coroas, simbolizam o poder de governo de que estão dotados. Os leigos homens devem, ao contrário, descobrir a cabeça dentro da Igreja, mostrando total submissão a Nosso Senhor e submissão à hierarquia da Igreja. O clero tem a cabeça coberta, salvo quando está no altar ou diante dele, pois no altar os sacerdotes estão como vítimas que se oferecem pelo povo e não como reis, imitando Nosso Senhor na hora de sua paixão e morte de cruz.
Assim, prezados católicos, cada paramento significa uma virtude que deve ter o sacerdote, imitando Nosso Senhor, cada paramento significa um aspecto da função sacerdotal. Ao colocar os paramentos e ao utilizá-los, o padre é exortado a praticar aquelas virtudes, a assemelhar-se a NS mais perfeitamente, a desempenhar bem sua função sacerdotal. Suprimir paramentos ou torná-los meramente facultativos parece significar que tais virtudes não são tão importantes para se oferecer bem o sacrifício da Cruz, o padre se sente menos instado a praticar as virtudes e a assemelhar-se a Cristo. Além disso, a supressão ou uso opcional de paramentos tende a igualar o sacerdote ao leigo. Quando o sacerdote se veste com todos esses paramentos, o que é obrigatório na Missa Tradicional, não é para fazer ostentação ou por motivo de pompa. Quando o padre se veste de tais paramentos, ele está se vestindo de Cristo e das virtudes de Cristo. Todos os santos sempre buscaram usar belos paramentos, extremamente dignos, pois é Cristo, na verdade que os veste, sendo Ele o sacerdote principal da Missa. Além disso, o decoro dos paramentos aumenta também o valor extrínseco da Santa Missa.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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