17 de fevereiro de 2014

Necessidade da oração mental.

Desolatione desolata est omnis terra; quia nullus est qui rerogitet corde — “Toda a terra está inteiramente desolada, porque não há nenhum que considere no seu coração” (Ier. 12, 11.)

Sumário. Afeiçoemo-nos à oração mental e nunca a deixemos de fazer. É ela necessária, para que tenhamos luz na viagem que estamos fazendo para a eternidade e também para que conheçamos os nossos defeitos e os emendemos. Assim como sem a oração mental, não faremos bem a vocal, à qual estão ligadas as graças, assim igualmente nos faltará a força para vencer as tentações e praticar as virtudes. Infeliz, portanto, da alma que não faz oração mental; ela não precisa de demônios para lançá-la no inferno, visto que de si mesma nele se precipita.

I. A oração mental é, em primeiro lugar, necessária, para que tenhamos luz na viagem que estamos fazendo para a eternidade. As verdades eternas são coisas espirituais, que não são vistas pelos olhos do corpo, senão somente pela consideração do espírito. Quem não faz oração, não as vê, e assim andará com dificuldade no caminho da salvação. — Além disso, quem não faz oração, não conhece os seus defeitos, e assim, como diz São Bernardo, não os aborrece. Tampouco vê os perigos em que se acha a sua salvação e não pensa em evitá-los. Mas quem faz oração logo descobre os seus defeitos e os perigos de perder-se; e vendo-os, pensará em aplicar-lhes o remédio. Por isso o mesmo São Bernardo afirma que “a meditação regula os afetos, endireita as ações e corrige os defeitos”.

Em segundo lugar, sem a oração não haverá força para vencer as tentações e praticar as virtudes. Dizia Santa Teresa que quem omite a oração, não precisa de demônios para levá-lo ao inferno, visto que de si mesmo nele se precipita. — A razão disso é que sem a oração mental não haverá oração vocal. Deus quer dispensar-nos as suas graças; porém, diz São Gregório que para no-las dispensar quer ser rogado e como que coagido pelas nossas petições: Vult Deus rogari, vult cogi, vult quadam importunitate vinci. Sem a oração faltará a força para resistir aos inimigos e tampouco se obterá a perseverança no bem. Escreve monsenhor Palafox: “Como é que o Senhor nos dará a perseverança, se nós não lha pedirmos? E como lha pediremos sem a oração mental?” Ao contrário, quem faz oração, é como que uma árvore que está plantada junto às correntes das águas, que sempre cresce e está sempre virosa. Erit tamquam lignum secus decursus aquarum (1).

II. A oração mental é a feliz fornalha na qual as almas se abrasam no amor divino; é qual laço de ouro que prende a alma a Deus. Dizia a sagrada Esposa: Introduxit me rex in cellam vinariam (2) — “O rei me introduziu na sua adega”. Esta adega é a oração, na qual a alma se embriaga de tal modo pelo amor divino, que perde quase inteiramente o gosto das coisas da terra. Não vê mais senão o que agrada a seu amado, não fala senão no amado, nem quer ouvir falar senão nele e toda outra conversação a aborrece e aflige.

Na oração, a alma recolhe-se para tratar a sós com Deus e assim se eleva acima de si mesma. Sedebit solitarius et tacetib, quia levavit super se (3). Diz o profeta sedebit: assentar-se-á, isto é: a alma em seu repouso, contemplando na oração quanto Deus é amável e quão grande é o amor que lhe tem, começará a saborear as coisas de Deus; o espírito se lhe encherá de santos pensamentos; ela se desprenderá dos afetos terrestres, conceberá grande desejo de se fazer santa e finalmente resolverá dar-se toda a Deus. Onde é que os santos formaram as resoluções generosas, que os sublimaram a um alto grau de perfeição, a não ser na meditação? Por isso São Luiz de Gonzaga dizia que nunca chegará a alto grau de perfeição quem não chega a fazer muita oração mental. — Afeiçoemo-nos, pois, à meditação e não a omitamos, seja qual for o aborrecimento que nela achemos. Deus remunerará abundantemente o aborrecimento sofrido pelo seu amor.

Ó meu Deus, perdoai-me a minha preguiça. Que tesouros de graças perdi por ter deixado tantas vezes a oração! Para o futuro dai-me força a fim de que seja fiel a conversar sempre convosco nesta terra, visto que espero conversar eternamente convosco no céu. Não aspiro aos regalos das vossas consolações; não as mereço. Basta-me que me permitais ficar a vossos pés para Vos recomendar a minha pobre alma, que tão pobre se acha por se ter afastado de Vós. Ó meu Jesus crucificado, na oração só a lembrança de vossa Paixão me desprenderá da terra e me unirá convosco. — Santíssima Virgem Maria, assisti-me na minha meditação. (II 279.)

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1. Ps. 1, 3.
2. Cant. 2, 4.
3. Thren. 3, 28.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 229 - 232.)

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