28 de fevereiro de 2014

Sermão para o Domingo da Sexagésima – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Sentido espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 2: Da Aspersão à subida ao Altar

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Lembro que estamos no Tempo da Septuagésima, tempo de preparação para a quaresma. Devemos ir pensando e estabelecendo nossas práticas da quaresma, lembrando que essas práticas devem ser  em três campos: oração, mortificação e caridade.
“Que este sacrifício que vos oferecemos, Senhor, nos vivifique  e proteja sempre.”
Continuamos,  caros  católicos,  a  tratar  resumidamente  do  sentido espiritual da Santa Missa no Rito Romano Tradicional.
Nas Missas dominicais, é possível fazer o rito de aspersão de água benta,  chamado  Asperges  ou  Vidi  Aquam,  em  razão  das  antífonas que acompanham esse rito. A aspersão não faz parte da Missa, mas a precede, dispondo-nos melhor para assistir à Santa Missa. É um rito de purificação, que remete ao batismo. As duas antífonas cantadas durante a Aspersão –Vidi Aquam no tempo pascal e Asperges nos outros tempos litúrgicos– deixam claro esse sentido de purificação e de lembrança do batismo. O Vidi Aquam fala da água que sai do lado direito do Templo. Ora, o Templo é Nosso Senhor Jesus Cristo e a água é o sangue e a água que saem do lado direito do coração de Cristo perfurado pela lança na Cruz, sangue e água que significam o Batismo. No  Asperges  se fala da aspersão que nos torna mais brancos que a neve. Essa aspersão é o Batismo. Por que, porém, o Asperges se  faz somente  no  domingo?  Porque  o  domingo  é  o  dia  da ressurreição do Senhor e o  batismo  é  nossa  ressurreição  espiritual.  No Batismo, morremos para o pecado, a fim de ressuscitarmos para uma vida nova, a vida da graça. O rito de aspersão é, portanto, um sacramental bem eficaz para nos prepararmos para a Santa Missa. Não simplesmente pela água benta, que podemos tomar entrando na Igreja a qualquer momento, mas pela evocação de nosso batismo que se faz na aspersão. O rito de aspersão deve nos lembrar das promessas feitas no batismo, promessas de abandono ao pecado, de renúncia ao demônio e a suas pompas, e promessas de fidelidade a Cristo. Originalmente, a aspersão se fazia com uma planta  chamada  hissope, planta que simboliza a humildade e a penitência, duas coisas necessárias para se assistir bem a Santa Missa. A oração que se reza após a aspersão é também uma preparação do lugar, da Igreja,  para afugentar  ainda  mais  o  espírito  maligno.  Nessa  oração,  se invoca o anjo, que muitos interpretam como sendo o próprio Deus, Anjo do Grande Conselho. Na aspersão, as pessoas estão de pé e fazem o sinal da cruz, quando são aspergidas, assim como se faz o sinal da cruz quando se toma água benta na entrada da Igreja. Não é necessário que caia uma gota de água em cada pessoa para que o rito seja eficaz nem se deve estender as  mãos  para  receber  a  aspersão.  Assim,  a aspersão tem por objetivo purificar a nossa alma, lembrando as disposições que devemos ter  para assistir  com fruto  à  Santa  Missa, além de  ser  também uma espécie  de exorcismo, expulsando o espirito maligno.
Depois da aspersão, passamos à Missa. A Santa Missa está dividida em duas grandes partes: a chamada Missa dos Catecúmenos e a chamada Missa dos Fiéis. Nos primeiros tempos do cristianismo existia, por medo de profanação,  a  disciplina do arcano,  pela qual  a presença nas cerimônias sagradas  era  reservada  somente  aos  batizados. Assim, somente os batizados, ou seja, os fiéis, assistiam a parte sacrificial da Missa, em que ocorre a consagração,  a renovação do sacrifício de Cristo.  Por  isso,  essa segunda parte da Missa, a partir do ofertório recebe o nome de Missa dos Fiéis. Os catecúmenos, que estavam se preparando para o batismo,  iam embora antes do ofertório,  ficando do início  até as leituras e o sermão. Assim, essa  primeira parte da Missa recebe o nome de Missa dos Catecúmenos. Provavelmente,  os  catecúmenos  eram dispensados,  nesse momento, pelas palavras Ite, Missa est, como ao final da Missa atualmente. Essas palavras que dispensavam os catecúmenos e antecediam a parte sacrificial da Missa passaram a dar nome ao sacrifício,  que passou a ser chamado de Missa. Com o fim da disciplina do arcano, as palavras Ite, Missa est passaram para o final da Missa, onde se encontram hoje. Essa é uma explicação para o nome de Missa que damos à renovação do sacrifício do Calvário. Outra explicação é a de São Tomás, que interpreta “missa est”, que quer  dizer  “enviada” em latim, como a oblação foi enviada ao céu, agora podeis ir. Essa oblação enviada ao céu, Missa, passou a designar, então, a renovação do sacrifício de Cristo.
A Missa dos catecúmenos começa com as orações ao pé do altar. O sacerdote está ao pé do altar, ele reconhece que é indigno de subir ao altar. Ele conhece a grandeza dos mistérios sagrados e as grandes disposições exigidas para bem celebrá-los. A alma do sacerdote está dividida entre o medo, diante do que há de mais sagrado, e a confiança, diante da bondade e misericórdia infinitas de Deus. Esses  sentimentos são  muito  bem expressos pelo Salmo 42, que compõe as orações ao pé do altar.
Antes de tudo, porém, o sacerdote faz o sinal da cruz, dizendo “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém”. É a primeira ação da liturgia da Santa Missa. Se devemos começar com o sinal da cruz todas as nossas ações, com mais razão devemos começar assim a mais excelente e sublime das ações, que é a Santa Missa. É da Cruz que nos vêm todas as graças. Ela é a nossa arma e defesa contra os inimigos da nossa alma. Em NOME, quer dizer na substância do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. NOME no singular, porque é uma só substância, um só Deus, mas em três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Na Missa, o sinal da cruz é feito com os cinco dedos estendidos, para lembrar as cinco chagas de Nosso Senhor. O sinal  da cruz se faz na cabeça, no peito e nos ombros. Na cabeça, para indicar a fé que professamos na Santíssima Trindade, na redenção operada por Cristo na Cruz. No peito para indicar a caridade, o amor que temos para com Deus Uno e Trino e para com Cristo, nosso redentor. Nos ombros, para indicar nosso desejo de perseverar na verdadeira religião, mesmo que isso nos custe muitos esforços,  pois é nos ombros que carregamos as coisas mais pesadas. Sinal da Cruz é o primeiro gesto, pois a Missa é renovação do sacrifício da Cruz. O sinal da cruz indica também que é Cristo que vai subir ao altar, que é Ele o sacerdote principal da Missa, enquanto o padre é mero instrumento do Salvador. O sacerdote está diante do altar para começar a recitar o Salmo 42 com a Antífona “Introibo ad altare Dei.” Ele tem as mãos juntas, os dedos estendidos, polegares cruzados, direito sobre o esquerdo. Essa posição das mãos é a posição do vassalo diante de seu suserano ao prometer fidelidade e submissão a ele. A simples posição da mão do padre já é uma oração, mostrando sua inteira submissão diante de Deus, supremo suserano e Senhor. E os polegares cruzados estão, justamente, em forma de cruz. A cruz está quase onipresente na Missa. É ela a nossa glória.
O Padre inicia o Salmo 42, ele deseja subir ao altar, ao altar do Deus que alegra a juventude dele. Que juventude é essa, caros católicos? Qual pode ser, por exemplo, a juventude de um padre que aos seus 70, 80, anos, e que já viveu a vida toda e espera somente o juízo divino e a recompensa de seu labor apostólico? É a juventude espiritual, a juventude da alma em estado de graça, pois a alma em estado de graça faz de nós sempre um homem novo, que abandonou o velho homem, para se revestir do homem novo, que é NSJC. A liturgia tradicional da Igreja, com doutrina e espiritualidades perenes, é sempre jovem e forma em nossas almas o homem novo. Deus alegra sempre aquele que é espiritualmente jovem, quer dizer, aquele que está na sua graça, Ele alegra essa alma levando-a pelo caminho da virtude e da prática da religião.
O Padre deseja subir o altar, como o salmista queria rever o sacrifício oferecido a Deus. Mas, ao mesmo tempo, o padre treme diante da grandeza do mistério. Ele teme por seus inumeráveis pecados, ofensas e negligências,como dirá mais tarde no ofertório. Em consciência, o padre não pode subir ao altar em pecado mortal. Seria um sacrilégio. Ainda assim, ele teme por suas pequenas faltas e imperfeições. E em torno do sacerdote, está o mundo, o povo não santo, estabelecido no mal, em guerra contra Deus. Ele implora, então, a Deus que reconheça a sua boa intenção, e que separe a sua causa da causa dos que são ímpios e enganadores. As faltas do Padre são por fraqueza e não por malícia, ao contrário  do mundo,  que faz do pecado virtude. Se ele ousa subir o altar, não é porque confia em suas próprias virtudes, mas porque Deus é sua fortaleza. O Padre não deve entristecer-se diante das ciladas dos inimigos, mas confiar em Deus, na sua misericórdia, na sua graça. O sacerdote pede, então, a luz divina e a verdade do Senhor, pois com elas subirá o Monte Calvário, para adorar o altíssimo em espírito e verdade, como pede Nosso Senhor. Ele quer louvar a Deus na cítara, que significa as boas obras, a prática dos mandamentos. É preciso esperar, confiar em Deus. Esse Salmo 42 reflete também a alma de Nosso Senhor no momento de sua paixão e morte: tristeza até a morte, rodeado pelos inimigos, mas com uma causa santa, e resoluto a subir o altar do Monte Calvário e da Cruz para dar maior glória a Deus e para salvar as almas. O Salmo se termina com o Gloria Patri e a repetição da antífona.
Nas  Missas  de  Requiem e  nas  Missas  do  tempo da  Paixão,  diz-se somente a antífona uma vez, sem o salmo 42. Diante da paixão de Cristo e diante do luto pelo fiel defunto, a alma tem certa razão para a tristeza na liturgia.
Terminado o Salmo, o Sacerdote diz, fazendo o sinal da cruz, “o nosso auxílio está no  nome do Senhor” ao que se responde “que fez o céu e aterra.”  É  uma  oração  jaculatória,  isto  é,  curta,  como que  jogada (jacta, jaculatória) em direção aos céus, mas profunda e eficaz. Faz-se o sinal da Cruz para mostrar de onde nos vem o auxílio: mais uma vez, da cruz de Cristo. E, claro, se Ele criou o céu e a terra, tem poder para nos ajudar, O Senhor é onipotente.
O celebrante se inclina profundamente com as mãos juntas e recita o Confiteor. Sempre foi o costume confessar os pecados antes de oferecer o Sacrifício. O sumo sacerdote confessava os pecados do povo sobre o bode expiatório antes de enviá-lo ao deserto. (Levítico 16, 21). E São Thiago diz: Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração do justo tem grande eficácia. (Thiago 5, 16). Por isso que se mencionam os santos e os irmãos no Confiteor. E são citados os principais santos: Nossa Senhora, claro, São Miguel Arcanjo (defensor e guardião da Igreja), São João Batista (o último do AT, e que convém ser citado pela sua pregação do batismo de penitência), os Santos Apóstolos Pedro e Paulo (Pedro, Primeiro papa, e São Paulo, pecador  convertido  e arrependido, sustentáculos da Igreja Romana), todos os santos e vós irmãos ou vós, padre. Confessam-se os pecados por pensamento, palavras e obras. Os pecados por omissão estão subentendido. Bate-se no peito para acusar o que está fechado em nossos corações e para corrigir, por esse sinal exterior, os  pecados  escondidos  (Agostinho).  Repetimos  o gesto do publica no louvado por Nosso Senhor, publicano que, arrependido, bate no peito, confessando e se arrependendo dos seus pecados. Bate-se no peito sem fazer barulho, de modo silencioso. O sacerdote confessa primeiro e sozinho, dando o exemplo. Os fiéis dizem o Confiteor em seguida. Isso, para deixar clara  a  distinção  entre fiéis e sacerdote e que convém muito que o sacerdote se reconheça individualmente e distintamente como pecador, para, arrependido, poder oferecer melhor a Santa Missa. Os fiéis pedem ao sacerdote a misericórdia divina. O sacerdote, vai além, ele dá absolvição e a indulgência, ato plenamente sacerdotal. Abolir essa absolvição e indulgência confunde o padre com os fiéis, o que vai contra a instituição divina hierárquica da Igreja. Claro que essa absolvição é eficaz somente para os pecados veniais  pelos quais se está arrependido. Os pecados mortais precisam da confissão sacramental, auricular.
Depois do confiteor, do pedido de misericórdia, da absolvição e da indulgência vêm os versículos com suas respostas, com o padre levemente inclinado. É o pedido para que Deus se volte para nós, se converta a nós e nós a Ele. É disso que vem a verdadeira alegria do povo cristão. Pede-se a deus que mostre a sua misericórdia e nos dê a salvação. Esses versículos preparam para as orações. Aufer a nobis e Oramus te Domine. Elas são orações pessoais do padre, ditas em voz baixa.
O sacerdote sobe o altar, separando-se do povo, como Moisés para subir o Monte Sinai. Agora vai agir propriamente como sacerdote e sacrificador, precisa subir ao altar e entrar no santo dos santos com um coração puro, para isso recita em voz baixa a oração Aufer a nobis (aufer a nobis iniquitates nostras), afastai de nós, Senhor, as nossas iniquidades. Não se trata mais de fazer a aspersão com o sangue de um touro, mas de aplicar sobre os fiéis o sangue de Cristo. Não é uma vez por ano, mas todo dia que o sacerdote entra no santo dos santos. Trata-se de oração pessoal do celebrante, com plural de majestade.
Terminada a primeira oração, o sacerdote se inclina com as mãos juntas e as apóia sobre o altar. Começa a rezar a oração Oramus te Domine, beija o altar e continua a oração dirigindo-se ao Missal. No altar estão as relíquias de santos mártires, sempre enormemente  venerados no cristianismo. Para que um altar seja verdadeiramente altar, e não uma simples mesa, é preciso que haja as relíquias dos santos. O padre pede a intercessão dos mártires presentes no altar e dos outros santos, para que alcancem de Deus o perdão de seus pecados. O ósculo é tanto para as relíquias quanto para o altar, que representa NS. O  ósculo significa,  na liturgia, um grande respeito às pessoas ou objetos. Beija-se a mão do padre, porque ela é consagrada. Esse ósculo no altar é o ósculo de Cristo e da Igreja, sua esposa, ele é sinal da caridade e da união entre Cristo e a Igreja. O sacerdote representa, na liturgia, Cristo, como mediador entre Deus e os homens, mas ele representa também a Igreja. O ósculo significa também a reconciliação de Cristo com as almas, após o pedido de perdão feito ao pé do altar.
Temos aqui, prezados católicos, alguns elementos  para  nossa meditação e edificação espiritual, e para assistir à Santa Missa com maior fruto.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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