8 de novembro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni

VII - A SANTA PÁSCOA - VIDA ESPIRITUAL

1. - A alegria pascal
Só Deus sabe com que desejo em os vejo sempre, ó meus queridos irmãos, toda vez que chego a este lugar para falar; e com quanto prazer lhes falo. Hoje porém, não sei dissimular a alegria, não sei conter a abundância do prazer. Terminados nos dias passados os lamentos da penitência, consumada neste dia a justificação, celebrada hoje - acredito - por todos vocês a Páscoa: eu pois os vejo ressuscitados em Cristo, caminhar alegres na novidade da vida, apressar solícitos com os discípulos para ver Cristo na Galiléía. Falo pois, com homens, que do temor e da contrição, ascendem seguros à confiança da Divina Misericórdia; que da alegria do século e da consolação do mundo - peIa compunção e pela tristeza que é conforme Deus - passaram a uma santa e devota exultação, a um vivo prazer espiritual no Espírito Santo: homens a quem não perturba a lembrança das culpas
passadas, quanto os alegra a memória e lhes inflame o desejo dos prêmios eternos. Felizes de vocês, e eu também hoje estou feliz, porque participo do seu jubilo. Está livre, pois, minha língua, para servir às disposições mais felizes do seu e do meu coração. Vocês correram muito bem. Eu mesmo me alegro: devo congratular-me com vocês. Não posso senão exortá-los a seguir adiante sua caminhada ao Céu, até atingir a feliz meta que pretendem; sem retroceder, nem um passo, nem um olhar que seja a esta mísera terra, da qual, quase como fim triste e amargurado, vocês estão tão distantes. "Se, portanto, ressuscitastes com Cristo - coloco em meus lábios a voz sonora de Paulo - se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá de cima, onde Cristo está sentado à direita de Deus . Afeiçoai-vos às coisas lá de cima e não às da terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col 3, 1- 3). Eis, pois, os dois motivos mais fortes. Eu nada mais farei que explicá-los.
2. - Vocês estão mortos para o pecado
Vocês primeiramente estão mortos. Existem vários gêneros de morte. Morte do corpo. Segundo esta, Abraão, tendo morrido, não estava morto; "porque Deus - diz o Evangelho - não é Deus dos mortos, mas dos vivos" (Mt 13, 32). Morte da alma. Cristo fazia alusão a isto com estas palavras: "Deixa que os mortos enterrem seus mortos" (Mt. 8, 22). Uma ou outra louvável morte procede da virtude, de quem escreve no mesmo lugar o Doutor das Gentes: "Mortificai, pois, os vossos membros no que têm de terreno" (Col 3, 5). Uma outra ainda, causa da anterior, está no Batismo (2) ou na Penitência,
que é um "oneroso Batismo". Desta é que S. Paulo quer agora fazê-los entender como vocês estão mortos. Ele se explica muito bem por si mesmo na carta aos Romanos. Nós que já morremos ao pecado, como poderíamos ainda viver nele?" (Rm 6, 2). Eis o sujeito desta morte. E que quer dizer estar morto ao pecado? Em nada depois servir ao pecado. Isto já foi feito uma vez pelo Batismo. Foi renovado pela Penitência. Nos tornou mortos ao pecado. É preciso portanto que nos atualizemos agora tudo isto com nossa solicitude: isto é, que qualquer coisa o pecado nos ordene, a má paixão,
o afeto perverso, nós fiquemos surdos a tudo, não obedeçamos, e perseveremos imóveis como mortos. "Um morto - dizia um santo - não fala de ninguém, a ninguém injuria ou faz violência, não calunia, nem oprime ninguém; não inveja os bons, não insulta os maus; não serve à luxuria da carne, não arde na chama do ódio; não adula os poderosos e os ricos do século, não é enganado por uma curiosidade inquieta, não procura os aplausos do mundo que o circunda, não se deixa levar pelo ouro, pela prata, ou por ricas vestes faustosas; não se importa com as honras, as injúrias não o atingem. A soberba não o envaidece, a ambição não o aflige, a vanglória não o agita; as falsas riquezas desta vida não o eleva, o furor insano da ira não o perturba,a beleza frágil de um rosto não o arrasta".
Isto quer dizer estar mortos, mortos para o pecado, não apreciar mais as coisas do século e da carne.
3. - Vocês ressuscitaram com Cristo
O Apóstolo continua: "Ignoram talvez que todos os que fomos balizados em Jesus Cristo - ou, ajuntem você, lavados no Sangue de Cristo na Penitência, - fomos balizados na Sua morte?" (Rm 6, 3). Eis como é essa morte. O Batismo, a Penitência, foram a nossa cruz: isto também o nosso sepulcro. "Fomos, pois, sepultados com Ele - diz - pelo Batismo na sua morte" (Rm 6, 4): para que cada um de nós morra como Ele morreu, embora não do mesmo modo. Ele na sua carne foi morto e sepultado. Nós fomos do mesmo modo, no pecado. A morte da carne é de Cristo, a nossa é do pecado; como aquela também esta é verdadeira morte. Mas, embora seja morte verdadeira, a nós convém trazer para a nossa ressurreição tudo aquilo que nos cabe. Daí acrescenta: "Porque se nos tornamos uma só coisa com Ele por uma morte semelhante à sua, seremos uma só coisa com ele também por uma ressurreição semelhante à sua" (Rm 6, 5). Apresentada a futura ressurreição, S. Paulo exige de nós uma outra ressurreição: isto é um novo estilo de vida na vida presente, pela mudança de costume. Quando de fato um pecador se torna casto, um avarento caridoso, um
irascível tranqüilo, acontece então uma ressurreição que é início da futura. E como é a ressurreição? Se morto o pecado, e ressuscitando a justiça; se, tirada a vida presente, e quase reflorindo esta vida nova e angelical, se possa dizer com S. Anselmo: morreu naquele homem a intemperança, ressuscitou a sobriedade; naquele jovem morreu a impureza, a pureza ressuscitou; naquela mulher morreu a
impudicícia, ressuscitou o pudor. Ao ouvir vida nova, cada um procure em si muita diferença, grande mudança. Mas nos faz chorar o pensamento de quanta virtude o Apóstolo exija de nós. E ver quão fracos nos tornamos quando, depois do Batismo, nos tornamos envelhecer nos vícios; quando depois do Maná celeste voltamos a procurar os alimentos vis do Egito; quando tantas vezes rejuvenescidos pela penitência e libertados da escravidão, recaímos na triste velhice do pecado e deliberadamente oferecemos nossas mãos para as infames algemas.
4. - Perseverança no bem
Agora, se nesta Páscoa ressuscitamos de novo pela graça e morremos ao pecado, como queremos abusar de tanta misericórdia? Como não queremos perseverar com todo esforço? Que as culpas passadas - repito, e nunca será repetido suficientemente quanto é necessário - que nossas culpas passadas sejam agora sepultadas pelo dom da graça. Que depois da Penitência nos tenhamos por
mortos, esta deve ser obra do nosso esforço; embora vejamos também nisto que" a graça muito nos ajuda. A Penitência não vale só para apagar os pecados passados, mas para fortalecer-nos mais contra os futuros. Como no sacramento fizemos nossa parte - isto é a contrição, a acusação e a vontade de satisfazer - assim em seguida empenhemo-nos cuidadosamente para não sermos novamente contaminados. Este é o conselho do nosso Apóstolo: "Se fomos feitos o mesmo ser que ele por uma
morte semelhante à sua, seremos igualmente por uma comum ressurreição" (Rm 6, 5). No entanto "nossa vida é escondida em Deus com Cristo". Podemos ainda falar muito desta planta da morte; mas já sem apercebermo-nos, tendo atingido a um alegre motivo do fruto da vida, e encerrando ele, à primeira vista certa dificuldade para entendê-lo, assim cortando por amor à brevidade qualquer palavra sobre o primeiro, passemos rapidamente para o segundo.
5. - Como nossa vida de Graça este ja escondida com Cristo em Deus
E logo vejamos como se explica este modo de esconder nossa vida com Cristo em Deus. A nossa vida é vida de graça que possuímos, é vida de glória que esperamos. Uma ou outra está escondida está aos olhos do mundo. O mundo desconhece este novo gênero de vida interior, espiritual, e santa. A aborrece e a tem em conta de melancolia e morte. Além do mais ela é escondida a seus olhos
debaixo do humilde véu de mortificação e de tristeza aparentes, e de tribulações físicas. A Graça, a virtude, os dons - que são como que a alma desta vida - estão intimamente recolhidos no espírito e na mente. Diz o santo padre Agostinho: "Os bons estão escondidos por que seus bens são ocultos; e não é visível nem corporal o que eles amam; assim seus merecimentos são colocados em segredo como seus prêmios". S. Gregório Magno explica ainda como esses homens virtuosos estão escondidos em Deus: Quem ama a mortificação, alegra-se muito no repouso encontrado na contemplação, daí quase morto oculta-se do mundo, e de todas as perturbações das coisas humanas se esconde no seio do interior. Para citar um exemplo, ao santo conde Elzeário, tranqüilo na sua solidão alpina, Delfina, sua mulher, mas virgem - pois viviam em estado de celibato - escreveu para saber como estava. Ele respondeu: "Estou são e salvo de corpo. Se você quiser me ver, procure-me na chaga do lado de Cristo. Eu estou aí, e aí será fácil encontrar-me. Em outro lugar você procurará em vão. Vejam, agora, irmãos, a verdadeira idéia de um homem ressuscitado em Cristo. Poderá ele jamais saborear as coisas baixas da terra? Poderá ele procurar outra coisa nesta vida se não as coisas sobrenaturais e celestes entre as quais deverá viver eternamente?
6. - Como nossa vida de glória esteja escondida com Cristo em Deus
Mas justamente esta vida de glória, em cuja esperança agora nos gloriamos, é ainda mais desconhecida e vista pelo mundo; assim como ele não vê a vida gloriosa com que Cristo ressuscitou e com a qual vive em Deus, isto é, junto de seu Pai. Eis porque S. Paulo dizia "que nossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida - isto é, causa da vossa vida - aparecer, então também vós aparecereis com ele na glória" (Cl 3, 4). Exatamente como a pérola - diz S. João
Crisóstomo - que fica escondida enquanto está dentro de sua concha (8). Mais amena ainda é a semelhança que S. Agostinho usa para elucidar esse trecho. Na crueza do inverno aquela árvore, embora verde, parece seca à vista. Aproxima-se o verão e raiz viva refloresce os galhos e os reveste de frutos. Assim é a nossa vida que se assemelha ao inverno quando o nosso sol que é Cristo está longe de nós e entre nuvens escuras fica fora dos nossos olhares. Nós somos como plantas áridas
por fora, sem folhagem, sem honra, sem aparência ou brilho de beleza; mas por dentro, no entanto, temos viva a raiz, a caridade, em Deus, como terra vital, fixa e fértil. Aparecerá o verão ao aproximar-se da glória de Cristo. Verão então reviver ressurgindo, e dar folhas e frutos - que são os dons gloriosos da felicidade - tanto no espírito como na carne, em nós. "Eia, pois, - exclama aqui S. Agostinho - Eia, pois, meu, dulcíssimo Jesus, esteja firme para mim este acordo contigo: morra eu totalmente para mim e só tu viva em mim; eu todo recolhido me calarei, para que somente tu fale em mim; eu descansarei totalmente, para que somente tu aja por mim" . "Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20.) E em outro lugar: "A nossa cidade está nos céus" (Fl 3, 20). "E vós não viveis segundo a carne" (Rm 8, 9). E de novo: "Desejo desprender-me deste corpo para estar com Cristo" (Fl 1, 23). Eis os sublimes efeitos de um homem morto ao pecado, que não mais
aprecia as coisas terrenas. Eis os sublimes sentimentos que vive escondido juntamente com Cristo em Deus, que não busca senão o que é superior e celestial, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Eis os suaves transportes de um coração arrebatado à doce alegria destes santos pensamentos. É, pois, totalmente conveniente, irmãos, perseverar com toda diligência em seu santo propósito, e tender vivamente ao Céu sem jamais voltar os olhos à terra, "Se pois ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Apreciai as coisas celestes, não as terrenas.
7. - Ao Céu, ao Céu!
Ao Céu, pois, seus pensamentos, ao Céu seus afetos, ao Céu seus corações, onde está seu tesouro, sua vida. Lisonjeiem as riquezas, atraiam os prazeres, encantem as honras que lhes oferece a terra: não é esta sua vida. Quando aparecer a nossa vida, buscaremos então os prazeres, o descanso e o repouso.
Encontraremos então as delícias, mas sem espinhos, os prazeres, mas sem tristezas, as honras, mas sem invejas. Seremos inebriados pelas torrentes das divinas satisfações. Encontraremos as delícias da tranqüila ordem da paz. E no próprio seio de Deus teremos descanso para nossas fadigas, sem necessidades que nos perturbem, sem adversidades que nos aflijam, sem moléstias que nos inquietem.

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