9 de novembro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni

I - FESTA DA TRANSLADAÇÃO DA S. CASA DE LORETO - GRAÇAS À NOSSA
MÃE MARIA, O NOSSO CORAÇÃO TORNOU-SE TEMPLO DE DEUS.

1. - Motivo da festa
Eu não sei, meus irmãos, se estes jovens devotos, empenhados neste dia em honrar Maria, para nutrir em si e difundir ainda em todos nós a mais terna devoção, não sei, digo, se pudessem melhor satisfazer seus cálidos fervores senão apresentando nesta sua solenidade ao nosso espírito a memória daquele aventurado prodígio pelo qual a santa casa de Maria, tirada de Nazaré das mãos dos bárbaros, viu-se um dia voar por longas extensões de terras e mares, sobre as asas dos Anjos, até nossas praias da Itália, e finalmente pousar entre nós estavelmente em Loreto. Que é isto senão um doce convite feito ao nosso coração a fim de que voe veloz a visitar em espírito aquelas sagradas paredes, enquanto para vê-las e beijá-las devotos peregrinos partem das mais remotas partes da Europa?
Felizes paredes! Felizes um tempo guardas daquele belo lírio dos jardins celestes, que brotou dentro do vosso recinto, cresceu e difundiu dali seu odor precioso que foi suficiente para encher de fragrância o mundo inteiro! Vós, mais esplêndida que os palácios soberanos, acolhestes a Rainha dos Céus, a Esposa de Deus. Vós, testemunhas da embaixada do Anjo! E o que é mais, testemunhas do
augusto mistério da Encarnação. Bem-aventuradas paredes! Ó casa consagrada pelos divinos Mistérios! Palácio de Deus, Porta do Céu! Que efeitos sublimes e dulcíssimos despertas em nós!
Bem disse eu, portanto, irmãos, que não podiam estes jovens apresentar objeto mais doce à nossa devoção, nem melhor podiam, satisfazer a própria.
2. - O nosso coração templo de Deus
Parece-me que a própria Maria queira compensar neste dia e com esta ocasião própria, um tão grande obséquio. Pois é verdade que toda nossa suficiência vem de Deus, e que por nós somos incapazes de produzir um único bom pensamento; eu não sei de onde reclamar a origem de um santo pensamento que me formou na mente e que durou sempre com grande constância para poder comunicá-lo neste dia a toda esta minha devota audiência. Parece-me irmãos, que Deus neste dia peça a cada um de nós o nosso coração; porque, como a Casa de Loreto, assim este coração Deus o quer consagrar fazendo-o um templo onde Ele mesmo resida. Eu não farei senão preparar ao Senhor o caminho dispondo-vos a dar-lho com a maior boa vontade; se por acaso há alguém entre vós tão abatido de ânimo, que recusasse, por exagerada timidez, uma tão grande ventura. E a fim de que ninguém pense que eu talvez exceda em propor coisas muito mais bonitas para imaginar-se, que fundadas para crer, ou práticas para poder verificar; ouvi sobre isto o que fala o Apóstolo: "Não sabeis que sois templos de
Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós" (1Cor 3,16). De fato, se bem que se possa dizer que Deus pela imensidão está em todo lugar, Ele habita porém de modo especial nos corações dos justos, aos quais não só a graça com todos seus dons, mas o próprio Espírito autor de toda graça e de todo dom. Agora a fim de enamorar-vos mais de um tal estado, vos peço para considerar um pouco comigo a felicidade de uma alma que por sua grande ventura já o possui.
3. - Deus se delicia conversando com os filhos dos homens
Eis, portanto, esta alma que Deus mesmo elegeu para si como um ameno e delicioso templo ou palácio para residir e deliciar-se. Nós vemos que todos os príncipes têm um lugar de delícias onde divertir-se e aí aplicam toda sua magnificência; embelezando-o de pórticos esplêndidos, de
esplêndidas salas, de amenos jardins. O lugar de delícias do Rei do Céu, sabeis onde é? Eis: "As minhas delícias é estar com os filhos dos homens" (Pr 8, 31), isto é, conversar com eles no mais
íntimo dos seus corações, e aí falar com muita paz com seus servos. Aqui é onde ele nos chama com doce convite: "Vinde libertai-vos de todos os ansiosos cuidados; esvaziai-vos dos afetos impertinentes do século, e provareis quanto é bom, quanto é suave o vosso Senhor, o vosso Deus".
4. - Felicidade da alma que em si mesma encontrou Deus
Afortunada esta alma! Ela não precisa mais andar vagando pelos caminhos ou pelas praças da cidade em busca de seu Dileto; mas já tendo-o encontrado, o Seu Amor, dentro do seu coração, pode ela ainda bem dizer: "O meu bem-Amado é para mim e eu para Ele; segurei-o e não o largarei" (Ct 2, 16; 3, 4). Que paz portanto, que serenidade, cremos nós, irmãos, deverá gozar esta alma! Já o predisse S. Paulo de todos os justos, que serão possuidores de uma grande paz. Não só goza do presente, mas antecipadamente do futuro, esperando a glória dos filhos de Deus, como prossegue o Apóstolo (Rm 5, 1-2). Bem disse, pois Davi, que não a gotas, mas como rios e com grande ímpeto fluiria a alegria na alma que Deus santifica (SI 45, 5).
5. - Mesmo nas tribulações da vida o justo superabunda de alegria
Embora as tribulações desta vida pareçam colocar obstáculos ao livre curso das celestes consolações, eles não fazem na verdade senão reuni-las em maior cópia, multiplicam a impetuosa cheia a fim de que superabundando vençam; daí á que "nós nos gloriamos - assim o mesmo Santo Doutor nas pessoas de todos os justos - até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a
paciência prova a fidelidade, a fidelidade comprovada produz a esperança. Oh! Deus belas palavras! - E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5, 3-5). O Espírito de Deus de fato, fazendo a alma partícipe do seu amor, a santifica; e, portanto, dela como dulcíssima esposa se aproxima, nela habita, opera, e se delícia.
6. - Que felicidade ter Deus dentro de nós!
Que felicidade, meus irmãos, ter Deus dentro de nós! Ele é o sumo bem que pode preencher perfeitamente todas as nossas potências, porque nele são recolhidas todas as perfeições e se encontram todos os gostos para satisfazer cada coração segundo sua particular inclinação. Por isso ele em um lugar da Escritura se chama "maná escondido" (Ap 2, 17); e em um outro lugar fala: "Põe tuas delícias" no Senhor", ó coração humano; "e os desejos do teu coração ele atenderá" (SI 36, 4).
Amamos nós os bens, os prazeres? Mas quando mais os teremos senão quando possuirmos aquele que é todo bem, toda suavidade? Alegramo-nos com as amizades? Qual amigo, mais querido que Deus? Os amigos nos amam porque em nós existe algum bem; o amor de Deus causa em nós este
bem; daí Deus nos ama mais para fazer-nos bons com sua própria bondade, nos ama de forma para embelezar-nos com sua própria glória. E quem poderá desconfiar do seu amor? "Depõe no Senhor os teus cuidados, diz o Profeta; porque ele será teu sustentáculo" (SI 54, 23). Deus é liberal em
nossas necessidades; luz em nossas dúvidas, consolo em nossos trabalhos, refrigério em nossas penas, repouso nas fadigas, nosso sustentáculo, nossa fortaleza, e nossa paz. Amamos as honras? Mas que maior honra que ser templo de Deus? E segundo a frase do Apóstolo, "glorificar e levar Deus ao nosso corpo mortal?" (1 Cor 6, 20). Pois se tanta honra se deve às Igrejas porque são templos materiais da majestade de Deus; como não será honrado pelos Anjos e pelos homens um templo vivo, todo esplêndido, interior, em que se realizam castas e sublimes núpcias entre Deus e a alma? "Desposar-te-ei - já ele o fizera saber desde os seus Profetas - com fidelidade e conhecerás o Senhor" (Os 11, 21), na justiça, na caridade, que estas são justamente as três gemas preciosas com que a adorna. Se quiserdes ver também o vestido desta esposa celeste, S. Paulo o fará ver: oh! Deus! quanto esplêndido! "Vesti-vos" - ele diz - e do que? "Vesti-vos do Senhor nosso Jesus Cristo" (Rm 13, 14).
Que beleza poderá ser comparada à de uma alma que Deus adornou para fazê-la sua esposa? A mim falta-me cores para pintá-la; vos direi somente, cheio de assombro com o mesmo Apóstolo, que quem se une a Deus com uma adesão tão estreita, se torna com uma transformação amorosa um mesmo espírito com Ele (1 Cor 6, 17).
7. - Deus quer entrar no coração do pecador
Que vos parece, irmãos? Eu bem vejo que não podia neste dia tocar cordas mais suaves ao coração de uma tão piedosa e devota audiência. Porém vejo ainda que alguma coisa entre vós, por exagerada timidez, foge de um tão doce convite, e vai talvez dizendo no seu coração: Ó Deus estas coisas são tão bonitas, mas não para mim. Eu te entendo, te entendo. Tu temes talvez teus graves pecados, e tua
bem conhecida miséria. Mas o que! Se diante de tudo isto eu te fizesse ver com teus próprios olhos o mesmo Cristo à porta do teu coração? E ouvisse com teus ouvidos pedindo para entrar? Abre pois as divinas Escrituras, e vê no Apocalipse o que está escrito; ouça as próprias palavras de Cristo: "Eis que estou à porta e bato". Porque duvidar mais? Agora que tua fé te dá a maior certeza acima de qualquer outro sentido? Sim, eu estou à porta do coração, e de que coração, senão do teu, ó
pecador? Enquanto nos justos ele já está dentro bem acolhido e como pacífico posseiro. Bate no teu coração neste ponto também com tantas luzes, com tantos impulsos, pondo-te diante dos olhos a felicidade suma a que tu podes chegar com os mesmos afetos que em ti desperta por ventura esta pregação. Sim, eu bato: "se alguém me abrir eu entrarei até ele". Ele fala como um hóspede que vem de noite; e significa que ele, esquecido de toda injúria e de toda repulsa, quer viver contigo com
muita familiaridade de amizade e receber teus obséquios. Nem somente diz: "eu entrarei"; mas também "cearei com ele e ele comigo" (Ap 3, 20); isto é familiarizarei, e me deixarei tratar com muita confiança deliciando-me familiarmente com ele com muita alegria, como costumam os amigos. E ele reciprocamente comigo, nesta cela deliciosa de celestes prazeres, no uso dos meus sacramentos e na comunicação suave dos mais doces e amorosos segredos; não desdenharei recebê-lo em minha casa. Onde se vê que Cristo fala sempre como um hóspede, mas muito rico e abastado, que entrando na casa dos outros beneficia muito mais e leva mais dons, que daí recebe. Vós espantais de tais coisas feitas aos pecadores? Eu me espantarei muito mais em ver que Ele não contente em nos haver feito falar do seu amor pelos seus servos e Profetas, desceu ele mesmo do céu, tomou-se homem para correr atrás de nós em pessoa, como um rei - diria aqui S. João Crisóstomo - como um rei que
enamorado de uma simples pastorinha, disposto a tirá-la da cabana para seu palácio para torná-la sua esposa, não se contenta de expedir-lhe ilustres embaixadores; mas desce ele mesmo do seu trono e deposta toda glória, - quase temendo atemorizá-la e confundi-la com seu grande esplendor, sua simplicidade - se reveste de pastorzinho, a procura pelos bosques, e simulando maneiras rudes e
simples para insinuar-se, trata por si mesmo com ela sobre seu amor. Oh! Deus! Espantaremos nós com os transportes dos amantes? Eis senão que o nosso Rei Amante foi assim transportado além pelo seu amor chegando a dar a vida por nós. Oh! Amor! Vós vencestes. Não há mais escusa da nossa insensibilidade para negar a entrada do nosso coração a um Amante tão terno que pede; que nos pede só para fazê-lo feliz.
8. Cristo espera, e Maria chama, também a alma mais miserável 
Aquele insólito júbilo que no vosso rosto irmãos, a toda hora se manifesta hoje, como creio firmemente que vós já abristes ao amoroso Hóspede o vosso coração, assim eu não sei bem dizer-vos que alegria sinto. Mas ai, porém! Se entre vós tivesse uma única alma que ainda não tivesse
tido um tão amoroso convite; como poderia ser perfeita a minha alegria, ao ver-me tirada a mais bela porção daquele fruto que eu já esperava quase certo? Embora eu ainda o espero. Eis, pois, cheio daquele ardor, animado daquela fé dirijo-me a ti, mísera alma infeliz, - se aqui a houvesse - estas minhas últimas palavras: sim. Deus te quer; Deus continua a pedir-te o coração. Que fazes? Que pensas? Que duvidas ainda? Vede-o este teu coração, como triste e de muito tempo, sob o bárbaro jugo de um afeto tirano que o oprime, angustiado pela impaciência, alimentado só pela dor, fechado entre as sombras da tristeza e de temores. Ele é feito para Deus, porque o obrigas a servir ao pecado? Quantas vezes ele não te pedia - depois de tantas provas infelizes - que tu deixasses que ele se abrisse a um sacerdote, que o levasses para Deus, e tu cruel o negaste? E não é talvez isto verdadeiro? Daí é que o próprio Deus agora se move de compaixão para com ele, o procura, o atrai. Ah! quem quer que sejais, irmãos, a quem Deus toca tão fortemente o coração neste dia, atende-lhe compaixão vós também, aquietai-o uma vez este pobre coração, fazei quando vos pede, que não pede senão o que é útil para vós. Que alegria não provareis, então! Como vos parecerá coisa nova sentir-se todos de Deus, entre tantas delícias, passadas apenas tantas moléstias! Que conforto ver vossa alma como um magnífico templo! E conversar com Deus na paz da boa consciência, onde antes era um covil de demônios de maus afetos que vos angustiavam e vos pungiam a todo momento! Encontrar dentro de vós toda consolação; não mais afligir-vos pelo passado; mas doce alegria do bem presente, e alegre esperança do futuro! E demorais um só momento para procurar-vos uma tão grande felicidade? Já
Cristo vos espera, Maria vos chama. Ela, sim Ela quer abrir vosso coração ao seu Filho. Se resististe até agora às minhas palavras, não resistireis mais às suas mãos amorosas.
9. - Maria triunfa sobre o pecador
Virgem Santa, eis-me a vossos pés. A Vós todos os nossos olhares se voltam, a Vós toda a nossa confiança, a Vós todas as nossas súplicas. Sim, a Vós se deve a honra desta vitória pois Vós haveis inspirado o conselho. Eis que já começa a despontar sobre os olhos alguma, lágrima, precursora de um largo pranto que lavará as culpas passadas. A Vós se volta o pecador, já resolve, já propõe. O
triunfo é completo. Viva , pois, o Amor! Viva a Mãe do belo Amor, Maria; exultemos todos, irmãos, louvemos Deus, louvemos Maria. E vós mais que todos louvai-a, castos jovens, aos quais a Virgem nossa Senhora tão bem compensou vosso obséquio. Vós honrastes sua casa; Ela fez do vosso coração templo de seu Filho. Nem só isto; mas por vossa causa veio-nos tão grande felicidade, pelo que
esperamos que depois de haver acolhido o nosso Rei amantíssimo, como hóspede, em nosso coração, nos dará Ele lugar no seu reino, onde com Ele viveremos por todos os séculos.

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