OPÚSCULO VIII
O pe. Baltasar
Álvarez, um grande servo de Deus, dizia que não devemos pensar ter feito algum progresso no caminho de Deus,
se ainda não chegamos a ter sempre no coração a Jesus
crucificado.
São Francisco de Sales escreve que o amor que não nasce da
paixão é fraco. E é mesmo, porque não dá coisa que mais nos obrigue
a amar o nosso Deus do que a Paixão de Jesus Cristo, isto é,
saber que o Padre eterno, para nos mostrar o excesso do amor que
nos PODER QUE TEM A PAIXÃO DE JESUS CRISTO consagra, quis enviar
seu Filho unigênito à terra para morrer por nós, PARA ACENDER O AMOR DIVINO pecadores. Isso levou o Apóstolo
a escrever que Deus, pelo grande EM NOSSOS CORAÇÕES amor com que nos amou, quis que a morte
de seu Filho nos trouxesse a vida:“Pela extrema caridade com que nos amou, nos
convivificou em Cristo, quando estávamos mortos pelos pecados” (Ef 2,4).
Foi isso justamente o que queriam exprimir Moisés e Elias no
monte Tabor, ao falar da paixão de Jesus Cristo como de excesso de amor:
“E falava de seu excesso que havia de realizar em Jerusalém”(Lc
9,31).
Quando nosso Salvador veio ao mundo para remir os homens, os pastores ouviram os anjos cantarem: “Gloria a Jesus nas
alturas”(Lc 2,14). Mas ao humilhar-se o Filho de Deus, fazendo-se homem
por amor do homem, parecia que antes se obscurecia do que se
manifestava a glória de Deus. E afinal não era assim, pois a glória de
Deus não podia ser melhor manifestada ao mundo do que pela morte
de Jesus em prol da salvação dos homens, visto a Paixão de
Jesus nos ter manifestado as perfeições dos atributos divinos. Ela nos
fez conhecer a grandeza da misericórdia divina, querendo um Deus morrer para salvar os pecadores e morrer de uma morte tão dolorosa
e ignominiosa. S. João Crisóstomo diz que o sofrimento de Jesus Cristo não foi um sofrimento comum e a sua morte não foi uma
simples e semelhante à dos homens (Serm. de pass.). Ela nos fez
conhecer a sabedoria divina. Se nosso Redentor fosse somente Deus não
poderia satisfazer pelo homem, porque Deus não poderia satisfazer a
si mesmo em lugar do homem, nem poderia satisfazer padecendo,
sendo ele impassível. Pelo contrário, se fosse somente homem, não
poderia como tal satisfazer pela grande injúria feita a
Majestade divina.
Por isso, que fez Deus? Enviou seu próprio Filho, verdadeiro
Deus como ele, a tomar a natureza humana par a que assim, como
homem, pagasse com a morte a justiça divina e como Deus lhe desse uma satisfação completa. Ele fez-nos conhecer a grandeza da
justiça divina. S. João Crisóstomo dizia que não é tanto o inferno,
com o qual Deus castiga os pecadores, que demonstra quão grande seja a
sua justiça, como Jesus Cristo na cruz, já que no inferno são
punidas as criaturas por seus próprios pecados, ao passo que na cruz se
vê um Deus martirizado para satisfazer pelos pecados dos homens.
Que obrigação tinha Jesus de morrer por nós? “Foi oferecido
porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). Ele poderia sem injustiça abandonar
o homem na sua desgraça, mas o amor que lhe tinha não lhe permitiu
vê-los infelizes e por isso escolheu entregar-se a si mesmo a morte
tão penosa, para obter-lhes a salvação: “Ele nos amou e entregou
a si mesmo por nós”(Ef 5,2). Desde toda a eternidade havia amado
o homem:“Eu te amei com uma caridade perpétua”(Jr 31,3).
Vendo-se, porém, obrigado por sua justiça a condená-lo e a tê-lo
sempre longe de si no inferno, sua misericórdia o impele a descobrir um
meio de poder salvá-lo. Mas como? Satisfazendo ele mesmo a divina
justiça com sua morte. E assim quis que na própria cruz em que
morreu fosse afixado o decreto de condenação do homem à morte
eterna, para que fosse destruído ou apagado com seu sangue (Gl
2,14).
Dessa maneira, pelos merecimentos de seu sangue, alcançou-nos o perdão de todos os crimes: “Perdoando-vos todo os
delitos”(Gl 2,13). Conseqüentemente espoliou o demônio de todos os
direitos adquiridos sobre nós, conduzindo consigo em triunfo tanto
seus inimigos como nós sua presa: “E despojando os principados e potestados, sobranceiro os levou cativos triunfando
manifestamente deles por si mesmo”(Cl 2,15). Teofilacto comenta: “Como um
vencedor e triunfador carregando consigo a presa e os homens em
triunfo”.
Por isso Jesus Cristo, satisfazendo a divina justiça, ao
morrer na cruz, não falou senão em misericórdia; pediu a Padre que
tivesse misericórdia dos mesmos judeus que haviam tramado a sua
morte e dos carrascos que o trucidaram: “Pai, perdoai-lhes, porque
não sabem o que fazem”(Lc 23,34). Estando na cruz, em vez de punir os ladrões que pouco antes o haviam injuriado: “E os que foram
crucificados com ele o afrontavam” (Mc 15,32), ouvindo que um deles lhe pedia misericórdia: “Senhor, lembrai-vos de mim quando
estiverdes em vosso reino”(Lc 23,42), ele, cheio de compaixão,
promete-lhe o paraíso para aquele mesmo dia: “Hoje estarás comigo no
paraíso” (Lc 23,42). Antes de morrer, nos deu por mãe sua própria
mãe: “Então disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe”(Jo 19,27). Na cruz,
declara que está satisfeito por ter feito tudo para obter-nos a
salvação e coroa tudo com a sua morte: “Sabendo então Jesus que tudo estava
consumado, disse: Está tudo consumado. E tendo inclinado a cabeça,
entregou o seu espírito”(Jo 19,28).
Eis o homem livre do pecado e do poder de Lúcifer pela morte
de Jesus Cristo e além disso elevado ao estado de graça e de
graça maior que a perdia por Adão. “Onde abundou o delito,
superabundou a graça”(Rm 5,20). Resta-nos agora, diz o Apóstolo, recorrer
sempre com confiança a esse trono de graça, que é justamente Jesus
crucificado, para que recebamos de sua misericórdia a graça da salvação e os auxílios oportunos para vencermos as tentações do mundo
e do inferno (Hb 4,16).
Afetos e oração. Ah, meu Jesus, eu vos amo sobre todas as
coisas e quero eu amar senão a vós que sois uma bondade infinita e
por mim morrestes? Desejaria morrer de dor cada vez que penso
que vos expulsei de minha alma com os meus pecados e que me
separei de vós que sois meu único bem e tanto me tendes amado. “Quem
me separará do amor de Jesus Cristo?” Só o pecado me pode
separar de vós. Mas eu espero do sangue que derramastes por mim, que
não haveis mais de permitir que eu me separe jamais do vosso
amor e perca a vossa graça que eu aprecio acima de todos os bens.
Eu me dou todo a vós, aceitai-me e prendei todos os meus afetos
para que eu não ame a ninguém mais senão a vós.
O amor de Jesus nos constrange.Talvez Jesus Cristo pretenda muito, querendo que nos demos inteiramente a ele, que nos
deu todo o seu sangue e a sua vida, morrendo por nós na cruz? Ouçamos
o que diz S. Francisco de Sales sobre as palavras: “A caridade
de Cristo nos impele”(2Cor 5,14). “Saber que Jesus nos amou até à
morte e morte de cruz não é sentir nossos corações oprimidos por uma
violência que é tanto mais forte quanto ele é mais amável? O meu Jesus se deu todo a mim e eu me todo a ele, e eu viverei e
morrerei sobre o seu peito, e nem a morte nem a vida me separarão jamais
dele”.
Jesus Cristo morreu, diz S. Paulo, para que cada um de nós
não viva mais para o mundo nem para si mesmo, mas só para ele,
que se deu inteiramente a nós: “E Cristo morreu por todos, para que
os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que
morreu por eles”(2Cor 5,15). Quem vive para o mundo, busca os
prazeres do mundo; quem vive para si mesmo, busca a sua satisfação; quem
vive para Jesus Cristo, não procura agradar senão a Jesus e nada
teme senão desgostá-lo; não se compraz senão em vê-lo amado e não
se aflige senão em vê-lo desprezado. Isso é viver para Jesus
Cristo e isso é o que ele exige de cada um de nós. Pergunto
novamente: talvez exige muito de nós quem deu seu sangue e sua vida para cada um de nós?
Ó Deus, e por que havemos de empregar os nossos afetos em amar as criaturas, os parentes, os amigos, os grandes do
mundo que não suportaram por nós nem flagelos, nem espinhos, nem
cravos, não derramaram por nós nem uma gota de sangue, e não amar um Deus que por nosso amor desceu do céu à terra, fez-se homem,
derramou todo o seu sangue à força de tormentos, e finalmente morreu de dores num madeiro para cativar os nossos corações! Mais
ainda: para unir-se mais estreitamente a nós, deixou-se ficar
depois de sua
morte sobre nossos altares, onde se torna uma só coisa
conosco para nos fazer compreender o amor ardente que nos tem:
“Mistura-se conosco para que sejamos um com ele: isso é próprio dos que
amam ardentemente”, diz S. Crisóstomo. E S. Francisco de Sales
acrescenta, falando da santa comunhão: “Em nenhuma outra ação pode-se considerar o Salvador nem mais terno, nem mais amoroso que
neta na qual se aniquila por assim dizer, e se reduz a comida
para unir-se aos corações de seus fiéis”.
Afetos e oração. Mas como é possível, Senhor, que eu, depois
de ter sido amado por vós com finezas tais, tenha tido a
ousadia de vos desprezar, como mui justamente mo lançais em rosto: “Eu
criei e engrandeci uns filhos e eles me desprezaram”(Is 1,2). Eu tive coragem de voltar-vos as costas para satisfazer os meus apetites.
“Lançaste-me para trás de teu corpo” (Ez 23,35). Tive ânimo para
expulsar-vos de minha alma: “Os ímpios disseram a Deus: retira-te de nós”
(Jó 21,14). Tive a ousadia de afligir o vosso coração que tanto
me amou. Mas então devo desesperar de vossa misericórdia? Amaldiçôo
os dias em que vos ofendi. Oh! tivesse eu morrido mil vezes
antes, ó meu Salvador, e não vos tivesse ofendido! Ó Cordeiro de
Deus, vós vos deixastes sangrar na cruz para lavar com o vosso sangue
os nossos pecados. Ó pecadores, quanto não daríeis por uma gota
de sangue deste Cordeiro no dia de Juízo? Ó meu Jesus, tende
piedade de mim e perdoai-me; conheceis, porém, a minha fraqueza,
prendei por completo a minha vontade, para que ela não se rebele
mais contra vós. Expeli de mim todo o amor que não for por vós. Expeli
de mim todo o amor que não for por vós. Eu vos acolho por meu único
tesouro, por meu único bem: vós me bastais e não desejo outro bem
fora de vós. “Deus de meu coração e minha partilha e Deus para
sempre”.
Ó ovelhinha amada de Deus, vós que sois a mãe do divino
Cordeiro (assim a chama S. Teresa), recomendai-me o vosso Filho; vós, depois de Jesus, sois a minha esperança, pois que sois a
esperança dos pecadores; nas vossas mãos coloco a minha salvação
eterna. “Esperança nossa, salve”.
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