II - O SS. NOME DE JESUS
1. O nome de Jesus é o retrato de um amante o mais amável
Embora seja verdade que um objeto, por mais amável em si mesmo não chega a aquecer com seu amor os peitos dos outros se antes não se deixa ver e contemplar bem de perto; nem menos acontece alguma vez que uma rara beleza soube atrair os corações dos outros somente figurada sobre tela morta de um sábio pincel. Que se é assim, a mim já não dói muito se aos nossos olhos mortais é
negado ver pessoalmente um objeto o mais amável como é Jesus, para acender no meu e nos vossos corações um vasto incêndio de amor; enquanto eu posso mostrar-vos o retrato de sua beleza, retrato o mais vivo; já que a nós trazido do Céu pelas mãos daqueles mesmos Anjos que diariamente o enamoram. Eia pois, devotos irmãos, preparai o vosso coração não já para amar, mas para arder. Aliás, direi melhor, preparai vossos olhos para ver, que certamente o coração o seguirá bem depressa com os mais fervorosos afetos. O Nome de Jesus de fato é um retrato de um amante o mais amável.
Antes de tudo creio tornar bem patente o fundamento em que me apoio. E é S. Bernardo. Ele de fato diz: "Quando eu nomeio Jesus, eu me proponho um homem o mais perfeito, o mais santo, adornado de toda beleza e virtude; e este mesmo eu o proponho Deus, onipotente, justo, clemente, misericordioso. Sumo Bem, infinito: "tudo isto me soa quando soa Jesus; e é por isso que este nome é mel em meus lábios, melodia aos meus ouvidos, suavidade ao meu coração". É próprio dos verdadeiros retratos apresentar aos olhos o objeto por ele figurado - mesmo distante e desconhecido - de modo que a idéia que formo ao contemplar a imagem, seja em tudo adequada, ou ao menos semelhante, ao que me poderia formar a visto do objeto em si mesmo. Posto isto, quando, pois, eu chegar a demonstrar que neste nome de Jesus se manifestam todas as qualidades que tendem a constituir Jesus por amante o mais amável; eu creio então que terei provado o meu assunto.
2. Jesus é Deus e homem
Eis, pois, expliquemos este nome. O Anjo que o trouxe do Céu disse: "Lhe porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados" (Mt 1, 21). Agora me parece ver muito neste nome; ver, isto é, um Salvador, um" Mediador entre Deus e os homens, que satisfaz a justiça divina pelos pecados de todo mundo. Porém eu vejo tudo isto ainda em enigma e confuso. Eis que S. Cirilo começa esclarecer neste ponto perguntando: Como pode este chamar-se Salvador do mundo, se não é Deus? De fato se Jesus não é de dignidade infinita, igual àquela infinita de Deus que foi ofendido pelos nossos pecados; não se pode entender como ele tenha dado uma satisfação igual à ofensa;
portanto Jesus é Deus. Mas se Ele é somente Deus, acrescenta S. Agostinho, como poderá ser
mediador entre Deus e os homens? De outro modo Deus haveria dado satisfação a si mesmo, e não o homem pecador a Deus ofendido como toda razão requer. O nome de Jesus, pois - enquanto nos mostra um Salvador dos pecados de todo mundo - nos apresenta um homem que é ao mesmo tempo Deus, com todas as perfeições que poderá convir tanto à natureza humana como à divina.
3. - Convite a contemplar Jesus.
Já foi tirado o véu deste retrato, fixemos devotamente o olhar contemplador para notar as amáveis qualidades. Amais a beleza? Eis um homem, o mais perfeito, cuja beleza vista mesmo de longe, em espírito, pelo Profeta, o fez exclamar maravilhado que Ele era "o mais belo entre todos os filhos dos homens", e que a "graça", não já espalhada, mas total "estava difundida sobre aqueles lábios" (SI 44, 3). Amais o espírito rico de ciência, fornecido de virtude? Eis uma mente, "na qual foram colocados todos os tesouros da ciência e da sabedoria de Deus" (Col 2, 3); uma santidade tão perfeita que desafia os próprios êmulos a opor-lhe sombra de culpa. Amais a doçura, cortesia, e bondade de coração? Ah! Coração amável do meu Jesus, doce, benigno, afável, clemente, misericordioso. Quem o provou tarde demais para sentir piedade de sua miséria? Ou duro para receber seus pedidos? ou
severo para dar-lhe o perdão de suas culpas? Oh! Jesus amável! Agora sim que eu não me admiro, se ao fixar o olhar em vós, tenha a Madalena esquecido todos os amores e amantes por não poder amar
outros senão Vós ver outros senão Vós, ouvir outros senão Vós viver com outros senão Convosco e só por Vós. Oh! Marta, Marta, não a perturbe naqueles doces colóquios com seu Bem, no qual toda sozinha aos pés do seu Jesus funde todos os afetos mais ternos do seu enamorado coração. Ela sim escolheu a melhor parte, que não se lhe será tirada. (Lc 10, 42). E que outra coisa fará ela no Céu?
Que outra coisa faremos nós também, senão ver Deus, vendo-o amável, amando-o ser felizes? Mas vendo Jesus não vejo também o meu Deus? Amando Jesus não amo também o meu Deus? Aquele Deus tão perfeito em todo gênero de perfeição, que somente Ele basta para forçar a si mesmo uma eterna Beatitude, e a tornar felizes com sua visão também todos os Santos? Ah! e que outra coisa será
pois digno objeto do seu amor senão Jesus?
4. - Jesus é o amante mais terno e apaixonado
Se vimos neste nome o que pode tornar-nos Jesus o objeto mais amável, nos resta ainda ver o que o qualifica como amante mais terno. De fato neste nome de Jesus vós vedes um Salvador, um Deus, isto é, que por nós homens, e pela nossa salvação desceu do Céu, se fez homem e deu sua preciosa vida em redenção pelos pecados que haviam tornado nossa alma escrava do demônio, condenada ao inferno; lavou-a com seu Sangue, adornou-a com sua graça para coroá-la enfim com sua glória. E que é ver tudo isto se não ver um amante o mais apaixonado? É próprio dos amantes apaixonados amar tão fortemente, que nem dificuldades os retardam, nem perigo os abate, nem a própria morte consegue atemorizá-los. Mas esquecidos de si mesmos, tudo fazem, tudo sofrem, tudo ousam para agradar e unir-se aos que amam. Acontece também muitas vezes que o amor os cega a ponto de não ver mais aqueles próprios defeitos que viciando indecentemente o objeto por eles amado, o tornam desprezíveis aos olhos de todos fora eles. Antes, ainda mais, a própria ingratidão, com que muitas vezes vem retribuindo seu amor, ao invés de enfraquecer suas chamas, mais as reacende. E tal
amante é justamente Jesus.Deus, como Ele é, amava tua alma, ó homem, porque nela via a sua imagem. Mas esta imagem era deturpada pelo pecado; mas esta alma por Ele criada vendeu-se
como escrava ao inferno; mas esta alma era também inimiga de Deus. A Justiça divina, que não pode tolerar que se ame o pecado, se opunha fortemente ao seu Amor. Mas encontrou-se modo de satisfazer a justiça e de contentar o Amor. Convém, portanto, aviltar, direi quase, a divina Majestade; convém, isto é, sujeitá-la, na natureza humana já assumida, a uma morte a mais ignominiosa. Mas nem mesmo a morte, e tal morte, é capaz de deter o amor; já que este - como diz o Sábio - "é forte como a morte" (Ct 8, 6) . E eis que este amante para recuperar sua amada não desembolsa "ouro corruptível ou prata, mas todo seu precioso sangue" (1Pd 1, 18). E se ela tornar de novo a cair nas mãos do inimigo infernal brutalizando-se com o pecado, Jesus tornará cada dia mais a oferecer a
mesma Vítima sobre os altares, lavará a alma com seu Sangue, do qual abre uma fonte perene no seio da sua Igreja.
5. - A espera de Jesus
Que pretendeis Vós, meu Jesus, com tanto amor? Ouvi, ouvi, palavras, ou melhor, transportes de amor: Só que ela me ame, e consinta às minhas castas núpcias. Já fiz falar por meus amigos, e lhe foi dito da minha parte: 'Ouve ó filha, e vê, inclina teus ouvidos; esquece tua casa e teu povo, e o Rei do Céu se enamorará da tua beleza’ (SI 44, 11-12). Mas ele foi um pouco esquiva a esta minha voz. "Eu mesmo então resolvi ir até ela em pessoa, e para que o fulgor dos meus raios não retraíssem a sua timidez de falar-me, encontrei ainda um modo de esconder-me sob o véu sacramental e de entrar quase furtivamente em seu coração, onde eu possa falar domesticamente. Estou aqui esperando que ela consinta os meus votos, uma só palavra, como basta para fazê-la feliz eternamente, assim basta também para tornar contente meu coração".
6. - Conservemos sempre em nosso peito o retrato de Jesus
Então este nome dulcíssimo, ó almas amantes de Jesus, o retrato do vosso amante mais amável, como já o propus a contemplar desde o princípio, onde não satisfeitas de havê -lo contemplado com amor hoje, levai-o como preciosa gema pendurada ao peito convosco a vossas casas. Aqui no silêncio dos quartos domésticos, em algum momento de solidão amiga dos suspiros dos amantes, tirará alimento a vossa chama, consolação vosso espírito, conforto vosso coração. Já que nada é mais querido a um coração amante que mantém há muito tempo a esperança de ver e possuir bem seu amado, quanto ter diante dos olhos um precioso retrato.
7. - Apelo à alma relutante
Que se entre as muitas almas devotas que formam esta piedosa audiência, houvesse uma tão preocupada com afetos estranhos que com maior gosto teria querido ouvir falar de outros amores, ou teria apreciado desejar outros retratos; uma alma que diante de tanta amabilidade não pôde ainda esquecer os primeiros amores, como eu facilmente me persuadia; que outra coisa deverei eu fazer se não culpar-me de não ter sabido levar senão uma muito débil chama a este retrato tão vago e chorar por ter perdido a mais bela porção do fruto cuja ilusão me animava a falar? Mas, oh! Ouça um pouco quem quer que sejas, mísera alma infeliz: reflete como já te persuade o Apóstolo, dever "passar brevemente a figura e a aparência deste mundo" (1Cor 7, 31). Qual, portanto, será teu desespero, quando, escapados de tuas mãos e de teus olhares estes bens aparentes, abrires estes olhos para admirar a verdadeira Beleza e a imutável Bondade deste Jesus, mas só para poderes arrepender de havê-la tão mal trocada, e chorar por havê-la eternamente perdida? Que inveja ver-se privado de todo bem, enquanto outras almas serão chamadas às núpcias deste Esposo tão amável, que também a ti estende agora tão docemente a mão? Possível que teu coração - por outro lado tão fácil de acender-se
a qualquer brilho mais leve de beleza mísera e fugidia, tão terno para não saber negar largas recompensas de afeto a quem lhe proporciona escassez e enganadores convites - permaneça frio diante de um sol de Beleza, se endureça à vista de um transporte tão vivo de Amor? defendes. Muito bem; e que faço eu agora? Não mais farei violência ao teu coração; mas se deixo em paz o teu, não posso mais deter o meu.
8. - Oração
Eis-me a vossos pés, ó meu Jesus, sim, eis uma alma que para correr atrás de muitas curiosas vaidades Vos abandonou. Sumo Bem, muito digno objeto de meu amor. Tarde vos conheci, antiga beleza, tarde vos amei (6), eterna Bondade; mas agora não posso mais vos conhecer, não posso mais não vos amar. E se a minha fealdade não m retraísse, teria já oferecido nesta hora todo meu coração a Vós que com tanto amor mo pede. Que digo eu? Voa não nos amais porque em nós existe bondade, mas nos amais só para nos encher de bens. Eis, pois, o meu coração. É toda obra vossa esta alma; lavai para Vós, limpai-a, enfeitai-a para fazê-la digne esposa vossa; sim, é toda vossa. Nem sou eu só a vos oferecer meu coração; agora que se vê preparar tantos bens oferecendo a vossa mão a uma alma tão pecadora como eu sou, também a última alma cede ao meu exemplo. Avante, pois; eis que juntos damos um adeus às vãs belezas e aos bens caducos desta terra, para não amar outrem senão Vós, viva Jesus, nosso amor, viva Jesus! Faremos soar muitas vezes em nosso lábio este nome dulcíssimo, para que vendo nele o retrato do nosso amor tão amável, nos recordemos a quem demos o nosso coração hoje, para negá-lo com toda força para o futuro a qualquer objeto menos digno que no-lo pedisse.
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