7 de outubro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe Gaspar Bertoni.

XVI - A SOBERBA

1. - O que é a soberba
Não existe vício que mais comumente e com maior estrago prevaleça sobre o coração dos homens, nenhum que mais insidioso cubra os seus assaltos, e que mais dificilmente se erradique, que a soberba.
A soberba comumente é definida: Um apetite desordenado da própria excelência. E isto então acontece quando o homem se exalta sobre aquilo que lhe é prescrito pela regra e pela medida divina, corno ensina S. Tomás .
2. - Ato próprio da soberba é o desprezo de Deus
Deve-se notar aquilo que acrescenta o mesmo angélico Doutor: que isto é, nos outros pecados o homem se afaste de Deus ou por ignorância ou por enfermidade ou por desejo de qualquer outro bem; mas a soberba introduz aquela aversão a Deus por não querer sujeitar-se a Ele e à sua regra. Pelo que o afastar-se de Deus nos outros pecados é como uma conseqüência, pendente por si mesmo à
soberba, cujo ato próprio é o desprezo de Deus, só a soberba se opõe a Ele .
O soberbo é um rebelde; pois o Eclesiástico já escreve que o princípio da soberba do homem é apostatar-se de Deus (Eclo 10, 14; é um rebelde ousado, que com as armas na mão assalta o seu supremo Soberano no seu próprio trono para expoli-á-lo de sua glória. E em tão nefanda rebelião o soberbo não se serve de outras armas, de atirar diante do trono divino as suas coroas (Ap 4, 16) as refere a si mesmo e ao seu próprio merecimento, e quer que os outros lhe tributem toda aquela
glória que se deve só a Deus.
3. - Deus resiste aos soberbos
Eu sou o Senhor; este é o meu nome; não darei a outrem a minha glória (Is 42, 8). Parece-me ver Deus como um príncipe irado que despoja das armas honradas, dos privilégios, da dignidade, dos feudos, aquele cavalheiro desleal que se rebelou. Assim Deus se apressa em espoliar de seus grandes dons o seu rebelde até à ignomínia; e destes mesmos reveste em seu lugar os humildes como súditos
fiéis que com prontos obséquios prometem usá-los em seu serviço, e dos quais ele espera conseguir a glória da vida. "Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes" (Lc 1, 52).
4. - A própria misericórdia de Deus solicita o castigo dos soberbos
Não penseis que a misericórdia de Deus tenha neste caso de interpor-se em favor dos filhos rebeldes; pois Deus não somente assegura os direitos do seu supremo Ser, quando humilha os soberbos; mas provê ao mesmo tempo o nosso bem.
De fato a soberba, considerada como vício especial, é respectivamente o maior de todos os vícios; e considerada pela influência que tem nos outros pecados, é quase a rainha e a mãe de todos: "princípio de todos os pecados a soberba" (Eclo 10, 15).
Ela é ainda a ruína de todas as virtudes; e assim bem depressa o soberbo se verá precipitado no fosso de todo mal; e a alma dele, quase como um campo espoliado e deserto de toda virtude, se transformaria em um covil de todas as mais monstruosas e horríveis feras, se para reparar tantos danos, Deus não acorresse prontamente com a humilhação.
Tanto mais que este vício é dificílimo de conhecer; sim, porque é um pecado espiritual; sim porque cobre toda sua deformidade debaixo de uma especiosa veste imitadora de virtude; antes entre as mesmas virtudes perfeitas gosta de esconder-se, como cobra venenosa entre as flores. Portanto de nenhum outro vício mais temiam os santos, sabendo como este é o primeiro a insinuar-se, assim é o último a deixar e a vencer. Por isso usavam muita diligência para investigar-lhes os sinais no
mais secreto do seu espírito; e quanto mais crescia nele a luz, tanto mais temiam de se tornarem soberbos, e como tais humildemente confessando-se, se chamavam de rebeldes e ladrões da honra de Deus.
Oh! Deus! O fato de não se reconhecer soberbos é talvez sinal de maior soberba! Que graça é, pois, sermos humilhados por Deus, enquanto assim chegamos a conhecer e reparar tanto mal! Mas se a coisa é assim, quando a própria misericórdia ao invés de suspender os flagelos de Deus, ela própria os deve estimular, quem poderá mais duvidar do ânimo resoluto de Deus em humilhar os soberbos?
5. - Poder de Deus em humilhar os soberbos
Talvez se duvidará do poder de Deus? Não terá ele raios tão acesos para abater estas torres tão fortes? Não turbilhões tão violentos para desarraigar estes cedros tão robustos? Não terremotos tão galhardos para fazer abalar estes montes tão altos de presunção?
Basta somente que Ele volta para outro lado a face para que logo a alma, que pouco antes, envaidecida dos dons gratuitos sobrenaturais, insultava as outras caídas, se torne conturbada e confusa com a triste experiência da sua fraqueza.
Uma ligeira febre basta para amansar aquele jovem que como um leão feroz tanto presume das suas forças. Uma pequena doença que murche um pouco a flor daquela graça, basta para fazer inclinar o pescoço orgulhoso àquela senhora soberba. Basta, enfim, que Deus retire, ou não mais cuide de conservar em nós, os seus dons, para que fiquemos humilhados.
Quem és tu, ó homem, que queres resistir a Deus? Não és tu na mão de Deus como um vaso frágil de argila na mão do seu fabricante? Como poderás suportar os pesados golpes de uma vara de ferro com que serás batido por Deus até seres quebrado em miúdos pedaços? Porque tremem todas as nações e os povos meditam louvores? Todos os reis da terra, todos os príncipes conspiram contra Deus
com forças reunidas; e que fará Deus? Que fará? "E o Senhor os reduz ao ridículo" (Sl 2, 4); como se um forte armado, antes um gigante, fosse atacado por um grupo de imbecis meninos inermes.
6. - Exemplos da Sagrada Escritura
Eis Lúcifer no céu, chefe de uma estrepitosa revolta cair como um raio no inferno (Is 14, 2, 15); Lc 10, 18).
Eis nossos progenitores que pensam tornar-se como deuses, "conhecedores do bem e do mal"; mas não abrem os olhos sendo para ver sua nudez e para descobrir a diferença que havia entre o bem que tinham gozado e o mal que havia atraído sobre eles a sua soberba (Gn 3, 1 -24).
Eis, pouco depois do dilúvio, os homens levantar aquela torre talvez contra os golpes do céu. Deus confunde suas línguas e envergonhados abandonam a empresa (Gn 4, 9).
Quem é este Deus? Pergunta Faraó a Moisés. Poderá ele talvez livrar seu povo de minhas mãos? Deus o humilha com as pragas do Egito e finalmente o sepulta com todo seu exército debaixo dos vórtices do mar Vermelho (Ex 5, 2; 7;12; 14).
Ao soberbo rei da grande Babilônia intima uma voz do céu: teu reino passará para outras mãos; os homens te enxotarão, habitarás com as feras e comerás feno como um boi (Dn 4, 29-30).
Quanto mais alto vai o homem com sua soberba, tanto mais se deve esperar rápida e ruinosa sua queda.
7. - Humilhemo-nos sob a poderosa mão de Deus
Aquele rei soberbo de que pouco antes eu falava, tendo passado sete anos entre as feras, finalmente tocado por Deus, levantou os olhos ao céu, confessou todo poder, toda grandeza vir de Deus, e se humilhou debaixo da mão do Altíssimo.
O sentido e o espírito lhe foram restituídos; e ele foi restabelecido em todo o esplendor da dignidade real tornando-se maior no poder e na glória (Dn 5, 31-34).
Assim levantassem também os olhos ao Céu e caíssem em si tantos soberbos cristãos que bem se olhassem, já estão eles humilhados com uma metamorfose também mais estranha.
Olhai, quereria dizer àquele moçoilo, olhai bem da cabeça aos pés; eu te perguntaria se esta é a imagem de um homem criado por Deus à sua semelhança, adotado por ele como filho, constituído herdeiro do Céu.
Olhai, ó senhora; veja se esta é a figura de uma mulher cristã! Direi ainda menos, de mulher honesta! Antes, direi simplesmente: de mulher racional! De quem é, pois - eu te pergunto - esta imagem? Esta figura? Muito humilhante, eu vejo, é este confronto; porém ele resulta somente do hábito e da aparência exterior.
Mas eu não quero insultar vossa confusão; antes, considerando eu mesmo eu a compadeço. Bem desejo a vossa regeneração e, portanto , me esforço a fim de que vós conheçais que jamais teria acontecido em vós uma desastrosa que dá, se antes o vosso coração não fosse tão loucamente exaltado.
De fato assim aconteceu com os filósofos romanos - como escreve S. Paulo - os quais tendo conhecido Deus, não o quiseram glorificar como se convinha, mas envaideceram em seus pensamentos. Deus os deixou finalmente seguir os sistemas e as invenções do seu coração rebelde e os abandonou ao mais réprobo sentimento (Rm, 21, 28).
Tremamos nós também; e à vista de tão deploráveis quedas temamos ainda de nós mesmos.
Ó Deus, quem sabe se não somos nós, talvez por soberba interna, muito mais abomináveis aos olhos de Deus? Quem sabe se a nós também não esteja iminente e já próxima uma mais grave e lutuosa ruína? Quando também não fôssemos porventura a esta hora, ainda que ocultamente, tanto mais perigosamente caídos!
À terra pois nossas frontes, à terra nossos olhares. Longe de nossos trajes, do nosso comportamento, dos lábios, do coração toda soberba.
Fixemo-nos no conhecimento do nosso nada, dos nossos pecados, da nossa fraqueza: não nos deixemos mais, pois, tirar fora nem mesmo um pontinho de qualquer pensamento ou coisa que nos aconteça; certos de que quanto mais nos abaixarmos, tanto mais virá perto de nós Deus com sua graça. A quem perguntasse a razão do nosso agir, respondamos com a simplicidade prudentíssima daquele santo: "Vi muitos que por querer andar muito alto, caíram; eu estou bem firme e apegado à terra para não cair.

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