4 de outubro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni.

XIII - PERSEVERANÇA

Irmãos, vós já estais reconciliados alegro com vosso fervor. Mas ouvi aquilo que brevemente meu coração deseja dizer-vos para fortificar vosso ânimo nos seus propósitos, para prevenir qualquer perigo, para animar-vos a uma santa perseverança.
1. - Apresentando-se para o serviço de Deus prepara tua alma para aprovação
O Espírito Santo avisa nas escrituras quem "entrar para o serviço de Deus, preparar sua alma para a provação" (Eclo 2,1).
Invejoso o demônio do bem da alma, apenas percebe que alguma se quer colocar-se no caminho certo e dar início com bons propósitos, usa todos os artifícios para fazê-la voltar atrás; e para enredar-lhe e intrincar-lhe o caminho e, colocar-lhe diante dos olhos a dificuldade e o aborrecimento de uma longa e penosa viagem, a fim de que se aborreça e logo perca o ânimo. E como poderás - diz ele a um destes pecadores apenas convertidos a Deus - como poderás tu agüentar trinta, cinqüenta ou sessenta anos de vida que ainda te restam, com esta maneira tão difícil de proceder? Sempre resistir contra tuas paixões, jamais satisfazer um capricho, sempre mortificar teus sentidos, jamais alegrá-los com um entretenimento agradável; sempre velar sobre os movimentos do coração sem jamais ter repouso, nem paz?
Assim ele fala; e de tal modo insinua uma das mais fortes tentações difícil de superar-se e até mesmo de conhecer. Cuidai, porém, das sutis astúcias dos seus enganos.
2. "Não pensar no amanhã"
O demônio apresenta como certo e amplia muito um longo espaço de tempo que na verdade é muito incerto, não podendo o homem assegurar nada nem mesmo no dia de hoje; Daí é que no Evangelho somos advertidos de "não pensar no amanha" (Mt 6, 34). Isto é exatamente no nosso caso o que vós deveis fazer para frustrar suas maquinações: viver cada dia como se não restasse mais tempo de vida. Quem é que facilmente, não agüenta a fadiga de um dia só? Muito mais conhecendo o prêmio que Deus preparou para quem virilmente combate contra seus inimigos, e a "salvação" prometida aos "perseverantes" (Mt 10, 22; 14, 13), e a"glória eterna", a ser conquistada, à qual "não são condignas todas as tentações" que se possam sofrer "neste mundo " ( Rm 8, 18 ) .
E se vos for concedido de viver também amanhã, amanhã tornareis a estabelecer os vossos propósitos e a agir por aquele dia, como se outros não fossem dados para ganhar o céu. Quem saberá dizer quanto a morte, que é justamente a meta do vosso curso, está distante de vós? Que seria pois de vós, se depois de haver feito o mais, que é pôr-se de viagem, parasse de correr, julgando muito longe o final quando talvez não vos restam senão poucos passos para atingilo?
E vós perderíeis infelizmente aquela corrida a que fostes chamados em grau superior, e outros conseguiriam pegar aquela coroa que era preparada para vós.
"Ai daqueles - diz o Espírito Santo - que perderam a paciência, que saíram do caminho reto, e se transviaram aos maus caminhos" (Eclo 2, 16). Ai, ai deles! Por poucos dias - que talvez são menos do que se pensa - perder uma eternidade! Que loucura! Que extravagância! Que loucura!
3. - O caminho da virtude se torna logo fácil e agradável
O engano desta tentação é fazer parecer que a fadiga e a dificuldade que se sentem no princípio quem renuncia aos falsos prazeres do pecado e se põe a servir a Deus, deva durar sempre igual por toda a vida, antes deva crescer tornando-se cada dia mais molesta a privação dos prazeres passados, o que é abertamente falso. Pois a fadiga não dura senão um certo tempo; portanto se torna fácil com o costume o que antes era difícil, ou se faz sumamente agradável e gostoso. Assim de fato está escrito no Eclesiástico: "O homem paciente esperará até um determinado tempo - e depois? - após o qual a alegria lhe será restituída" (Eclo 1, 29).
"Eu te mostrarei - diz o Espírito Santo nos Provérbios - eu te mostrarei o
caminho da Sabedoria" (Prov. 4, 2). A Sabedoria segundo a etimologia do nome
equivale a "saborosa ciência" de Deus; dai é como se dissesse: Eu te mostrarei o
caminho pelo qual tu chegarás a saborear e gostar muito de conhecer, amar, servir Deus, como os Santos fizeram.
Qual é este caminho? "'Eu te conduzirei pelo caminho da equidade". Eis no princípio os caminhos estreitos da virtude, que tem difícil ingresso; mas quando entrares nestes caminhos, não mais serão retidos teus passos, e correndo não terás mais tropeços" (Pr 2, 12); e é o que diz o Sábio em outro lugar: "Vede com vossos olhos o pouco que trabalhei, e como adquiri grande paz" (Eclo 51, 35). E no Salmo ainda se lê: "Grande paz têm aqueles que amam vossa lei, não há para ele nada
que os perturbe" (Sl 118, 165).
Observai que não diz o Espírito Santo: quando terminardes de passar por este caminho, então encontrarei a estrada fácil e plana; mas "quando entrardes nele"; porque desde o principio o Senhor começa a dar muitas satisfações e a acariciar aquelas almas que vê resolvidas em aplicar-se ao seu serviço e a combater seus maus hábitos. Porque se não se detêm e não desanimam, Ele continua a
favorecê-las até que as tenha colocado "a sentar-se junto com seu povo na beleza da paz" (Is 32, 18), em que suavemente agindo o espírito repousa em Deus.
Por isso diz o Eclesiástico em outro lugar: "nesta obra - isto é, na aquisição da Sabedoria - terás pouco trabalho, mas em breve comerás os seus frutos ''(Eclo 6,20).
E o Apóstolo escrevendo aos Hebreus: "É verdade que toda correção - isto é, nestes princípios - parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, granjeia aos que por ela se exercitaram o melhor fruto da justiça e da paz" Hb 12, 11).
Se vós, porém, corajosamente vos resolverdes e não fizerdes caso destas primeiras dificuldades , vereis quão depressa se voltará o vosso coração pleno de consolação e de alegria para bendizer o Senhor que vos mostrou o caminho para chegar a tanta paz.
4. - No caminho da virtude Deus está sempre conosco
Deus não se contenta somente em mostrar-nos o caminho, mas se apresenta ainda para conduzi-lo nele: "Eu te conduzirei pelo caminho da equidade". Refleti bem nisto, porque deste modo respondo àqueles terrores que vos perturbam o coração e que o inimigo procura excitar em vós a fim de fazer-vos cair dos vossos propósitos.
Seja longo quanto for o caminho que vos resta percorrer; que não cesse mais a fadiga para vos manter; sejam graves os perigos que se encontrem, fortes os inimigos que vos impugnam, perpétuas as insídias que vos são desfraldadas; se o Senhor está convosco: "do que temeis vós"? (Sl 26, 1). "Pois se o Senhor está à minha direita não vacilarei". Como tendes medo de cair? (Sl 15, 8). E "não te
assustes por causa deles, porque tens o Senhor, teu Deus, no meio de ti, um Deus grande e temível" (Dt 7, 21-22). Se Ele enfim "cuidar sempre de guardar vossos passos e livrar vossos pés dos laços, como poderão ser presos?" (Pr 3, 26).
"O vosso espírito de bondade, - dizia o Salmista, - me conduza pelo caminho reto" (Sl 142, 10): que maior segurança?
5. - Necessidade de ininterrupta oração para perseverar no bem
Vós vedes muito bem que quando uma alma é guiada pelo Espírito de Deus segue segura. Notai ainda que este espírito Ele prometeu a quem lho pedir. "Se vós que sois maus - assim fala Cristo no seu Evangelho - sabeis dar a vossos filhos aqueles dons que eles vos pedem e que a vós foram dados por Deus, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará o Espírito Santo a quem o pedir?"
(Lc 11, 13). "Pedi e recebereis; tudo aquilo que rezando pedirdes, crede que o recebereis e vos será feito (Mt 7, 7). Eis a palavra de Deus.
Parecer-vos-á agora que Ele não seja suficientemente poderoso para manter sua palavra? Sabei, "tudo aquilo que Ele quis Ele fez" (Sl 113, 3). Direis que Ele não queira? Responde o Apóstolo que "Deus não pode negar-se a si mesmo" (2 Tm 2,
13). E o divino Verbo já disse de si mesmo: "Eu sou a verdade" (Jo 14, 6). Não pode deixar de ser Deus; portanto não pode deixar de cumprir suas promessas. Que resta, pois? Nada mais senão que vos coloqueis a condição à que Ele obrigou sua infalível Palavra. Resta que pergunteis: porque Aquele que começou em vós a boa obra da vossa santificação dando-vos a graça para converterdes, o
mesmo a cumpra socorrendo-vos com eficazes auxílios até o fim. Não há lugar em que não possais pedir este socorro: "em qualquer lugar" (1Tm 2, 8). Não há tempo em que possais ser impedido: "orai sem cessar" (1 Tes 5, 17). Não é necessário estender-vos em longos discursos: "não multipliqueis as palavras" (Mt 6, 7). Se a língua for impedida, bastam os olhos para interceder, e interceder com toda
prontidão: "Para os montes levanto os olhos: de onde me virá socorro" (Sl 120, 1). mesmo calando todo outro sentido, falam os desejos que são ouvidos no seu nascimento antes ainda que o coração se aperceba bem de havê-los formados: "Deus ouviu o desejo dos pobres; a preparação do coração deles teus ouvidos ouviram (Sl 9, 37).
6. - Ação e oração
Coragem, pois, irmãos. Se o tempo é breve, breve será a fadiga; e se o próprio Deus vem em nosso auxilio, estabeleçamos as nossas vontades, confirmemos nossos propósitos, corramos sem parar até que cheguemos e tenhamos aquilo a que devem ser dirigidos todos os pensamentos da nossa mente;
todos os desejos do nosso coração. Imitemos aqueles rios rápidos que jamais se detêm no seu violento curso até que cheguem ao mar; ou aquela enorme pedra, que destacando-se da montanha pedregosa dos altos cimos dos montes, desce rapidamente arruinando toda sebe, despedaçando todo embaraço até que repouse, quase no seu centro no vale.
Fixemos com os olhos da nossa mente o nosso fim que é Deus, nem jamais o percamos de vista; trabalhemos constantemente, rezemos sem interrupção, e combatamos com valor sem nos cansar ou sem ceder jamais enquanto não chegarmos a possuí-lo.
Se colocamos a mão no arado, não voltemo-nos para trás, porque quem coloca a mão no arado e volta para trás não é apto para o reino de Deus, diz o Evangelho (Lc 9, 62); mas esqueçamo-nos de fato das passadas fadigas, estendamos sempre para frente os nossos desejos para coisas maiores" (Fl 2, 13).
Se estivermos assim resolvidos desde o princípio, cessará bem depressa todo trabalho e toda dificuldade; pois não existe coisa que mais assustem nossos inimigos quanto um ânimo corajoso. Assim como a quem se mostra tímido e irresoluto eles não cessam de perturbar ou de interromper o caminho com várias tentações molestas assim, assim - como diz um grande santo que o provou em si
mesmo (2) - as ousadas resoluções de um coração generoso são suficientes para afugentá-los de modo que não mais ousem voltar para perturbar. Se não conseguíssemos na primeira sair com tanta coragem para romper no primeiro assalto os nossos adversários, não nos impressionemos; e se combatendo acontecer, por nossa fraqueza, de receber alguns ferimentos, não desanimemos; mas sabendo que é rápido e eficaz o remédio, restabeleçamo-nos logo com mais coragem que antes, e confiando muito mais em Deus, prossigamos o nosso curso; e quando menos esperarmos, veremos superadas todas as dificuldades, debelado todo inimigo, e assegurada para nós aquela coroa que é prometida a quem combate "legitimamente", isto é com perseverança até o fim.



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