31 de outubro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni.

XXV - O CULTO EXTERIOR

Junto de certos espíritos educados nas trevas deste século as práticas externas de religião tornaram-se uma pedra de ofensa e de escândalo. Mas ninguém pode dar à Igreja de Deus outro fundamento que aquele que lhe deu o seu divino Fundador. Eis as bases firmíssimas sobre as quais foi plantada a verdadeira religião; culto interno espiritual, culto externo e sensível. Os adversários reprovam os exercícios do culto externo, negando-lhe a razão e a utilidade. Nós agora assumimos justamente provar a eles, um e outro, com evidência e com brevidade.
1. - A virtude da religião
A religião é uma virtude pela qual se rende a Deus, como soberano Patrão e Princípio de todas as coisas, um culto devido e supremo. Este culto é um testemunho da excelência divina, e uma submissão de todos nós mesmos a Deus. Não somos puros espíritos; somos compostos de alma e corpo. Deus como criou a alma, assim também formou este corpo. Se pois o meu espírito conhece o
seu Criador, os meus sentidos não testemunharão a sua grandeza? Se a minha alma sente a sua dependência daquela Primeira Causa de todo ser, porque não deverá inclinar-se também o meu corpo para adorar o seu Criador? Se a minha mente é feliz em descobrir tantas perfeições naquela feliz incompreensível Natureza, quem poderá reter a minha língua de cantar seus louvores, de relatar suas glórias, de bendizer seu nome? Sobe para o alto, eleva a mente a seu Deus. Se elevam ainda os olhos
àqueles felizes montes dos quais me virão o auxílio; (Sl 70, 1); e sem que eu perceba encontro-me com as mãos suplicantes elevadas em oração. Superabunda de consolação o meu coração em oferecer a Deus sacrifício de suave odor; exulta também de santo prazer a minha carne em exibir seus membros como hóstia viva para servir o seu Deus. "Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo" (Sl 83,3).
2. - A alma da devoção é o coração
Deus é puro espírito; portanto a Ele convém um culto puramente espiritual, dizem os adversários do culto externo, abusando das palavras de Cristo à Samaritana: "Deus é espírito, e os seus seguidores devem adorá-lo em espírito e verdade" (Jo 4, 23). Mas isto não quer" dizer outra coisa senão que o interior em a principal razão, e é aquilo que se deve entender por si no culto de religião. Uma devoção externa esquecida pelo coração é um cadáver de devoção; a alma da devoção é o coração.
Não quer senão que Deus principalmente e por si busca em nós o obséquio do nosso coração; e se este falha ele recusa nossas extrínsecas adorações e louvores. "Este povo" dizia Deus queixando-se muito pela boca de um profeta, "este povo honra-me com os lábios, mas no entanto seu coração está longe de mim" (Mt 15, 8). Não quer dizer outra coisa senão que Deus abomina a hipocrisia; fingir de devoção exterior, e dentro amar o pecado; freqüentar práticas de piedade e manter ao mesmo tempo alguma amizade culpável; gastar seus bens em grandes esmolas aos pobres ou em ricas ofertas ao Templo, sem expulsar do coração aquele ídolo profano que em lugar de Deus se adora; bater no peito, enfraquecer-se com jejuns, fazer calos nos joelhos, manter a cabeça inclinada e prostrá-la em terra, sem preocupar-se em combater e sem jamais acabar com aquela paixão que nos domina; e guardando-nos com escrúpulo do mais leve defeito em público, incorrer sem a menor aversão nos maiores delitos ocultamente. Ama a Deus que primeiro nós retificamos e ordenamos a Ele o nosso
coração. Procura Deus que corresponda aos atos externos, e em todos se conforme o coração. Isto é o que entendeu Cristo e não mais, quando disse: "Deus é espírito e procura tais adoradores que o adorem em espírito e verdade. "
3. - Os atos externos são meios ordenados aos internos
Vamos à razão intrínseca da coisa, se nós prestamos a Deus reverência e honra, não é porque Deus tenha necessidade dos nossos obséquios, ou lhe sejam úteis as nossas adorações. ''Tu és meu Deus, por isso não precisas dos meus bens" (Sl 15, 2). Sim, ó meu Senhor, ó meu Deus vós sois perfeito em Vós mesmo, sois todo bem, o Sumo Bem. Não tendes necessidade dos meus bens, das minhas
virtudes, das minhas homenagens. Vós sois essencialmente feliz em Vós e cheio de glória, à qual nenhuma criatura no mundo pode acrescentar nada de seu de modo nenhum, e nem mesmo diminuir. E desta imutável felicidade do amabilíssimo e altíssimo Criador nosso nós devemos gozar Nele sempre; e de novo eu digo que nós devemos gozar, se verdadeiramente O amamos; alegrando-nos ainda que se nós O honramos e amamos, tudo isto é para nossa utilidade e pela necessidade que temos Dele. Os nossos obséquios, as nossas adorações tendem a isto: sujeitar nosso espírito a Deus. Nesta sujeição consiste todo nosso bem, toda nossa perfeição. De fato toda coisa de aperfeiçoa quando se submete ao seu superior. Assim se aperfeiçoa o aluno porque é instruído pelo mestre; assim o corpo porque é vivificado pela alma; assim o ar porque é iluminado pelo sol . Ora a mente humana para unir-se com Deus precisa da orientação das coisas sensíveis. Conduzida por esta e por esta levada devagar, poderá quase como por escadas subir e unir-se a Deus, conforme o que foi dito pelo Apóstolo: "As coisas invisíveis, tornam-se visíveis, por suas obras" (Rm 1, 20). Portanto há a necessidade de servir-se do culto divino de algumas coisas externas sensíveis e materiais, a fim
de que por estas, quase por certos sinais, chegue à mente do homem excitada pelos atos espirituais próprios da alma, com que a Deus se una. Por isso os atos internos e espirituais no culto da religião, tem o principal lugar e pertencem ao culto divino por si; os atos externos têm lugar secundário e de
meios ordenados aos internos. Este raciocínio, esta conclusão é do angélico doutor S. Tomás.(2).
4. - Deus mesmo com a obra da encarnação veio ao encontro desta exigência da natureza humana
Eis a causa porque Deus mesmo em Cristo, descendo à terra para reconciliar o mundo consigo, quis tornar-se visível na carne; para insinuar-se com o favor dos sentidos mais rapidamente em nossos corações. Institui os sacramentos, os quais debaixo dos sinais materiais e sensíveis difunde a graça e a caridade em nosso espírito, perdida a repara, possuída, a aumenta e a confirma. Cancelados os antigos sacrifícios, constitui um novo e perpétuo, e este também sensível, pelas espécies sacramentais, que, enquanto cobrem por um, lado o grande mistério, pelo outro o enriquece convenientemente.
Forma toda uma lei de espírito e de amor, a qual essencialmente consiste na graça do Espírito Santo. Mas não obstante ordena que aos internos afetos e movimentos do coração se unam os externos obséquios da língua e as obras ainda mais solene das mãos. Clama de fato o pregoeiro do Evangelho Paulo Apóstolo: "com o coração se crê para ser justificados, com a boca se deve confessar esta fé para obter a salvação" (Rm 10, 10). O próprio Legislador vai dizendo pessoalmente: "Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele,
quando vier na sua glória" (Lc 9, 26). Aquele que não se envergonhar de confessar o meu nome diante dos homens, eu o reconhecerei também diante da face do meu Pai. Que coisa mais clara que esta lei e da mente do Legislador pela necessidade de unir o exterior ao interior culto de religião?
5. - O culto externo convém à glória de Deus
Passo a indagar brevemente a utilidade Primeiramente pela glória de Deus. Levando de fato e em público as minhas adorações, manifesto a todo o mundo que Deus só merece os obséquios e as
homenagens da nossa dependência e servidão. Para este fim é mandado a nós no Evangelho: "Assim brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam vossas boas obras, e glorifiquem vosso Pai que está nos céus" (Mt 5, 16). Eu fui beneficiado ocultamente pelo meu Deus. Não devo eu cobrir com um ingrato silêncio os seus favores secretos: "Bendirei continuamente o Senhor, seu louvor não deixará meus lábios" (Sl 33, 2). E porque os meus louvores não poderão mais adequar o seu merecimento, procurarei ao menos multiplicar-lhe porquanto eu possa, convidando também meus próximos e exaltá-lo e agradecê-lo: "Glorificai comigo o Senhor, juntos exaltemos o seu nome" (Sl 33, 4). E porque eu creio, por isto também falo (Sl 115, 10; 2Cor 4 , 1 3 ) nem mantenho prisioneira a verdade por mim conhecida em uma injusta dissimulação a quem servir é reinar, a quem seguir é glória, glória verdadeira, grande glória. "Cumprirei os meus votos para com o Senhor, na presença de todo o seu povo" (Sl 115, 14, 18).
6. - O culto externo convém à utilidade em nossos irmãos
Em segundo lugar à glória de Deus se une a utilidade de nossos irmãos. A cada um de nós encarregou o Senhor o cuidado de nosso próximo (Eclo 17, 12). Temos ouvido as vozes suavíssimas da Sabedoria eterna que nos asseguram de buscar nele a verdadeira e perfeita beatitude nossa; como poderemos nós abatermo-nos de bradar por todos os caminhos, por toda praça, e chamar e congregar os nossos semelhantes dos erros, das fadigas, das vãs dispersões do seu coração, ao forte lugar munido da paz, da alegria, da vida, verdadeira vida, vida eterna? Para fazer isto temos um preciso mandamento: "Aquele que ouve diga: "vem " (Ap 22, 17). Tomarão coragem os fracos às vozes do nosso exemplo que os precede, se nós pudermos dizer com Paulo: "Irmãos, sede meus imitadores, como eu sou de Cristo" (1Cor 4, 16). Permanecerão sustentados, confirmados pela nossa constância contra as irrisões e as ironias que do mundo se fazem á piedade. Por este motivo Cristo mesmo sofreu vilania e opróbrio. Mas os justos, os perfeitos, os santos, encontram na amostra exterior das nossas virtudes, e da nossa conversação um doce espetáculo de gáudio e de alegria, que os leva a bendizer e a agradecer o Senhor. "Visto que fomos entregues - dizia S. Paulo, antes perseguidor, antes blasfemador, depois apóstolo do evangelho - em espetáculo ao mundo, aos Anjos e aos homens" (1Cor 4, 9). E Davi também cantava: "Aqueles que vos temem alegrem-se ao me ver" (Sl 118, 74).
7. - O culto externo convém ao nosso próprio interesse
Por último se acrescenta o interesse nosso próprio em procurar com a vida externa a glória de Deus e a utilidade dos nossos próximos: "Eu glorificarei - diz o Senhor - a quem me glorificar" (1Rs 2, 30).
E quem fizer que se converta dos erros de sua vida um pecador, salvará sua alma e cobrirá a multidão dos pecados (Tg 5, 20). Mas se nós tivéssemos com os maus costumes de nossa vida passada, escandalizado alguém, seria tão mais necessário que, como fomos odor de morte, fôssemos agora odor de vida, para atrair Cristo, atrás da fragrância dos nossos exemplos aqueles que nós injustamente
desviamos, ou ao mesmo tempo que reparem sua perda e nossa culpa. Assim é certamente; e por isso vós vedes, irmãos, quanto convém unir, na religião ao culto interior também o externo.
8. - Externemos sem temor a nossa devoção
Se as práticas externas de culto não só convém, mas são intrínsecas à natureza da Religião, e ordenadas ainda, no próprio Evangelho; quem ousará mais de tomá-las como inúteis, como vãs, como supersticiosas? Certamente ninguém que ao mesmo tempo não queira declarar-se inimigo da Religião e do Evangelho. E se porém nestes dias infelizes não faltam homens ousados que se declaram contra; deveremos nós sermos tímidos ainda para declararmo-nos a seu favor? É necessário de certo modo, diz S. Paulo que hajam heresias, a fim de que aqueles que em vós são provados se manifestem (1Cor 19, 19). Sim, meus irmãos, manifestemos a nossa religião, confessemos nossa fé, externemos a nossa
devoção. Este é o momento. A glória do nosso Senhor nos exige; a utilidade do nosso próximo nos manda; o nosso próprio interesse nos empenha. Trata-se de defender a honra do nosso Pai; trata-se de sustentar a debilidade de nossos irmãos; trata-se de acrescer em nós um grande tesouro de Graça; e de cobrir com novos merecimentos de glórias as manchas passadas de nossos erros. Cedam os vãos
respeitos aos justos deveres. Não temamos os homens! Não temamos as irrisões dos homens! Temamos antes aquele que nossa alma e nosso corpo pode perder no inferno. Sustentemos na terra a causa dAquele que do alto dos céus deve vir a julgar a nossa causa, sirvamos àquele que por tantos títulos é nosso Patrão, e que bem comprou a nossa servidão servindo Ele mesmo, antes, a nós com tantas fadigas, com tantas humilhações, com tantas penas, e que enfim nos promete remunerar a
nossa servidão fazendo-nos sentar junto com Ele sobre o próprio trono da sua glória. Confundem-se os ímpios vendo crescer em nós a religião debaixo de seus olhos; e sejam obrigados a confessar, ao menos em segredo, que toda maquinação é impotente para remover aquela religião que Deus fundou.

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