MEDITAÇÃO V
Vida desolada de Jesus Cristo
A vida de nosso amante Redentor foi toda desolada e privada
de todo o conforto. Sua vida foi aquele grande mar inteiramente
amargo sem nenhuma gota de doçura ou consolação: “Grande como o mar
é a tua dor” (Lm 2,13).O Senhor revelou um dia a S. Margarida
de Cortona que durante sua vida inteira não experimentou uma só
consolação sensível.
A tristeza que ele experimentou no jardim de Getsêmani era
tão grande, que bastaria para tirar-lhe a vida, e essa tristeza
ele não a sofreu só, então, mas o afligiu sempre desde o primeiro
instante de sua encarnação, pois todas as penas e ignomínias que ele
deveria suportar até à morte lhe estavam sempre presentes. Mas não
foi tanto essa vista quanto a de todos os pecados que os homens
cometeriam depois de sua morte que o afligiu sumamente durante sua vida inteira. Ele viera por meio de sua morte a tirar os pecados
do mundo e a resgatar as almas do inferno; mas via que, apesar de sua
morte, todas as iniqüidades possíveis seriam cometidas na terra,
das quais cada uma, vista distintamente por ele, o afligia
imensamente, como escreve S. Bernardino de Sena: “Ele viu em particular cada
uma das culpas”. E foi essa a dor que ele tinha sempre diante dos
olhos e sempre o afligia: “Minha dor está sempre na minha presença”
(Sl 37,18). S. Tomás diz que a vista dos pecados dos homens e da
ruína de tantas almas que se haviam de perder foi para Jesus
Cristo um tormento tão grande que sobrepujou as dores de todos os
penitentes, mesmo daqueles que morreram de pura dor. Os mártires
sofreram grandes dores, cavaletes, unhas de ferro, couraças ardentes,
mas suas dores eram sempre mitigadas por Deus com doçuras
internas. Entre tantos martírios não houve um só tão penoso como o de
Jesus Cristo, já que sua dor e sua tristeza foram pura dor e pura
tristeza, sem mistura de consolação: “A grandeza da dor de Cristo se
aprecia da inteireza da dor e da tristeza” (3 p. q. 46 a. 6). Tal
foi a vida de nosso Redentor e tal foi a sua morte, inteiramente desolada.
Ao morrer na cruz, privado de todo o alívio, procurava alguém que
o consolasse, mas não encontrou: “Busquei alguém que me consolasse e não o encontrei” (Sl 68,21). Não encontrou então senão escarnecedores e blasfemadores que lhe diziam: “Se és o
Filho de Deus, desce da cruz. Salvou os outros e não pode salvar-se a
si mesmo” (Mt 27,40 e 42). E assim o aflito Jesus, achando-se
abandonado de todos, se voltou para seu eterno Pai; vendo, porém, que
até seu Pai o havia abandonado, deu um grande grito e exclamou num
lamento supremo: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46). E assim terminou a vida nosso Salvador, morrendo
como ele predisse por Davi, submergido numa tempestade de
ignomínias e de dores: “Eu cheguei ao alto mar e a tempestade me
submergiu”(Sl 68,3). Quando nos sentirmos desolados, consolem-nos com a
morte desolada de Jesus Cristo; ofereçamos-lhe então a nossa
desolação, unindo-a com a que ele inocentemente padeceu no Calvário por
nosso amor.
Ah, meu Jesus, quem não vos amará, vendo-vos morrer assim desolado e consumido de dores para pagar os nossos pecados?
E eu sou um dos carrascos, que tanto vos afligi durante toda a
vossa vida com a vista de meus pecados. Mas já que me chamastes à
penitência, concedei-me ao menos que eu participe daquela dor que sentistes das minhas culpas durante a vossa paixão. Como
posso procurar prazeres, eu que tanto vos afligi com os pecados de
minha vida? Não, eu não vos peço prazeres e delícias, eu vos
suplica lágrimas e dor: fazei que eu viva o resto de minha vida chorando
sempre os desgostos que vos dei. Abraço vossos sagrados pés, ó meu
Jesus crucificado e desolado, e assim eu quero morrer. Ó Maria,
Mãe das dores, rogai a Jesus por mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário