15 de outubro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni.

XXI - A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO SUGERIDA PELO EXEMPLO DE
SÃO LUIZ GONZAGA.

1. - A caridade é a coroa de todas as virtudes
Uma virginal pureza toda angelical, um heróico rigor de penitência, uma altíssima e quase imóvel contemplação de espírito, e outras virtudes semelhantes; eis os dons que vos propondes venerar e imitar em S. Luiz Gonzaga como os mais excelsos e mais perfeitos. Todavia, sustentado, por uma doutrina tão certa quanto clara do Apóstolo, eu venho propor-vos para imitar neste Santo dons maiores e para mostrar-vos uma estrada mais excelente para chegar - quando quiserdes - àquele alto ponto de perfeição a que já mirais, tão felizmente conseguido. Ouvi a palavra do Apóstolo: "Porém a maior delas é a caridade" (1Cor 13, 13). A caridade é de fato a forma, o complemento, a coroa de todas as virtudes.
2. - Definição da caridade
A caridade é uma perfeita amizade que passa entre nós e Deus. Ela, porém, em vista de Deus, se estende ainda ao nosso próximo como coisa toda de Deus, e a Deus pertencente, sendo ele criado por Deus à sua imagem, redimido com seu sangue, e feito por Ele capaz juntamente conosco, da eterna felicidade; em cuja comunhão todo este santo amor é fundado. Desta santa amizade de caridade, em
quanto se estende ao nosso próximo, devo eu unicamente falar; e quero antes mostrá-la como um vivo retrato, como exatamente o Apóstolo no-la descreveu.
3. - Descrição da caridade
A caridade - diz S. Paulo - em primeiro lugar é PACIENTE para suportar os defeitos do próximo. É BENIGNA para ganhar com doçura a Cristo as almas de seus irmãos. Desejando sua eterna salvação, e com esta todo bem, não inveja a sua prosperidade: "Não tem INVEJA". Para não dar a eles ocasião de tropeço no caminho da salvação, guarda-se de agir mal: "não é ORGULHOSA". Não se orgulha
jamais por qualquer dote de alma ou de corpo desprezando os seus irmãos: "não é ARROGANTE". "Não é AMBICIOSA" em dominar e sobrepujar sobre os outros. Antes para servir piamente a eles, toda solícita pela sua vantagem, "NÃO BUSCA SEUS PRÓPRIOS INTERESSES". Provocada pelas injúrias "Não se IRRITA" para vingar-se. "NÃO PENSA MAL de ninguém," mas interpreta tudo do melhor modo, salva a verdade, procurando somente sua emenda. Chorando os pecados do próximo quase como seus próprios, "NÃO SE ALEGRA COM A INJUSTIÇA", mas favorecendo as verdadeiras virtudes do próximo se congratula e se "REJUBILA COM A VERDADE". Enfim tudo ela sofre; tudo crê; tudo espera; tudo suporta" (1 Cor 13, 47), por amor do seu próximo, quando se trata de procurar a ele o verdadeiro bem; que é principalmente a graça nesta vida e a glória na futura; sabendo com isto dar grande prazer a Deus por amor de quem ela é suavemente levada a amar seu
próximo.
4. - Caráter próprio e especial da caridade
Afora destes caracteres contentai-vos que eu escolha um só; mas - segundo o que me parece - o mais próprio e especial: "a caridade não busca seus próprios interesses". Quem ama com verdadeira amizade deve procurar o útil do amigo; enquanto aquele que procura o útil e o prazer próprio no amigo, esta ama a si mesma, mas não o amigo. Não podemos desejar prova mais luminosa do que a que Luiz deu quando, ocorreu em Roma aquele tão mortífero contágio, ele mostrou cuidar muito pouco de sua própria vida, expondo-a para conforto de seu próximo aflito onde justamente com maior força aquele mal enfurecia nos hospitais públicos, de maneira que a perdeu em breve tempo, colhido ele mesmo no morticínio comum. "A caridade não busca seus próprios interesses". Mas que maravilha que ele por amor do seu próximo tenha dado com um ato tão excelso de perfeição naquela vida que ele muito mais de boa vontade desejava trocar com a perfeita união com Cristo? Bem mais é para se admirar que, chamado com extraordinário dom a gozar de uma união toda celestial com Deus também aqui na terra, chegasse até a privar ao menos em parte seu espírito desta doçura por puro zelo da salvação das almas dos seus irmãos. Não outro motivo de fato o fez abandonar o pensamento já formado - segundo a mais doce inclinação dos seus afetos - de entrar em um claustro de pacífica solitária contemplação, se não a caridade; que ao invés o levou a dar seu nome à companhia de Jesus pouco antes instituída por aquele grande Santo e forte campeão de Cristo, Inácio de Loyola; onde novos guerreiros se adestravam, em um quase perfeito exercício de apostólica disciplina, para sair em campo aberto diante dos vícios, e a suster o peso das mais árduas e cansativas expedições. Ó amor! Ó
zelo! Ó caridade não indigna do apostólico coração de um Paulo.
5. - A nossa caridade
Diante de tão grande lume eu não vislumbro mais a nossa caridade. Ela me perece apenas como uma lânguida chama. Quem de fato entre nós que, não direi já esteja disposto a dar também ele deste modo a vida por amor do seu próximo - que é próprio dos perfeitos - mas que dê de boa vontade o supérfluo daquelas riquezas que dissipa, e sustente o seu irmão lânguido pela fome? Não seria senão o simples preceito! Quem é que por zelo de salvação de seus irmãos, não direi renuncie a doçura espiritual e medite extraordinárias empresas; mas que com o uso discreto da correção fraterna, com
bom exemplo ao menos e com as orações cuide de "ajudar o próximo conforme suas posses?" (Eclo 29, 27). Não seria também nesta parte - sem ultrapassá-lo - o preceito tão rigoroso com que Deus "impôs a cada um deveres para com o próximo"(Id, 17,13). Eia, pois, isto só, a que vos obriga o preceito, só este pouco e não mais quero propor-vos; que possais de algum modo imitar em S. Luiz aquela caridade que principalmente se distingue em não procurar "o que é seu" para procurar o útil do
seu próximo. Mas, oh! Deus! Todos hoje em dia nada procuram fora seus interesses, seus
gostos, sua própria utilidade! "Todos procuram sus próprios interesses" (Fl 2, 21). Que farei eu, pois? Desanimarei? Pararei o trabalho? Eis que eu quero prendê-los com suas próprias redes. Vós, pois, nada mais procurais senão vossa utilidade. Pois bem, eu vos digo que jamais podeis ter a vossa utilidade, enquanto não cuideis das do vosso próximo.
6. - Deus ligou todas as nossas vantagens ao cuidado que temos com nosso
próximo
Vós deveis conceder-me que todas as vossas vantagens estão na mão de Deus, e dependem de Deus. Das espirituais já está manifesto, quanto às temporais, muito claro falou S. Paulo, quando disse que "nem quem planta, nem quem cultiva é alguma coisa" mas sim "aquele que dá incremento", que é Deus (1Cor 3, 7). Na mão de Deus estão as estações propicias ou adversas, as chuvas fecundas ou os granizos desoladores, as guerras mais desastrosas ou a paz amiga das artes e do comércio, e tantas outras coisas semelhantes, independentes de fato do trabalho humano, e sujeitas só à livre vontade providencial do céu, que porém concorrem para nossa utilidade ou prejuízo. Agora que direis se Deus tivesse ligado todas as nossas vantagens ao cuidado que devemos ter com nosso próximo? Mas assim é; e eu recorro às Escrituras, que é o mesmo que dizer ser seus imutáveis decretos. Encontrarei portanto escrito assim nos Provérbios: "o que dá ao pobre, não padecerá penúria" ( 28, 27). Para confirmar vede Malaquias: "Fazei a experiência, diz o Senhor dos exércitos, e vereis se não vos abro os reservatórios do céu e se não derramo a minha bênção sobre vós muito além do necessário" (3,10). Ao contrário nos mesmos Provérbios está igualmente escrito daquele que despreza as orações do seu próximo necessitado, que ", padecerá penúria" (28, 27) ele próprio. Vamos agora às vantagens espirituais que são as mais desejáveis. Deus mesmo falando em Isaías do homem benéfico para com seu próximo aflito, diz que a alma dele será como um belo jardim irrigado por uma fonte de água perene (58, 2). E uma outra vez ainda nos Provérbios, "Quem se faz de surdo aos gritos do pobre" protesta que quando ele mesmo for gritar ao trono das suas misericórdias, "não será ouvido" (21, 1. 3). Ouvi finalmente a Nova Lei: "Na medida em que medirdes os outros sereis medidos" (Mt 7, 2); assim nos Evangelhos. E na epístola católica de S. Tiago: "Orai uns pelos outros para serdes curados". E aí depois de haver mostrado de quanta eficácia seja tal oração, conclui com este motivo: "Saibais que aquele que fizer um pecador retroceder do seu erro, salvará sua alma da morte e fará desaparecer uma multidão de pecados" (Tg 5, 16, 20). E notai aqui onde nós lemos: "salvará a alma
dele", são muitos os que lêem: "sua alma", admitindo o texto grego ambas as leituras. Assim então vem o sentido: "Salvará sua alma quem converter o outro" ou rezando, ou instruindo, ou arrastando pelo exemplo e com outras indústrias caridosas, como também observam os intérpretes. Notai ainda aquelas palavras: "e fará desaparecer uma multidão de pecados", são explicadas pela Escritura em outro lugar onde diz: "A caridade sobre a multidão dos pecados " (1Pd 4, 8), todos sim todos. "Cobre os do próximo - prossegue um douto expositor (2) - passados os presentes com a penitência, e os futuros com a cautela: isto é os veniais se somos justos, e as penas devidas pelos pecados passados; e faz que se afastem as ocasiões e os perigos de cair no futuro. E se nós formos pecadores, este nosso
esforço, esta solicitude e ardor em converter o próximo, provoca, excita, e por assim dizer merece por uma certa conveniência de Deus a graça eficaz com a qual somos nós mesmos excitados a detestar os primeiros pecados e a mudar para uma vida melhor". Daí o Damasceno destas palavras de S. Tiago ensina que "o certíssimo modo de acabar com nossos pecados é o esforço para acabar com os pecados
alheios". Tal é, pois, o sentimento constante de S. João Crisóstomo em muitíssimos
lugares, e dos intérpretes mais acreditados neste ponto. Que vos parece agora, irmãos? que podeis vós querer de mais claro, de mais uniforme, de mais expresso? Fixai bem na mente que quem quer a própria utilidade deve procurar a do seu próximo, e que o "não procurar o que é seu", como ensina a
caridade, é justamente o verdadeiro, antes o único caminho para conseguí-lo.
7. - Sede solícitos uns com os outros como membros do mesmo corpo
Eia, pois, amantíssimos irmãos em Cristo, eu vos falarei mais com o coração que com os lábios; eis, pois, começai desde agora a tomar aquele cuidado amoroso do vosso próximo que vos é tão altamente recomendado pelo vosso Deus. Resolvei-vos pelo menos por utilidade vossa; embora vós o devereis pelo amor de nosso amabilíssimo Pai comum que vos manda. Mas vede, porém, assim urge ao seu providencial afeto este cuidado recíproco, que, quando não fosse suficiente a doçura do seu amor, não duvidou de impeli-los com a própria necessidade do vosso interesse. "Vós sois um só corpo,
concluirei com S. Paulo, como com suas palavras comecei, e como com sua doutrina conduzi este meu simples falar. "Vós sois um só corpo"; portanto como membros deveis ser "solícitos" uns aos outros; solícitos pela salvação corporal, e muito mais pela eterna. Vede, no vosso corpo, como um membro ajuda, carrega, suporta, dirige, defende nutre o outro; desta recíproca solicitude nasce a saúde de todo o corpo não menos que de cada um dos membros. Mas fazei que cada membro não procurasse mais que aquilo que é seu; o pé permanecesse em preguiçoso repouso, recusando carregar os outros membros; do mesmo modo a mão não preparasse a comida ao paladar; e este satisfeito com seu sabor, não o enviasse ao estômago; ou muito ávido o ventre guardasse tudo para si, negasse aos
outros membros o necessário alimento. Que aconteceria? Pereceria o corpo e com ele cada um dos membros. Assim acontecerá também para vós, se não só procurardes unicamente o que é vosso; já que "vós sois um só corpo com Cristo e um de seus membros". Belas palavras! Portanto "sejam solícitos os membros entre si" (1 Cor 12, 25, 27).
8. - Oração
Eis nos agora, ó nosso protetor são Luiz, que tendo proposto a caridade como a mais excelente entre todas as virtudes vossas, eu não deixei, quanto dependia de mim, de toda indústria para dispor as almas acenderem-se deste belo fogo de amor. Não resta agora senão acendê-lo, mas a vós está reservada esta que é a empresa mais nobre, por isso a vós me dirijo. Oh! Caro santo, uma só centelha da vossa acesa caridade ao nosso coração! Oxalá desperte em nós esta chama vivaz, que, dilatando-se a favor do nosso próximo, e, portanto , nutrida, crescida, purificada, mereça depois elevar-se à sua
própria desejada esfera, isto é ao Céu; onde unindo-se a Deus, imenso foco de caridade por essência, de onde ela saiu; Nele, como seu centro, encontre feliz descanso por todos os séculos!

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