9 de outubro de 2014

Páginas de Vida Cristã - Pe Gaspar Bertoni.

XVIII - O TEMOR DE DEUS 

1. - Nada é mais louvável que o temor de Deus
Meus irmãos, não existe coisa mais louvável por vós como mais digna de glória, ou recomendável como mais útil, ou enfim reputada mais necessária, que o santo Temor de Deus.
"Aquele é um homem temente a Deus", dizeis de fato de alguém que desejais louvar; e por todos se honra este título quase como um compêndio de mil encômios; e o respeita até mesmo a língua mais maledicente com um reverente silêncio.
"Temamos a Deus", dizeis como Tobias a vossos filhos (Tb 1, 10); e pensais não poder deixar-lhes documento mais útil também como herança. E não confiais talvez os vossos bens, mais as vossas próprias filhas, seus dotes, na mão de um homem, do qual muitas vezes não podeis assegurar outra coisa, se não que teme a
Deus? E dizeis com sinceridade: Onde há temor de Deus, tudo é seguro.
Ao contrário, onde suspeitais que só isto falte, eis vos todos olhos sobre vossas coisas, todo ciúmes sobre vossa honra, todos guardas até sobre a vida. E porque isto? Sem terror de Deus não há justiça, dizeis, nem fé, virtude, nenhum outro bem.
2. - Temor servil e temor filial
Eu falo daquele temor pelo qual o homem se converte a Deus, ou a Deus se une mais estreitamente. É assim de duas maneiras se pode temer a Deus: temendo a pena justíssima temporal ou eterna, com que Deus pode punir nossas culpas; ou temendo a mesma culpa pela qual podemos nos separar dele .
Se por temor da pena - como do inferno - recorremos à misericórdia, arrependendo-nos do nosso pecado, ou do pecado nos obstemos, isto é temor servil, temor que é bom, de acordo com o cânone de Trento e vem do Espírito Santo.
Se por terror da culpa nós nos voltamos para Deus ou a Deus mais nos unimos; este é temor filial e é propriamente dom do Espírito Santo.
Basta haver esta distinção para vossa instrução. No mais, falando indiferentemente de um e de outro, eu digo em primeiro lugar que o temor de Deus é glorioso; e tal é por sentença do mesmo Deus.
3. - O Temor de Deus é glorioso
Porque duvidar? "O temor do Senhor é uma glória", dizem as Escrituras (Eclo 1, 11). Também outras virtudes, pelas quais os homens se tornam úteis na paz ou fortes da guerra, serão honradas ou dignas de alguma glória. Sim, "o grande, o justo, o poderoso recebe glórias"; mas - continua dizendo o Espírito Santo - mas ninguém é maior do que aquele que teme a Deus" (Eclo 10, 27), e por isso não só o temor de Deus é glorioso, direi que é uma só coisa com a glória, "o temor do Senhor é urna glória".
De fato o Salmista destina uma mesma morada para o temor de Deus e para a glória. "A glória - ele diz - está na casa - isto é, mora na casa - daquele homem feliz que teme a Deus" (Sl 111, 1).
Não vos enganeis mais e, procurar esta glória na casa dos ricos ou príncipes deste século. Aquela que vós vedes reluzindo nos seus átrios, ou sentada majestosa aos pés dos seus tronos, não é a verdadeira glória, é um vão simulacro; uma estátua fingida, colorida para imitar a verdadeira, colocada por eles mesmos depois que com seus votos convidaram em vão para entrar a verdadeira glória, muito
amada por eles, mas talvez não merecida. Não, a verdadeira glória não desdenha a pobreza dos moradores, ou a simplicidade dos seus hóspedes. Vai indiferentemente com os aplaudidos e com os desonrados. Sim, "a glória dos ricos, dos honrados e dos pobres é o temor de Deus" (Sl 111, 3). "O temor de Deus é uma glória".
4. - O exemplo de Abraão
Nós vamos aos fatos, que costumam ser mais sensíveis que os argumentos.
Levantai os olhos para aquele monte onde Abraão sacrificou o seu filho. Quereis saber qual seja a glória que Deus lhe dedica? "Em ti - diz Deus - serão abençoadas todas as nações da terra" (Gn 22, 16). Ora qual virtude lhe mereceu? Dirão alguns: a fé. Mas este Deus deu um outro prêmio: "Abraão acreditou, e isto lhe foi reputado em conta de justiça" (Rm 4, 3). Outros, a obediência, a fortaleza. Não! Ouvi de Deus mesmo a qual virtude se dá o merecimento desta glória. Abraão levanta a faca para consumar o sacrifício. Eis Deus que julga imediatamente: "Agora sei que temes Deus"; eis a razão de tal merecimento. "Pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único": eis a prova do temor de Deus. "Porque fizeste isto" - porque deste prova tão grande do teu temor; porque temes a Deus - "em ti serão abençoadas todas as nações da terra" (Gn 22, 12, 18). Ó temor de Deus, quanto é glorioso por sentença do próprio Deus! Como poderão os homens louvar-te mais?
5. - Imitemos Abraão
Deixai que falemos um pouco de coração para coração. Irmão tens aquela pequena paixão, aquela amizade? Irmã, tens aqueles amorzinhos não muito pudicos, aquela moda? Eu sei : estas coisas são queridas unicamente ao teu coração. Bem, sobe você também este monte. Sacrifica também isto por teu único afeto. Sim; à vista de todos dá esta prova de temor de Deus e Deus mesmo te adjudique a glória que tu mereces, e diga diante do céu e da terra: "agora sei que temes a Deus". Que glória para vós será esta! A empresa é árdua, eu confesso; porque é difícil separar a vontade de um afeto que a possui; difícil converter-se de verdade. Mas temei a, Deus; é tudo vos será fácil e suave.
6. - O temor de Deus é fácil e suave
Vede, porém, sobre a fé na Escritura, como o temor de Deus torna fácil, suave, pronta a conversão, dispondo habilmente passo a passo a vontade.
Eis o primeiro passo: por meio de uma apreensão vivíssima - que faz surgir no coração do pecador - de sumos males que estão iminentes nesta vida e mais na outra, o faz entrar em si mesmo recolhendo os pensamentos esparsos e distraídos para refletir sobre o infeliz seu estado. "Aquele que teme a Deus volta ao seu próprio coração" (Eclo 21, 7).
E amargurando com tais terrores os seus deleites, e acenando-lhes claramente o seu pecado com quase única infausta origem de tantos males, o reduz logo como sinal, sob tal aspecto, a aborrecê-lo. "O temor do Senhor é o ódio ao mal" (Pr 8, 13).
Portanto vai destacando e retirando o afeto; e assim o faz afastar do vicioso caminho. "Pelo temor do Senhor evita-se o mal" ( Pr 16 , 6 ) .
Mas as ferocíssimas tentações, acossadas pela paixão desprezada não usa como repulsão, parece que não consentem em afastar se de fato. Não duvidai porém: "Aquele que teme o Senhor não será surpreendido por nenhuma desgraça" (Eclo 33, 1); mas nas tentações terá Deus que o conserva e o livra de todo mal.
O temor de Deus vitorioso das tentações "expulsa o pecado" (Eclo 1, 27).
Sentem de fato em seus corações os pecadores depois de alguma vitória como uma voz que do céu lhe diz: "Vós que temeis o Senhor esperai Nele, sua misericórdia vos será uma fonte de alegria" (Eclo 2, 9).
Fundados sobre esta, eis já que "aqueles que temem o Senhor preparam o coração, santificam suas almas na presença dele" (Eclo 2, 20). Então sim que ouvirão ao redor de si vozes de Anjos alegres pela sua conversão repetir: "é sabedoria temer o vosso nome" (Mq 6, 9). E eles no seu coração terão a prova com mil consolações daquela misericórdia que se estende "de geração em geração sobre
os que temem o Senhor" (Lc 1, 50).
7. - O temor do Senhor é necessário também aos justos
De fato ouvi: "Aquele que não tem esse temor não poderá tornar-se justo" (Eclo 1, 28). Assim como a justificação e a expulsão do pecado é necessária para salvar-se; assim para salvar-se é necessário o temor de Deus, sem o qual nem se enxota o pecado, nem a alma se justifica. E "se não te aferrares firmemente no temor do Senhor, tua casa em breve será destruída" (Eclo 27, 4).
Sim, cairá, ó justos, este vosso edifício espiritual, que levantastes com tanto custo, com jejuns e mortificações, e com tão longo exercício de árduas virtudes; cairá ainda que tivesse seus fundamentos sobre os montes da santidade mais perfeita. Diz Ezequiel dos maiores Santos: "se alguns chegaram a se refugiar nas montanhas, gemerão como as pombas dos vales, cada qual por causa do seu pecado" (Ez 7, 16).
Direi mais ainda: se vós não vos atemorizais com o temor de Deus, cairá, e cairá logo, a vossa casa ainda que a tivésseis fabricada lá no céu. E de fato aquele que podia dizer: "Nós somos cidadãos dos céus" (Fl 3, 20); e "temos uma casa preparada não por mãos humanas, uma habitação eterna, no céu" (2Cor 5, 1); antes não só "temos" e aí moramos com a contemplação, mas realmente levado até o
terceiro céu, já quase temos posse; temia também ele "vir a ser excluído" (1 Cor. 9, 27). E quantos com ele não tremeram, embora parecessem quase estrelas imóveis no céu, caíram. E, oh! Quantos trocaram a luz imortal de suas virtudes em um fogo louco de afetos impuros, que os tornou, não direi somente brincadeira do vulgo ignorante, mas escopo às zombarias e escarnecimentos do próprio inferno? Não insultemos, não, às quedas destes cedros, nós, frágeis abetos; mas choremos atingidos por altíssimo terror sobre as ruínas alheias; e vos exortamos ainda a temer a fim de não cair. Aliás, não mais vos exortamos; Deus, Deus mesmo vos manda a todos. Manda aos justos: "Temei ao Senhor, ó vós todos que sois santos" (Sl 33, 10). "E o que mais quer de ti o teu Deus, ó Israel, se não que tu o temas? o ames e observes os seus mandamentos?" (Dt 6, 2). Manda aos pecadores: "Temei aquele que pode matar o corpo e perder a vossa alma no inferno" (Mt 10, 28).
8. - Sem Temor de Deus não se pode salvar
Quem será, portanto , entre nós aquele servo ousado que recuse obedecer a tão expressos mandamentos do seu soberano Deus? Não aquele que julgando estar em graça está, porém, certo de não poder manter-se nela sem um perpétuo temor.
Nem aquele outro que tendo já perdido a graça, sabe não poder recuperá-la por outro meio senão o temor; nem enfim quem já está convencido de que sem terror não poderá salvar-se. Pois quem resolve perder-se para sempre por não querer dirigir-se por um caminho que ele conhece unicamente como seguro, não pode ser senão um louco.
Porque se existe um pecador alucinado, que recusa temer para não amargar seus deleites, eu me lançarei a seus pés, e mais com lágrimas que com a voz, lhe pedirei para ter cuidado, ou ao menos sentir piedade, da sua alma. E se não se rendesse às minhas lágrimas; vamos - quereria dizer-lhe - é necessário que temas.
Não queres temer agora? Virá, e já não está longe, o dia em que abrindo os olhos perceberás estar desesperada a tua salvação. Serás então perturbado por um temor horrível; gemerás pela agonia; do teu espírito, mas inutilmente.
Quanto melhor pois temer agora que o temor te é ainda tão fácil, tão glorioso!
Oh! que o terror de Deus torne louvável a nossa memória aqui na terra, e nos assegure posse eterna da imortal glória no céu.

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