1 de janeiro de 2011

Circuncisão do Senhor: Sermão de Santo Antônio de Pádua

1. Naquele tempo: "Consumados os oito dias para que fosse cincuncidado o menino" (Lc 2, 21) etc. Neste evangelho, duas coisas hão de notar-se: a circuncição de Cristo e o nome com que ele foi chamado.

I. DA CIRCUNCISÃO DE CRISTO
2. Circuncisão de Cristo, como está escrito: "Consumados os oito dias para que o menino fosse circuncidado" (Lc 2, 21). Note-se que, nessa primeira sentença, somos ensinados, por analogia, como todo justo, na ressurreição geral, será circuncidado de toda corrupção. Mas, como ouvistes a ter sido circuncidada o próprio Verbo da circuncisão, então falemos cincuncidadamente da sua circuncisão.
Cristo foi circuncidado somente quanto ao corpo, porque nada havia de que ser circuncidado na alma. Porque "não fez pecado, nem se achou dolo na sua boca" (1Pt 2, 22). E nem contraiu pecado, porque, como disse Isaías, "subiu numa nuvem leve" (Is 19, 1), isto é, assumiu uma carne imune ao pecado. Vindo "ao que era ceu", visto que "os seus não o receberiam" (Jo 11, 1), teve de circuncidar-se, para que os judeus não tivessem ocasião de dizer: És um incircunciso, deves perecer do teu povo, porque, como foi dito no Gênesis, "o homem cuja carne não for cincuncidada do prepúcio perecerá do seu povo" (Gen 17, 14). És um transgressor da ei, não queremos ouvir-te falar contra a lei.
Ele foi circuncidado por ao menos três motivos: para cumprir a lei - Teve de observar o mistério da circuncisão até que fosse substituído pelo sacramento do Batismo -, para não dar aos judeus ocasião de caluniá-lo, e para nos ensinar a circuncisão do coração. Dela, é dito aos romanos: "A circuncisão do coração está no espírito, não na letra; e o seu louvor não vem dos homens, mas de Deus" (Rom 2, 29).

3. "Consumados os oito dias." Veremos o que significam estas três coisas: o oitavo dia, o menino, e a sua circuncisão. Os sete dias são aqueles nos quais se passa a nossa vida, aos quais se sucede o oitavo, da ressurreição geral. Dele fala o Eclesiastes XI: "Dá a sétima parte, e também oito; porque ignoras qual seja o futuro mal sobre a terra" (Eccle 11, 2). Como se dissesse: Dá a parte de sete dias da tua vida às boas obras, porque, por ela, receberás a recompensa na oitava da ressurreição; na qual, sobre a terra, isto é, aos terrenos, que amam a terra, tanto é o futuro mal, que é ignorado por todo homem.
Então será limpada a eira, os grãos serão separados das palhas, as ovelhas serão separadas dos cabritos (cf. Mt 3, 12; 25, 32; Lc 3, 17). A limpeza da eira é o rigor do juízo final; o grão é o justo, a ser posto no celeiro celeste. Por isso diz Jó V: "Entrarás em abundância no sepulcro, como o trigo que é colhido no seu tempo" (Job 5, 26). O sepulcro é a vida eterna, na qual os justos se esconderão da perturbação dos demônios, como quem se esconde, no sepulcro, do olhar dos homens, na qual entrará na abundância das boas obras. As palhas, porém, que são os soberbos, leves e instáveis, serão queimadas no fogo, e delas fala Jó XXI: "Serão como a palha ao vento, e como as cinzas que o turbilhão espalha" (Job 21, 18). Os cordeiros ou ovelhas, isto é, os humildes e inocentes, serão postos à direita de Cristo, e deles fala Isaías XL: "Como o pastor apascenta o seu rebanho, reunirá no seu braço os cordeiros, e os levantará ao seu seio; ele carregará as ovelhas prenhas" (Is 40, 11).

4. Perceba-se que, nestas quatro palavras: "apascenta, congregará, levantará, carregará", podem ser referidos os quatro dotes dos corpos, a saber, claridade, imortalidade, agilidade e sutileza, que os justos terão na oitava da ressurreição. "Apascenta" pela claridade, por isso diz o Eclesiastes XI: "Doce é a luz, e deleitável é para os olhos ver o sol" (Eccle 11, 7), e da qual se diz: Os justos refulgirão como o sol no reino de Deus (cf. Mt 13, 43). Se até este olho corruptível se deleita na falsa brancura do corpo miserável, quão grande deverá ser aquela deleitação no esplendor verdadeiro do corpo glorificado? "Congregará" pela imortalidade: a morte desagrega; a imortalidade congrega. "Levantará" pela agilidade: o que é ágil é facilmente elevado. "Carregará" pela sutileza; porque o sutil é levemente carregado.
Os cabritos, porém, isto é, os luxuriosos, serão suspensos pelos pés nas lanças do inferno. Por isso o Senhor condena as vacas gordas, isto é, os prelados da Igreja soberbos e luxuriosos, em Amós IV: "Eis que chegarão para vós dias, em que sereis levadas" pelos demônios "às lanças, e o que restar de vós, para o óleo fervente. Saireis pelas brechas, uma diante da outra, e sereis lançadas no Hermon" (Am 4, 2-3), que quer dizer anátema, porque os anatematizados e malditos pela Igreja triunfante irão para o suplício eterno.
Tudo isso, ou seja, a glória ou a pena, será dado a cada um, na oitava da ressurreição, em retribuição pelo que fez na semana desta vida. Dela se fala no Gênesis XXIX: "Jacó serviu por causa de Raquel por sete anos, e lhe pareceram poucos dias, por causa da grandeza do seu amor" (Gen 29, 20). "Porque ela era bonita de face, e de aparência atraente" (Gen 29, 17). E um pouco depois, segue-se: "E passada a semana, tomou Raquel por esposa" (Gen 29, 28). Diz, ainda, no mesmo livro XXXI: "Dia e noite, suportava o calor e o gelo; e não entregava meus olhos ao sono" (Gen 31, 40). Ó amor da beleza! Ó beleza do amor! Ó glória da ressurreição, quanto fazes o homem suportar, para chegar às tuas núpcias! O justo serve todo o setenário da sua vida na vileza do corpo e humildade da alma: suporta, de dia, quando brilha a prosperidade, o calor da vanglória; de noite, a adversidade, e o gelo da tentação diabólica. E assim foge o sono dos seus olhos, porque, dentro, tem uma luta, e fora, temores (cf. 2Cor 7, 5). Teme o mundo, é combatido por si mesmo; e, mesmo entre tantos males, seus dias parecem poucos, pela grandeza do amor. Porque nada é difícil para quem ama. Ó Jacó, rogo-te, porta-te pacientemente, suporta pacientemente, porque, terminada a semana da presente miséria, obterás as desejadas núpcias da gloriosa ressurreição, na qual serás circuncidado de todo trabalho e servidão da corrupção.

5. Por isso é dito: "Consumados os oito dias para que o menino fosse circuncidado". Diz menino, e não velho. Procura no sermão do natal (In Nativitate Domini, IV) quem é esse menino. Naquela ressurreição, todo eleito será circuncidado, porque ressurgirá para a glória, como diz Isidoro, sem nenhum vício, sem nenhuma deformidade. Longe estará toda fraqueza, toda lentidão, toda corrupção, toda pobreza, e tudo o que não convém ao reino daquele sumo rei, no qual os filhos da ressurreição e da promessa serão iguais aos anjos de Deus (cf. Lc 20, 36): então será a verdadeira imortalidade. Em seu primeiro estado, o homem podia não morrer, mas, por causa do pecado, teve a pena denão poder não morrer, e, àquela felicidade, resta a condição de não poder morrer. Então haverá plenamente o livre arbítrio, que foi dado ao primeiro homem assim: poder não pecar; mas ele será mais bem-aventurado quando for tal que não possa pecar. Ó oitava desejável, que assim circuncidas o menino de todo mal!

Traduzido por nós de http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=0&c=0&p=0

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