12 de abril de 2021

Histórias das Cruzadas - Livro Primeiro - Origem e Progresso do Espírito das Cruzadas 26

Depois da morte de Gregório, Vítor III, embora seguisse a política do seu predecessor e tivesse que combater ao mesmo tempo o imperador da Alemanha e o partido do antipapa Guiberto, não perdeu a ocasião de fazer guerra aos muçulmanos. Os Sarracenos que habitavam na África perturbavam a navegação do Mediterrâneo e ameaçavam as costas da Itália. Vítor convidou os cristãos a tomar as armas e prometeu-lhes a remissão de todos os pecados se fossem combater contra os infiéis. Os habitantes de Pisa, de Gênova e de várias outras cidades levados pelo zelo da religião e pelo desejo de defender o seu comércio, equiparam frotas, organizaram exércitos e fizeram uma expedição às costas da África, onde, se dermos crédito às crônicas do tempo, dizimaram um exército de cem mil sarracenos. Para que se ficasse certo, diz Barônio, de que Deus se interessava pela causa dos cristãos, no mesmo dia
em que os italianos triunfaram sobre os inimigos de Jesus Cristo, essa notícia foi milagrosamente levada para além dos mares. Depois de ter dado às chamas duas cidades, Al-Mahadia e Sibila, construídas no antigo território de Cartago e obrigado um rei da Mauritânia a pagar um tributo à Santa Sé, os genoveses e os pisanos voltaram à Itália, onde os despojos dos vencidos foram empregados para ornamentar as Igrejas.
No entretanto o papa Vítor morreu sem ter podido realizar o projeto de atacar os infiéis na Ásia. A glória de libertar Jerusalém pertenceu a simples peregrino, que só tinha sua missão em seu zelo e não tinha outro poder que a força do seu caráter e de seu gênio. Alguns dão a Pedro, o Eremita, uma origem obscura; outros fazem-no descender de uma família nobre da Picardia; todos, porém, estão de acordo em dizer que ele tinha um exterior rude.
Dotado de espírito ativo e irrequieto, ele procurou em todas as condições da vida, uma felicidade que não pôde encontrar. O estudo das letras, o ofício das armas, o celibato, o casamento, o estado eclesiástico, nada lhe haviam oferecido que lhe pudesse encher o coração e satisfazer.-lhe à alma ardente.
Desgostoso com o mundo e com os homens, Pedro retirou-se para junto dos cenobitas mais austeros. O jejum, a oração, a meditação, o silêncio e a solidão exaltaram sua imaginação. Nas suas visões, ele mantinha um comércio habitual com o céu e julgava-se instrumento de seus desígnios, depositário de sua vontade. Tinha o fervor de um apóstolo, a coragem de um mártir. Seu zelo não conhecia obstáculos e tudo o que ele desejava parecia-lhe fácil. Quando falava, as paixões que o agitavam animavam seus gestos e suas palavras e comunicavam-se aos seus ouvintes: nada resistia nem à força de sua eloqüência, nem ao ímpeto de seu exemplo.
Tal o homem extraordinário que deu o sinal das cruzadas e que, sem fortuna e sem fama, pelo único ascendente das lágrimas e das orações; conseguiu abalar o Ocidente para fazê-lo precipitar-se inteiramente sobre a Ásia.
A fama das peregrinações ao Oriente fez Pedro sair de seu retiro. Ele seguiu a multidão dos cristãos à Palestina, para visitar os santos lugares.
À vista de Jerusalém, ficou mais penalizado que todos os outros peregrinos: mil sentimentos contrários vieram agitar-lhe a alma ardente. Naquela cidade, que conservava por toda a parte os sinais da misericórdia e da cólera divinas, tudo inflamou sua caridade, irritou sua devoção e seu zelo e o encheu gradativamente de respeito, de terror e de indignação. Depois de ter seguido seus irmãos ao Calvário e ao sepulcro de Jesus Cristo, ele foi ter com o Patriarca de Jerusalém. Os cabelos brancos de Simeão, sua venerável figura e principalmente a perseguição que ele havia sofrido, mereceram-lhe toda a confiança de Pedro: eles choraram juntos os males dos cristãos. O Eremita, com o coração ferido, o rosto banhado de lágrimas, perguntou se não se podia por um fim, dar um remédio, a tantas calamidades. "Oh! o mais fiel dos cristãos, disse-lhe o Patriarca, não vê que nossas iniqüidades nos fecharam o ingresso à misericórdia de Deus  A Ásia está em poder dos muçulmanos; todo o Oriente caiu na escravidão; nenhum poder da terra nos pode socorrer." A essas palavras, Pedro interrompeu Simeão e disse-lhe que talvez um dia os guerreiros do Ocidente seriam os libertadores de Jerusalém.