27 de abril de 2021

Histórias das Cruzadas - Livro Primeiro - Origem e Progresso do Espírito das Cruzadas 34

Ter-se-ia dito que os franceses não tinham outra pátria que a terra santa e que eles lhe deviam o sacrifício de sua tranqüilidade, de seus bens e de sua vida. Esse sentimento, que não tinha mais limites, não tardou a se comunicar aos outros povos cristãos; chegou à Inglaterra, ainda abalada pela recente conquista dos normandos; à Alemanha, perturbada pelos anátemas de Gregório e de Urbano; à Itália agitada pelos partidos; à mesma Espanha, que combatia os sarracenos em seu próprio território. Tal o ascendente da religião ultrajada pelos infiéis, tal a influência do exemplo dado pelos franceses, que todas as nações cristãs logo esqueceram o que era objeto de sua ambição ou de seus temores e forneceram à cruzada os soldados de que precisavam para se defenderem. Todo o Ocidente reboava com estas palavras: Aquele que não traz sua cruz e não vem comigo, não é digno de mim.
A situação em que se encontrava a Europa contribuiu sem dúvida para aumentar o número dos peregrinos: "Todas as coisas iam em tal desordem, diz Guilherme de Tiro, que parecia que o mundo caminhava para o seu declínio e a segunda vinda do Filho do homem devia estar próxima. "Por toda a parte o povo, como já dissemos, gemia em horrível escravidão; uma carestia espantosa, que desolava há vários anos a França e a maior parte dos reinos do Ocidente, tinha dado origem a toda espécie de calamidades, de crimes e de assaltos.
Aldeias, cidades mesmo, ficavam desabitadas e se desfaziam em ruínas. Os povos abandonaram sem pesar uma terra que não mais os podia nutrir e não lhes oferecia nem descanso nem tranqüilidade; o estandarte da cruz lhes parecia um asilo seguro contra a miséria e a opressão. Segundo os decretos do concílio de  Clermont, os cruzados estavam dispensados de impostos não podiam ser cobrados em suas dívidas, durante a viagem. Somente ao nome da cruz as leis suspendiam suas ameaças, a tirania não podia aferrar suas vítimas, nem a justiça, mesmo os culpados, entre os que a Igreja tomava como defensores. A garantia da impunidade, a esperança de uma melhor sorte, o amor mesmo da licença, o desejo de sacudir as cadeias mais sagradas, fizeram acorrer a multidão para as bandeiras da cruzada.
Muitos senhores que não tinham antes tomado a cruz e que viam partir seus navios sem poder detê-los decidiram segui-los como chefes militares, para conservar alguma coisa de sua autoridade. A maior parte dos condes e dos barões não hesitaram além disso em deixar a Europa, que o concílio de Clermont acabava de declarar em estado de paz e que não lhes devia mais oferecer a ocasião de mostrar seu valor; todos eles tinham crimes a expiar: "Era-lhes prometido, diz Montesquieu, expiá-los seguindo sua paixão dominante; eles tomaram então "a cruz e as armas".

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