A religião cristã, que os gregos tinham reduzido a pequenas fórmulas e a vãs práticas de superstição, jamais lhes inspirava grandes projetos e nobres pensamentos. Entre os povos do Ocidente, como não se tinham ainda submetido a freqüentes discussões os dogmas do cristianismo, a doutrina do Evangelho conservava mais império sobre os espíritos: dispunha melhor os corações ao entusiasmo, e formava por sua vez santos e heróis. Embora a religião não pregasse sempre sua moral com sucesso e se abusasse de sua influência, ela tendia no entretanto a amenizar os costumes dos povos bárbaros que tinham invadido a Europa; ela dava ao pobre sua autoridade santa, inspirava um temor salutar à força e corrigia muitas vezes as injustiças das leis humanas.
No meio das trevas que cobriam a Europa, a religião cristã conservava a língua latina; aquela língua, que já tinha conhecido uma civilização, guardava a memória dos tempos passados, e a única que podia ter o lugar de regra e de experiência para as sociedades nascentes. Enquanto o despotismo e a anarquia dividiam entre si os reinos e as cidades, os povos invocavam a religião contra a tirania, os príncipes a invocavam contra a licença e a revolta.
Muitas vezes, na perturbação das nações, o título de cristão inspirou mais respeito e despertou mais entusiasmo que o titulo de cidadão romano na antiga Roma. No excesso mesmo de sua barbárie, as nações pareciam não reconhecer outros legisladores que os Padres dos Concílios, outro código que o Evangelho e as Sagradas Escrituras. A Europa podia ser considerada como uma sociedade religiosa onde a conservação da fé era o maior dos interesses, onde os homens pertenciam mais à Igreja do que à Pátria. Nesse estado de coisas, é fácil inflamar os espíritos dos povos apresentando-lhes a causa da religião e dos cristãos para defender.
Dez anos antes da invasão da Ásia Menor pelos turcos, Miguel Ducas, sucessor de Romano Diógenes tinha implorado o socorro do Papa e dos príncipes do Ocidente. Ele tinha prometido fazer cair todas as barreiras que separavam a Igreja Grega da Romana, se os latinos tomassem as armas contra os infiéis. Gregório VII ocupava então o trono de São Pedro; seus talentos, sua inteligência, a coragem e a inflexibilidade de seu caráter tornavam-no capaz dos maiores empreendimentos. A esperança de estender o império da religião e o poder da Santa Sé no Oriente fê-lo acolher as humildes súplicas de Miguel Ducas; ele exortou os fiéis a tomar as armas contra os muçulmanos e os induziu a conduzi-los ele mesmo à Ásia. Os males dos cristãos do Oriente, dizia ele em suas cartas, tinham-no impressionado, tanto, a fazê-lo até desejar a morte; ele preferia expor a vida para libertar os santos lugares, a governar todo o mundo. "Impelidos por suas exortações, cinqüenta mil cristãos determinaram seguir Gregório a Constantinopla e a Jerusalém. Mas o pontífice não manteve a promessa que havia feito e os negócios da Europa onde sua ambição estava mais interessada do que na Ásia, vieram suspender a execução dos seus projetos.
Cada dia o poder dos Papas aumentava pelo progresso do cristianismo e pela necessidade mesmo que tinham de sair da barbárie. Roma se tinha tornado uma segunda vez a capital do mundo e parecia ter retomado, sob Hildebrando, o império que tivera sob os Césares. Armado com a dupla espada de Pedro, Gregório afirmou com energia, que todos os reinos eram do domínio da Santa Sé e que sua autoridade devia ser universal como a Igreja, da qual ele era o chefe. Semelhantes pretensões, que a princípio tiveram como motivo a independência do santuário e a reforma do mundo cristão, levaram o Pontífice a violentas questões com o Imperador da Alemanha. Ele quis também ditar leis para a França, para a Espanha, para a Suécia, a Polônia, a Inglaterra e, não se ocupando senão em se fazer reconhecer como árbitro das Nações, lançou anátemas até sobre o trono de Constantino, que ele queria defender e não pensou mais em libertar Jerusalém.
11 de abril de 2021
Histórias das Cruzadas - Livro Primeiro - Origem e Progresso do Espírito das Cruzadas 25
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