15 de julho de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II

Se considerarmos agora a Eucaristia como Sacramento, descobriremos nela propriedades admiráveis de que só um Deus a podia dotar.
Tenho-vos dito muitas vezes, seguindo S. Paulo a quem é tão cara esta ideia, que os principais acontecimentos da história do povo judeu, no Antigo Testamento, eram o símbolo, umas vezes oculto, obscuro, outras patente, luminoso, das realidades que deviam iluminar a Nova Aliança estabelecida por Cristo. Ora, segundo as próprias palavras de Nosso Senhor, uma das figuras mais características da Eucaristia foi o maná. Com particular insistência, o divino Salvador estabelece comparações entre
este alimento que caiu do céu para sustentar os hebreus no deserto e o pão eucarístico que Ele devia dar ao mundo. E assim, será partilhar dos sentimentos de Cristo estudar a figura e o símbolo, para melhor compreender a sua realidade.
Eis, pois, em que termos o escritor sagrado, órgão do Espírito Santo, fala do maná: «Saciastes, ó Deus, o Vosso povo com o alimento dos Anjos, e do céu deste-lhe sem trabalho um pão já preparado, que lhe proporcionava inteiro prazer e satisfazia todos os gostos. Esta substância, por Vós enviada, mostrava a doçura que tendes para os Vossos filhos, e este pão, acomodando-se ao desejo de quem o comia, transformava-se no que ele quisesse»: Deserviens uniuscujusque voluntati, ad quod quisque volebat con vertebatur.
A Igreja tomou estas magníficas palavras para as aplicar à Eucaristia, no Ofício do SS.mo Sacramento. Vamos ver com que verdade e plenitude elas exprimem as propriedades do alimento eucarístico; vamos ver com quanto maior razão podemos cantar da sagrada Hóstia o que o autor inspirado cantava do maná.
Como o maná, a Eucaristia é alimento, mas alimento espiritual. Foi no meio dum banquete, sob forma de alimento, que Nosso Senhor a quis instituir. Jesus Cristo dá-se a nós como alimento das nossas almas: «A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida»; Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus.
Como o maná, a Eucaristia é um pão descido do céu. O maná, porém, não passava de figura imperfeita; por isso, Nosso Senhor dizia aos judeus que Lhe recordavam o prodígio do deserto: «Moisés não vos deu o pão do céu; meu Pai é quem dá o verdadeiro pão do céu, porque o pão de Deus é Aquele que desce do céu e que dá a vida, não só a um povo em particular, mas a todos os
homens». 
E como os judeus murmurassem ao ouvirem-No chamar-se a si próprio «pão descido do céu», Jesus acrescenta: «Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná e morreram; este é o pão que desce do céu para que quem o comer não morra. Eu sou o pão vivo que desci do céu; se alguém comer deste pão viverá eternamente». Estas palavras são verdadeiras. Porque, de fato, esse pão deposita em nossos corpos o germe da ressurreição. «E este pão que eu darei é a minha carne para
vida do mundo».
Vede como Nosso Senhor mesmo nos mostra, nestas palavras, que a divina realidade da Eucaristia 
excede em plenitude, na sua substância e nos seus frutos, o alimento dado outrora ao povo judeu.
Este pão do céu dá-nos a vida, alimentando em nós a graça. «Contém igualmente toda a suavidade e doçura»: Omne delectamentum in se habentem, et omnis saporis suavitatem.
Nada tão alegre como um banquete. A comunhão é o banquete da alma, isto é, fonte de íntimas alegrias. Como é que Jesus Cristo, verdade e vida, princípio de todo o bem e de toda a felicidade, não havia de encher os nossos corações de alegria? Como é que, fazendo-nos beber do cálice do Seu Sangue divino, não havia de derramar em nossas almas aquela alegria espiritual que excita a caridade e sustenta o fervor? No Cenáculo, depois de instituir este divino Sacramento, fala aos Apóstolos da Sua alegria; quer que «esta alegria, a Sua própria alegria, toda divina, seja a nossa, e que dela se encham os nossos corações»: Ut gaudium MEUM in vobis sit.
Um dos efeitos da Eucaristia, quando recebida com devoção, é encher a alma de suavidade sobrenatural que a torna pronta e dedicada no serviço de Deus.
Não esqueçamos, no entanto, que esta alegria é antes de tudo espiritual. Sendo a Eucaristia o «mistério de fé» por excelência, segue-se permitir Deus que esta alegria, toda interior, não tenha repercussão alguma na parte sensível do nosso ser. Sucede a almas deveras fervorosas ficarem acabrunhadas pela aridez depois de terem recebido o pão da vida. Não se admirem; sobretudo não desanimem; se tiverem todas as disposições possíveis para receber a Cristo, se sofrerem com a sua impotência, fiquem tranquilas e conservem-se em paz. Jesus Cristo, sempre vivo, opera em silêncio, mas soberanamente, no íntimo da alma, para a transformar n'Ele; é o efeito mais precioso deste alimento celeste: « Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele».
Que mais? Este pão vivo, que dá vida, este manjar delicioso que traz alegria, é-nos dado "sem trabalho» - síne labore. É uma das propriedades do maná. E que bem se verifica no manjar eucarístico! 
Efetivamente, que é exigido de nós para nos podermos sentar ao «banquete do Rei» e comer com fruto o pão celeste? Que nos apresentemos revestidos de «vestido nupcial», isto é, que estejamos em graça e tenhamos reta intenção.
Nada mais é exigido da nossa parte. Mas, quanto a Jesus? Oh! não foi certamente «sem trabalho» que nos preparou este banquete. Foram precisas as humilhações Incarnação, a humildade e os trabalhos obscuros da vida oculta, as fadigas do apostolado, as lutas contra os fariseus, os combates contra o príncipe das trevas, enfim, resumindo, a coroar e rematar tudo, as dores da Paixão. Só à custa da Sua imolação cruenta e de sofrimentos sem nome, é que Jesus Cristo nos mereceu esta graça, na verdade, inaudita, de nos unir intimamente a Si, dando-nos a comer o Seu Corpo e a beber o Seu precioso Sangue.
Por isso, quis instituir este Sacramento na véspera da Paixão, como para «nos dar a mais tocante prova do excesso do seu amor para conosco»: Cum dilexisset suos . . . in finem dilexit eos. Porque se comunicou por um tal preço, é que a suavidade do amor infinito de Jesus Cristo enche este dom: Dulcedinem tuam . . . ostendebat.
Eis algumas das maravilhas figuradas pelo maná e realizadas, para vida e alegria das nossas almas, pela sabedoria e bondade do nosso Deus.
Como não as «admirar» com a Igreja? Como não «cercar de toda a nossa reverência, de todas as nossas adorações estes mistérios sagrados»? Tribue quaesumus, ita nos corporis et sanguinis tuí sacra mysteria venerari!

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