17 de julho de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Entre todas as propriedades que a Sagrada Escritura atribui ao maná, há uma particularmente digna de nota: o maná era «um alimento que se adaptava aos desejos e gostos de quem o comia»: Deserviens uniuscujusque voluntati, ad quod quisque volebat cotebatur.
No pão celeste, que é a Eucaristia, podemos também encontrar, se assim me posso exprimir, o gosto de todos os mistérios de Cristo e a virtude de todos os Seus estados. Aqui não consideramos a Eucaristia como memorial, mas como fonte de graça. É este um aspecto fecundo do mistério eucarístico em que quero deter-me convosco uns momentos. Se deixarmos que ele penetre nas nossas almas, sentiremos aumentar em nós o amor e desejo deste alimento divino.
Nosso Senhor, como sabeis, dá-se em alimento para conservar em nós a vida da graça; além disso, pela união que este Sacramento estabelece entre as nossas almas e a Pessoa de Jesus - in me manet et ego in illo -, pela caridade que esta união alimenta, Jesus Cristo opera em nós aquela transformação que levava S. Paulo a dizer: «Vivo; não, já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim». Eis a virtude própria deste inefável Sacramento.
Esta transformação, porém, admite para nós muitos graus e compreende múltiplas facetas. Não podemos realizá-la duma só vez; produz-se pouco a pouco, à medida que mais profundamente penetramos no conhecimento de Jesus Cristo e dos Seus estados, pois a Sua vida é o nosso modelo e a Sua perfeição o exemplo da nossa.
A piedosa contemplação dos mistérios de Jesus constitui para nós um dos elementos desta transfiguração. Já vô-lo disse: quando, por uma fé viva, nos pomos em contacto com Cristo, Ele produz em nós, pela virtude sempre eficaz da Sua santa Humanidade unida ao Verbo, aquela semelhança que é o sinal da nossa predestinação.
Se isto é verdade da simples contemplação dos mistérios, quanto mais profunda e extensa não será, 
neste caso, a ação de Jesus, quando habita em nossas almas pela Comunhão sacramental? A união maior e mais íntima que neste mundo podemos ter com Cristo é a mesma que se dá entre o alimento e aquele que o toma. Cristo dá-se para ser nosso alimento; mas, ao contrário do que sucede com o alimento corporal, nós é que somos assimilados por Ele; Jesus Cristo torna-se nossa vida.
O primeiro fruto do maná era sustentar; a graça própria da Eucaristia é igualmente manter a vida 
divina da alma, fazendo-nos participar da vida de Cristo.
Mas assim Como o «maná se adaptava aos desejos daqueles que o tomavam», assim também a vida que Jesus Cristo nos dá pela Comunhão é toda a Sua vida, que passa às nossas almas para ser o exemplar e a forma da nossa, para produzir em nós os diversos sentimentos do Coração de Jesus, para nos fazer imitar todas as virtudes que Ele praticou em Seus estados e derramar em nós as graças especiais que nos mereceu quando por nós viveu os Seus mistérios.
Não percamos nunca de vista que sob as espécies eucarísticas está tão somente a substância do corpo
glorioso de Jesus, tal qual está agora no Céu, e não como estava, por exemplo, no presépio de Belém.
Mas, quando o Pai contempla o Filho nos esplendores celestes, que vê n'Ele? Vê Aquele que por amor de nós viveu sobre a terra trinta e três anos; vê tudo quanto aquela vida mortal conteve de mistérios, e as satisfações e merecimentos de que estes mistérios foram origem; vê a glória que este Filho Lhe deu, vivendo cada um deles. Em cada um desses mistérios vê ainda e sempre o mesmo Filho das Suas complacências, conquanto Jesus Cristo esteja agora sentado à Sua direita no estado glorioso.
Do mesmo modo, Aquele que recebemos é Jesus que nasceu de Maria, viveu em Nazaré, pregou aos judeus da Palestina; é o bom Samaritano; é Aquele que curou os doentes, livrou Madalena do demônio e ressuscitou Lázaro; é Aquele que, cansado, dormia no barco; é Aquele que agonizava, esmagado pela angústia; é Aquele que foi crucificado no Calvário; é o glorioso ressuscitado do túmulo, o misterioso peregrino de Emaús que se dá "a conhecer na fração do pão »; é Aquele que subiu aos céus, à direita do Pai; é o Pontífice eterno, sempre vivo, que sem cessar intercede por nós.
Todos estes estados da vida de Jesus, com as suas propriedades, com o seu espírito, com os seus méritos e virtude no-los dá a Comunhão; sob a diversidade dos estados e variedades dos mistérios, perpetua-se a identidade da pessoa que os viveu e agora vive eternamente no céu.
E assim, quando recebemos Jesus Cristo na sagrada Mesa, podemos contemplá-Lo e entreter-nos com Ele sobre qualquer dos Seus mistérios; conquanto esteja agora na sua vida gloriosa, n'Ele achamos Aquele que viveu para nós e nos mereceu a graça que estes mistérios contêm; vindo a nós, Jesus Cristo comunica-nos esta graça para operar pouco a pouco a transformação da nossa vida na Sua, que é o efeito próprio do sacramento. Para compreender esta verdade, basta percorrer as orações «secreta» e «postcommunio» da Missa das diferentes festas do Salvador. O objeto destas orações, que ocupam um lugar especial entre as do sacrifício, é diverso conforme a natureza dos mistérios celebrados.
Podemos, por exemplo, unir-nos a Jesus como vivendo in sinu Patris, igual ao Pai, Deus como Ele; Aquele que adoramos em nós, adoramo-Lo como Verbo co-eterno do Pai, o próprio Filho de Deus, objeto das complacências do Pai. Sim, adoro-Vos em mim, Verbo divino; pela união tão íntima que neste momento tenho convosco, concedei-me a graça de estar também convosco in sinu Patris, agora pela fé, mais tarde na eterna realidade para viver a vida própria de Deus, que é a Vossa vida.
Podemos adorá-Lo como O adorou a Virgem Maria, quando o Verbo Incarnado vivia nela, antes de vir à luz do mundo. Só no céu saberemos com que sentimentos de respeito e amor a Virgem se prostrava interiormente diante do Filho de Deus que dela tomava a nossa carne.
Podemos ainda adorá-Lo em nós mesmos, como O teríamos adorado há dezanove séculos, na gruta de Belém, com os pastores e os Magos. Comunica-nos então a graça de imitar as virtudes especiais da humildade, pobreza, desprendimento, que n'Ele contemplamos neste estado da Sua vida oculta.
Se quisermos, será em nós o agonizante que, pelo Seu admirável abandono à vontade do Pai, nos obtém a força para levarmos a nossa cruz de cada dia; será o divino ressuscitado que nos permite desapegar-nos de tudo o que é terreno, «viver para Deus», com mais generosidade e plenitude; será em nós o triunfador que, cheio de glória, sobe aos céus e nos arrasta consigo para lá  vivermos desde já pela fé, pela esperança e pelos santos desejos.
Cristo, assim contemplado e recebido, é Cristo a reviver em nós todos os Seus mistérios, é a vida de Cristo a instilar-se na nossa, a substituir-se a ela com todas as Suas belezas próprias, os Seus méritos particulares e as Suas graças especiais: Deserviens uniuscujusque voluntati.

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